Eeva Tuuhea se lembra do exato momento em que recebeu o telefonema de um amigo dizendo que o Hot Clube de Portugal, famoso clube de jazz de Lisboa desde a década de 40 que ela frequentava há vinte anos estava pegando fogo ‒ literalmente.
Eeva Tuuhea se lembra do exato momento em que recebeu o telefonema de um amigo dizendo que o Hot Clube de Portugal, famoso clube de jazz de Lisboa desde a década de 40 que ela frequentava há vinte anos estava pegando fogo ‒ literalmente.
"Foi em 22 de dezembro de 2009, às três da manhã. Chovia muito", conta a finlandesa loira e de meia-idade, que se dizia "parte da mobília" do Hot Clube desde o fim dos anos 80.
"Depois que ele me ligou, fui lá ver o estrago; pelo menos 8.500 desconsolados se uniram no Facebook, mas sabe Deus quantos mais há por aí", disse ela.
O fogo e a água usada para apagá-lo destruíram o edifício. O Hot Clube esfriou ‒, mas o período de luto foi curto. A Prefeitura prometeu ajuda e financiou a instalação do clube em um local pequenino, pertinho do original, de frente para a descolada Praça de Alegria.
Concluído em 2011 e reinaugurado oficialmente no ano passado, o novo Hot Clube de Portugal está de volta com apresentações de artistas regionais e internacionais.
Em uma noite agradável no fim do ano passado, todos os temores de que a versão 2.0 não estivesse à altura do seu adorado antecessor caíram por terra: fãs de todas as idades e estilos de vida ‒ de universitários a profissionais liberais, passando pelos clientes de carteirinha de 40 e 50 anos ‒ lotaram o salão pequenino e sem janelas.
'O espaço é novo, mas o espírito é o mesmo', constata Tuuhea, bebendo vinho tinto no balcão enquanto esperava a apresentação de Carlos Bica, baixista português cuja banda de apoio, a Azul, às vezes produz peças de vanguarda belíssimas e estranhas. 'Sem dúvida, o coração do jazz lisboeta voltou a bater', acrescentou ela, dramaticamente.
Nos últimos anos, várias casas de espetáculos vêm surgindo em Lisboa, da mesma forma que outras, famosas, mas já desativadas, começam a se reerguer das cinzas, literal e figurativamente. De clubes intimistas a salões de bailes gigantescos, a nova geração de opções noturnas enriquece o cenário baladeiro da capital portuguesa e expande as alternativas dos aficionados por música e bandas de todos os gêneros. Na verdade, um giro pela cidade é uma verdadeira viagem por continentes e estilos, desde o indie jazz à batida africana, passando pelo rock retrô norte-americano e a música experimental eletrônica.
'Todo mundo acha que em Lisboa só tem fado', desabafa Luis Rodrigues, editor musical da Time Out Lisboa, referindo-se à música tradicional e melancólica que se tornou um clichê português, 'mas tem muitas coisas acontecendo por aqui.'
Por exemplo, se você procura um programa requintado com sons globais (de jazz ao folk e até ethno-groove) e a alta gastronomia portuguesa, o café/restaurante Vinyl, arejado e moderno, começou a funcionar em 2012. E, se é daqueles que realmente não passam sem o fado, pode ouvir o estilo readaptado aos formatos mais inesperados e vanguardistas (além de outros ritmos portugueses, tanto tradicionais como experimentais) no Can the Can, um restaurante com cara de galeria e 'laboratório de fado' aberto por Rui Pregal da Cunha, vocalista da famosa banda de rock dos anos 80 Heróis do Mar (O cardápio consiste em versões requintadas ‒ e arrojadas ‒ de tradicionais peixes enlatados, como a sardinha e a cavala.)
'Eu encaro o fado como a expressão urbana máxima dos nossos sentimentos, cultura e idioma ‒ e, nesse aspecto, ele obteve um sucesso incrível entre os músicos mais jovens que se arriscaram a participar do que, para eles, é uma experiência totalmente nova', afirmou o cantor.
Na mesma semana em que aconteceu a apresentação de Carlos Bica no Hot Clube de Portugal, um público eclético lotou o B.Leza, um galpão rosa que praticamente brilha à noite, destacando-se nas docas próximas à estação de trem do Cais do Sodré. Imigrantes africanos e portugueses de todos os estilos ‒ universitários com caras de nerd, intelectuais de meia-idade, um grupo de comemorava uma despedida de solteira ‒ pagaram o couvert de dez euros para se espalhar pelo gigantesco espaço neoindustrial.
Francisco Seco/The New York Times
Nas paredes, pôsteres coloridos anunciavam espetáculos passados e futuros de diversos artistas africanos de prestígio, incluindo Bombino, o guitarrista tuaregue de Níger e o lendário cantor e guitarrista de Cabo Verde, Tito Paris; na entrada, folhetos de exposições de fotos, leituras de poesia e o baile tradicional das noites de domingo para os interessados.
Pergunte a qualquer fã de música de Lisboa sobre o B.Leza e você vai receber como resposta um suspiro nostálgico e um relato sobre a beleza e a personalidade do local original, um palácio do século XVIII que o clube teve que abandonar em 2007. Frequentado por universitários e celebridades como Robert De Niro e Catherine Deneuve, a antiga casa é lembrada com saudades por todos.
Embora sua versão contemporânea, inaugurada no ano passado, não tenha a grandiosidade da antecessora, certamente manteve a programação variada e a lealdade dos fãs. O B.Leza ainda é um dos poucos lugares de Lisboa em que é possível dar de cara com a sua mãe ‒ e não só se você for um pirralho, mas se ela gostar de música típica angolana ou de ficar de olho nas celebridades que aparecem por lá, como Jeremy Irons e Pierre Casiraghi de Mônaco, vistos recentemente.
'Eles chegam aqui como gente normal', conta Sofia Saudade e Silva, cujo pai, um advogado apaixonado pela música africana, fundou o clube e o deixou para as filhas quando morreu. 'é porque todo mundo é tratado da mesma forma, ricos, pobres, brancos e negros.'
Por volta das duas da manhã, a dupla composta pelo guitarrista Stephan Almeida e o vocalista Flégon Oliveira subiu ao palco, com direito a banda de apoio. Com pouco mais de vinte anos, os dois saíram do Cabo Verde para fazer a primeira apresentação na casa. Ninguém sabia bem o que esperar, mas sendo fim de semana, a expectativa era grande. Sofia e o marido descobriram os dois algumas semanas antes, em um pequeno restaurante no bairro da Alfama, onde se apresentavam para os clientes no jantar.
Sob as luzes azuis dos holofotes, Almeida começou tirando acordes complexos e contagiantes da guitarra enquanto os músicos de apoio caprichavam na batida pop africana. Com um cachecol jogado displicentemente ao redor do pescoço, Oliveira dançava, sorrindo, exalando carisma enquanto entoava canções melodiosas em português. Dezenas de casais dançavam perto do palco. Qualquer dúvida que havia de que a novidade não agradasse se dissipava mais rápido a cada batida.
'A gente estava meio com medo dessa primeira apresentação', confessou Ricardo Mesquita, marido de Sofia, ratificando a falta de experiência dos artistas, 'mas eles são muito seguros e animados. E já estão se sentindo em casa.'
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