1. O tempo entrou em colapso de tempo. Hoje, fala-se de presentismo, o oposto ao futurismo, que andava na moda. Hoje, cada qual sente-se sobrecarregado, precisando fazer o máximo num mínimo de tempo, inclusive e eventualmente, ler este artigo.
2. O tempo de se dedicar ao tempo desapareceu em recente show de Paul McCartney. Havia 50 mil pessoas na plateia e meia-dúzia no palco. Estes empunhavam guitarras; já todos os demais empunhavam celulares, não olhavam (ouviam?) sequer para o palco, estavam aflitos, muito aflitos em capturar imagens e transmitir a qualquer outro ser vivo que estivesse com um Iphone, Ipad ou Ai-ai à mão.
3. O tempo, ali, não era o da contemplação. Em outro show, o do nascimento de minha filha, meses depois, estava recostado ao rosto de minha mulher, na sala de parto. A um metro da barriga aberta, o novo ser vivo foi saudado com um festival de trinados de celulares. Eram uns cinco: da médica, da assistente, do anestesista… Este atendia e repassava os assuntos àquelas de luvas cirúrgicas: Fulano ligou! Beltrano quer falar! Não teria sido mais sadio dedicar estes 15 minutos de tempo a saudar a existência da vida e anular a invasão do mundo eletrônico?
4. O tempo de eu-menino era passado em Barra de Guaratiba, subúrbio rural do Rio. Levava-se horas para chegar lá. Havia um único telefone: o da peixaria. Girava-se uma manivela e a telefonista rosnava: “Rural”. Pedia-se a ligação. A telefonista respondia: “Volte amanhã às cinco da tarde para completar o telefonema.” Faz menos de 50 anos! De um dia a outro, aprendia-se a conhecer o limite das palavras, do que devia ser dito e do que merecia ser calado.
5. O tempo de Santo Agostinho era mais sábio ainda, pois, dizia ele, existirem três tempos : “O presente das coisas passadas, o presente das coisas presentes, o presente das coisas futuras. (…) [os] três estão de alguma maneira na alma e eu não os vejo em outro lugar: o presente das coisas passadas é a memória, o presente das coisas presentes é o olhar, o presente das coisas futuras é a expectativa.”
6. O tempo sem a memória, sem o olhar e sem uma expectativa elaborada, ainda e apesar dos acasos, resulta na paralisia. É este o tempo que as esferas do Poder vivem, hoje, no Brasil. Fundam o país a cada dia de novo pela manhã com um ato, um decreto, uma fala, que será atirada ao valão do nada na manhã seguinte.
7. O tempo parece fazer ao eco ao que minha avó vociferava contra a língua solta do neto: “ A boca não acompanha a cabeça”. As decisões cotidianas do Governo assim parecem. Portanto, peço vênia à Presidente para que ela siga o conselho de minha avó, além de tomar uma boa canja (que não faz mal a ninguém) e pense, elabore, aprofunde, pesquise um pouco mais antes de soltar seus proclamas à nação.
8. O tempo passou a ser o da brincadeira do “Coelho sai/ Coelho não sai”. Dois anos para médico/ Dois anos sem médico; Importa médicos/ Não importa médicos; Faz plebiscito/ Não faz plebiscito”… E um verdadeiro plano estratégico de saúde, educação, infra-estrutura para o país fica ao decurso do tempo.
9. O tempo da plenitude virtual está nos acossando, como descrito no livro Present shock, de Rushkoff, a uma necessidade de fazer tudo e estar em todos os lugares, sem estabelecer prioridades. Distraídos por interrupções constantes, perde-se a concentração. Se a quem vai a um show de rock e até, em última instância, realiza um parto, tal é permitido, à Presidência da República não o é. A esta é necessário grandeza.
10. O tempo é o de tê-lo na alma, como ensinava Santo Agostinho, sabendo olhar com outro olhar para o presente. O tempo está onde sempre esteve em todos os tempos: ouvir o clamor das ruas. E realizar o que elas pedem.
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