Marcel Gascón.
Johanesburgo, 6 dez (EFE).- Nelson Mandela, que morreu nesta quinta-feira aos 95 anos, lamentou várias vezes que seu compromisso com seu povo o tenha feito descuidar de certo modo de sua família, cujas polêmicas e disputas internas marcaram os últimos meses de vida do ex-presidente.
Mandela teve devoção por um só partido - o Congresso Nacional Africano (CNA) e, quase desde o princípio, um credo não racial e democrático que seguiu sempre, sem vacilações.
No âmbito privado, por outro lado, os rigores da luta contra o regime de segregação racial do 'apartheid' tornaram mais perigosa sua vida pessoal.
'A luta consumia todo o tempo. Um homem envolvido na luta era um homem sem vida familiar', admitiu Mandela em sua autobiografia 'O longo caminho para a liberdade'.
Além disso, a infelicidade na vida pessoal bateu mais de uma vez na porta do estadista, que viveu dois divórcios e viu três filhos morrerem.
Os destinos de Madiba, como é carinhosamente conhecido em seu país, e sua primeira esposa, Evelyn Mase, se separaram em 1958, devido, em parte, ao ativismo de Mandela.
Evelyn sonhava com uma vida tranquila no Transeki, a região natal deles, na atual província do Cabo Oriental (no sudeste), mas seu marido parecia chamado a mais altas responsabilidades, e seu fervorosa atividade política e sua vontade de permanecer em Johanesburgo precipitaram o rompimento.
Também não teve o casal sorte com filhos: a primeira filha, Makaziwe, morreu em 1948 logo depois de nascer; o primogênito Thembekile perdeu a vida em 1969 em um acidente e seu irmão Magkatho morreu em 2005 como consequência da Aids.
Do casamento só sobreviveu a segunda filha, Makaziwe, batizada em homenagem a sua falecida irmã.
Em 1958 Mandela se voltou a casar, apaixonadíssimo, por Winnie Madikizela, com quem teve duas filhas, Zenani e Zindzi, e compartilharia as penalidades da clandestinidade.
No entanto, a vida em comum dos pombinhos foi interrompida em 1962, quando Mandela foi preso por suas ações contra o 'apartheid'.
Durante seus 27 anos na prisão, Winnie foi seu apoio pessoal e político e o primeiro motivo privado, junto com suas filhas, para resistir em cativeiro.
Ao ser libertado em 1990, o herói público encontrou em casa uma mulher fria e distante, que nem sequer dormia com ele e tinha tido um caso com um guarda-costas, o que desembocou em 1996 em seu segundo divórcio.
Madiba se voltou a casar em 1998, aos 80 anos, com a viúva do presidente moçambicano Samora Machel, Graça Machel, 27 anos mais jovem que ele e a quem Winnie chamou - com algo de rancor - de'essa concubina'.
Nos últimos meses de vida de Mandela, Machel não se separou do homem 'solitário' a quem fez feliz e foi mais louvada por sua discrição, diante das estridências de outros membros da família Mandela.
Em junho, enquanto o ex-presidente estava hospitalizado em estado grave, a divisão de sua família apareceu em público.
Makaziwe e outros quinze integrantes do clã Mandela - entre eles a própria Machel - pediram na Justiça o retorno dos restos dos três filhos já falecidos de Madiba ao lugar de onde tinha desenterrado Mandla, o neto mais velho do ex-presidente, dois anos antes.
A iniciativa do grupo revelava que Mandla tinha exumado os ossos na cidade de Qunu (no sudoeste) sem permissão de seus tias e os tinha enterrado próximo a Mvezo.
Qunu é a cidade onde Mandela cresceu, viveu até adoecer e onde queria ser enterrado.
Em Mvezo nasceu Mandela e ali é Mandla é chefe tradicional e enfrenta Makaziwe pelo controle do clã.
A disputa se resolveu em quatro de julho, quando, aplicando a decisão judicial, os restos dos três filhos de Mandela - entre eles o pai de Mandla, Makgatho - retornaram a Qunu.
Não era, no entanto, a primeira batalha legal que enfrentava à família.
Em abril 17 membros do clã liderados por Makaziwe e Zenani iniciaram uma ação legal para conseguir o controle das duas empresas fundadas por seu pai.
Os litigantes pediram a suspensão como diretores de duas companhias de gestão do patrimônio do ex-presidente de um antigo advogado de Madiba e de dois de seus companheiros políticos.
As filhas questionam que foi seu quem nomeou o ex-ministro Tokyo Sexwale e o advogado George Bizos, ambos ex-ativistas 'antiapartheid', assim como o advogado Bally Chuene, em postos de direção destas empresas.
As companhias administram o dinheiro gerado por uma série de obras que se aproveitam das marcas produzidas pelas mãos de Nelson Mandela.
O processo, ainda aberto, representa um ataque dos Mandela a algumas das pessoas mais próximas a Madiba durante sua vida.
As brigas públicas dos Mandela escandalizaram muitos sul-africanos, entre eles o arcebispo emérito da Cidade do Cabo e prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu, que exigiu com dureza que parassem de 'cuspir na cara' ao ex-presidente. EFE
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