quarta-feira 07 2013

ALGUMAS IDEIAS REVOLUCIONÁRIAS SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE

Quando ela era criança na Espanha e lhe faziam a clássica pergunta “O que você quer ser quando crescer?”, ela respondia: “Homem”. Hoje Beatriz Preciado tem 41 anos, é uma filósofa e ativista queer que leciona em Paris, e se declara transgênero. Eu nunca tinha ouvido falar nela antes de uma leitora me indicar sua obra (viram como aprendo com vocês?). 
O livro mais recente de Preciado é Pornotopía, que trata de como a pornografia, a partir dos anos 1950, vira uma cultura de massas (é possível lê-lo aqui). “E a masturbação, que no século 19 era vista como patologia e perda de tempo, depois da Segunda Guerra se converte numa plataforma de produção de capital”, diz ela. Logo, Hugh Hefner, fundador da Playboy, não se vê como pornógrafo, mas como arquiteto, que tenta ajudar os americanos a reconquistar o espaço doméstico. “Mais que uma revista com mulheres nuas, a Playboy tinha o projeto de abrir a casa hétero do modelo de consumo e reprodução para um de prazer e capital”  uma palestra de Preciado em espanhol). 
Mas o livro mais famoso de Preciado, um clássico do movimento transgênero ou queer, é Manifiesto Contrasexual, de 2002. Em Testo Yonqui ela fala, entre outras coisas, de como aplica testosterona nela mesma. Yonqui éjunkie em inglês, viciad@. Preciado não quer fazer cirurgia pra mudança de sexo. Ao contrário do que dizia na infância, não quer virar homem. É lésbica e se reserva o direito de não querer pertencer a um só gênero (feminino ou masculino). 
Dois anos atrás, ela deu esta entrevista ao El País. Achei espetacular, muito provocadora, e decidi traduzir alguns trechos. 
Gostei porque sabe aquele post em que perguntei, de modo totalmente intuitivo e sem nenhum embasamento teórico, se seria possível virar lésbica? Então, Preciado fala algumas coisas bem parecidas. Fico feliz ao ver que eu não falo só besteira! Diz ela: “A sexualidade é muito comparável às línguas. Aprender outra sexualidade é como aprender outras línguas. E todo mundo pode falar as línguas que quiser. Há apenas que aprendê-las, igual à sexualidade. Qualquer um pode aprender as práticas da heterossexualidade, da homossexualidade, do masoquismo...
A jornalista pergunta se não há uma sexualidade materna, assim como há uma língua materna. Para Preciado, “Há uma sexualidade que constitui o seu selo de doutrinação. Aquela que você aprende a reconhecer como natural. Mas enquanto você aprende uma segunda língua você sabe que há mais, que inclusive você pode abandonar a primeira língua sem o menor problema. Eu estive anos sem falar espanhol e o faço bem, não?
Muito bem! Preciado é uma gracinha. Mas não sei se querer é poder. Porque, se a gente pensar que um hétero pode tornar sua sexualidade mais flexível e ser homo, ou bi, a gente também vai acreditar que um homossexual pode ser "convertido" para a heterossexualidade (que é o que os fanáticos religiosos prometem com a graça de deus). Claro que ela está falando o contrário de um religioso -- ela não quer camisas de força. Preciado diz: “Não creio na identidade sexual, me parece uma ficção. Um fantasma em que alguém se pode instalar e viver confortavelmente”. 
Acho que ela está tratando ao mesmo tempo de gênero (feminino/masculino/trans) e de orientação sexual (homo/bi/hétero etc). Por exemplo, o que ela diz pode dar um nó na cabeça não só de héteros quadradinhos como eu mas também na de gays e lésbicas assumidos: “O que observo nas pessoas é uma tensão ainda que inconsciente para adequar-se ao que se supõe que é feminino, masculino, heterossexual ou homossexual. Eu também experimentei a pressão homossexual ao dizer que não sou um cara ou uma cara. Na homossexualidade há restrições, regras precisas. A tensão está ali. A revolução é outra coisa”.  
Ela vê sexo e gênero como construções biopolíticas: “o masculino é visto como técnica, construção, cultura. O feminino é visto como natureza, reprodução. O que é construído é essa distinção entre natureza e cultura que não existe, que é fictícia. [Os cromossomos XX e XY] são um modelo teórico que aparece no século 20 para tentar entender uma estrutura biológica, ponto”. 
E, por incrível que pareça, ela não acha que vivemos numa cultura hedonista: “O fato de que o que movimenta a cultura seja o prazer não quer dizer que o fim seja hedonista. O objetivo é a produção, o consumo, e, na sua etapa final, a destruição. O desafio para o que deveria ser uma esquerda para o século 21 é tomar consciência desse estado de depressão coletiva. Deve ser diferente da direita, que vive na euforia do consumo, na produção de desigualdades, na destruição. A esquerda tem que dizer: m*rda, já estamos c*gando, e isso tem que levar a um despertar revolucionário. E creio que isso pode vir daqueles que estamos à margem do político: os gays, as lésbicas, os yonquis, as putas. Ali há modos de produção estratégicos para a cultura e a economia, aí sim estão produzindo-se soluções”. 
E aqui algo que concordo 100% com ela, e que eu (e outras feministas) vivo dizendo: “Se há algo que está em crise, é a masculinidade. Desde o feminismo tem havido um trabalho crítico, mas, da parte dos rapazes, nada.
Radical, Preciado propõe ensinar às meninas não técnicas de defesa pessoal (porque, numa cultura bélica como a que vivemos, isso já as colocaria em desvantagem), mas técnicas de ataque pessoal: Busco alternativas radicais à cultura da guerra, e uma delas é o acesso igualitário às técnicas da violência. Toni Negri dizia: é preciso dar armas ao povo, já que o Estado anda armado. Eu diria: é preciso dar armas às mulheres, já que os homens andam armados. É uma guerra fria: você tem armas, eu também”.
Ahn, não concordo com isso. Quero paz. Quero uma população desarmada. Mas, se eu tivesse filhas, elas fariam alguma arte marcial desde pequeninas. Pra defesa, não pra ataque. Se bem que entendo que isso pode não ser eficaz. 
Bom, pessoas, vocês já tem pólvora para uma bela discussão. Explodam esta caixa de comentários (mas com delicadeza, educação e, se possível, humor).

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