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Uma exposição no Grand Palais apresenta a trajetória do joalheiro. É um espetáculo de história, arte, mundanidade - e, claro, muito, muito brilho
Mario Sabino, de Paris
VERDES ANOS - Em 1929, ano do crash da Bolsa de Nova York, Marjorie Merriweather Post, então a mulher mais rica dos EUA, foi retratada com o broche de esmeraldas criado pela maison parisiense (Fotos divulgação Cartier)
No Brasil, roubam-se joias - de pessoas, bancos e museus. Na França, ainda se pode usá-las e expô-las, sem o risco de ter a garganta cortada ou levar um tiro na cabeça. Não é um início glorioso para uma reportagem sobre a extraordinária exposição em cartaz no Salão de Honra do Grand Palais, em Paris, dedicada à história da joalheria Cartier. Mas, para um brasileiro, é inevitável pensar em seu próprio país quando ele se vê diante de um tesouro como o que está sendo exibido até 16 de fevereiro próximo. Pois é, malandragem da Papuda e similares, o papo aqui é outro - sabe como é, gente é para brilhar e para ver brilho, não para morrer de fome, bala ou esquistossomose via bandidos que afanam o Erário e, por tabela, a saúde e a educação.
A MARCA DA PANTERA - Os designers da Cartier sempre deram asas à fantasia. E patas, como as da pantera. Símbolo da mulher livre e solta, ela está no broche de diamantes e safira
O nome da mostra é Cartier, o Estilo e a História. Mas o título ideal seria “Cartier, Joalheiro dos Reis - e das Rainhas”. Fundada em 1847, por Louis-François Cartier, a maison floresceu mesmo sob o comando do seu filho Louis Cartier. A partir do último quarto do século XIX, não houve cabeça coroada na Europa que não usasse uma joia Cartier especialmente criada para ela. Aliás, essa história de “joalheiro dos reis” é um achado de um monarca - o rei Eduardo VII, da Inglaterra, que encomendou 27 tiaras para a sua coroação, em 1901. Para ele, Cartier era “o joalheiro dos reis e o rei dos joalheiros”. Ou seja, agregava muito, mas muito valor ao camarote, se é que você entende... Cartier se tornou o fornecedor oficial da família real inglesa e de outras casas reais. Na exposição, há um broche em forma de flor, da coleção de Elizabeth II, com um magnífico diamante rosa. Outra preciosidade é o diadema Halo, de 1936, confeccionado em platina e - pasme - 888 diamantes. O Halo foi usado por Catherine Middleton, duquesa de Cambridge, quando a magrinha se casou com o príncipe William, em 2011.
Ela, a ovelha negra, a americana divorciada, que fez o rei Eduardo VIII, da Inglaterra, abdicar por amor, também era cliente assídua. Pode-se dizer que Wallis Simpson, duquesa de Windsor, saiu da pobreza - e a pobreza saiu de dentro dela. Não é fácil, não, ao contrário do que possa parecer. E tornou-se rica com certa dose de fantasia, como dá para verificar pelo broche em forma de flamingo encomendado por ela em 1940 - platina, diamantes, esmeraldas, safiras e rubis. A fantasia, aliás, é uma das marcas da Cartier. Em alguns casos, os símbolos por ela lançados se tornaram quase que arquétipos, como a pantera que representa a mulher livre e sedutora.
AS OVELHAS NEGRAS E O FLAMINGO - Wallis Simpson, a duquesa de Windsor, que fez o rei Eduardo VIII, da Inglaterra, abdicar por amor, era cliente assídua
Uma das graças da exposição é apresentar joias ao lado de fotos e quadros em que os seus proprietários originais as usam. Uma pintura de Giulio de Blaas, de 1929, retrata a americana Marjorie Merriweather Post com um broche magnífico de esmeraldas, que está logo ali, na vitrine à esquerda. No ano do crash na Bolsa de Nova York, a então mulher mais rica dos Estados Unidos não parecia preocupada com o abalo na economia mundial. Aliás, Louis Cartier teve o faro de instalar, no início do século XX, uma filial na América, onde estava o dinheiro novo e abundante. Atribui-se a ele a entrada triunfal de magnatas americanos, como Grace Vanderbilt, por exemplo, nos círculos da aristocracia francesa.
FRANÇA E INGLATERRA, JUNTAS - A Cartier foi designada fornecedora oficial da família real inglesa. Em seu casamento com o príncipe William, Catherine usou o diadema Halo, com 888 diamantes
Ele era um apaixonado pela corte de Luís XVI e ajudou a reabilitar a figura de Maria Antonieta, fazendo a cabeça de muitas mulheres, com o perdão do trocadilho voluntário, por meio de tiaras, colares, objetos de decoração e broches que - como é que se diz, mesmo? - revisitavam o estilo da rainha guilhotinada. Os seus artesãos se debruçavam sobre cartapácios empoeirados, para desenhar as peças que fariam a fama da maison nos primeiros decênios. Ao longo dos anos, as inovações tecnológicas foram sendo incorporadas com rapidez pela Cartier, para criar os primeiros relógios de pulso (idealizados pelo brasileiro Santos Dumont) e as peças pioneiras de aço.
OLHE SÓ O MEU RELÓGIO - O ator Rodolfo Valentino usou o seu Tank no filme O Filho do Sheik, de 1926. Esquecimento ou apego, no Brasil arrancavam-lhe o braço...
De reis e rainhas à burguesia da era industrial - com umgrand finale de celebridades do jet set e estrelas de Hollywood. Da lista de clientes da Cartier, faziam parte Liz Taylor, com aqueles diamantões que ela amava mais do que os maridos, a radiosa Grace de Mônaco e a atriz mexicana María Félix, com os seus braceletes em forma de cobra e o jeito de madurona-propaganda de cigarrilhas. Arte, design, tecnologia, poder, mundanidade - é possível aprender um bocado de história por intermédio da trajetória da Cartier. Não, no Salão de Honra do Grand Palais, em cuja estrutura metálica déco são projetadas continuamente imagens de diamantes, não há um espacinho para a exploração desumana dos trabalhadores nas minas da África do Sul, origem da maioria das pedras da Cartier. Mas por que bancarmos os chatos, não é?
Por último, uma curiosidade: na mostra, há uma foto do ator Rodolfo Valentino, numa cena do filme O Filho do Sheik, de 1926, vestido de príncipe árabe - e usando um relógio Tank, da Cartier. Ele se esqueceu de tirar ou se recusou a fazê-lo, não se sabe ao certo. Já pensou se fosse no Brasil? Arrancavam-lhe o braço para roubar o relógio.
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