quinta-feira 25 2013

Mutação rara provoca corrida por remédio para colesterol

Por Gina Kolata- The New York Times News Service/Syndicate
veja.com
A descrição é básica: professora de aeróbica de 32 anos, morando em um subúrbio de Dallas, saudável, com diploma universitário e duas crianças pequenas – nada extraordinário, a não ser por uma coisa. O colesterol era assombrosamente baixo.
Mutação rara provoca corrida por remédio para colesterol
A descrição é básica: professora de aeróbica de 32 anos, morando em um subúrbio de Dallas, saudável, com diploma universitário e duas crianças pequenas – nada extraordinário, a não ser por uma coisa. O colesterol era assombrosamente baixo. A lipoproteína de baixa densidade (LDL, na sigla em inglês), a forma que promove doenças cardíacas, era 14, nível desconhecido em adultos saudáveis, cujo índice normal fica acima de cem. O motivo era uma rara mutação genética herdada dos pais. Somente mais uma pessoa, uma jovem zimbabuana saudável cujo colesterol LDL era 15, fora encontrada com a mesma mutação.
A descoberta da mutação e das duas mulheres com taxas assombrosamente baixas de LDL desencadearam uma das maiores caçadas médicas de todos os tempos. É uma corrida febril entre três companhias farmacêuticas – Amgen e Pfizer, ambas dos Estados Unidos, e Sanofi, da França – para testar e ganhar a aprovação de um remédio que simula os efeitos da mutação, reduz o nível do LDL a um novo limite inferior e previne ataques cardíacos.
Os três laboratórios têm medicamentos em estudos clínicos e informam que os resultados, por enquanto, são animadores. "É nossa maior prioridade", disse o Dr. Andrew Plump, diretor de medicina translacional da Sanofi. "Nada mais que estejamos fazendo tem o mesmo impacto sobre a saúde pública." O Dr. Gary H. Gibbons, diretor do Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue dos EUA, avalia que mesmo que os medicamentos sejam caros e injetáveis, pelo menos dois milhões de norte-americanos poderiam ser candidatos. Se as drogas forem baratas e em formato de comprimido – duas grandes questões –, elas poderão ser empregadas por um a cada quatro adultos.

Por ora, pessoas com taxas de colesterol alto que não baixavam com a terapia convencional estão ingerindo os medicamentos em estudos preliminares e viram seus níveis de LDL despencarem de patamares muito acima de cem para 50, 40 e até menos. A exemplo da insulina para o diabetes, os remédios são injetados, mas uma ou duas vezes por mês.
O Dr. Barry Gumbiner, coordenador dos estudos da Pfizer, contou que a empresa teve de decidir se estabelecia um limite para os níveis do LDL dos pacientes. A Pfizer interrompe o tratamento quando a taxa de LDL chega a 25 ou menos. As pessoas pareciam bem, mas os cientistas da empresa ficaram nervosos. 'Não existe muita experiência no tratamento de pessoas com níveis de LDL tão baixos', explicou o Dr. Gumbiner.
Outra preocupação é o custo. Os remédios dos três laboratórios são biológicos, o chamado anticorpo monoclonal feito com células vivas a um gasto enorme, como alguns dos novos medicamentos contra câncer que já estão causando tensão no sistema médico. A Amgen pretende fabricar toneladas métricas da sua droga, muito mais, de acordo com a empresa, do que qualquer outro biológico.
As seguradoras costumam pagar os remédios aprovados pela FDA, agência norte-americana reguladora de alimentos e medicamentos, e o número de pessoas que podem se beneficiar com esses medicamentos para colesterol deixam comendo poeira as que são auxiliadas pelas drogas biológicas anticancerígenas. Além disso, caso as drogas sejam utilizadas, os pesquisadores se perguntam se o colesterol pode ficar baixo demais.

Os dados sinalizaram benefícios cada vez maiores com níveis de LDL reduzidos, disse o Dr. Daniel J. Rader, pesquisador de colesterol da Universidade da Pensilvânia e consultor da Sanofi no desenvolvimento de seu remédio.
'Se eu tivesse uma doença coronária, certamente tentaria deixar meu LDL bastante abaixo de 50', disse Rader.
Porém, segundo Gibbons, com o nível do LDL caindo para um patamar tão baixo nos estudos, 'nós estamos penetrando território desconhecido'.
A história de como esses medicamentos surgiu começou há uma década. Pesquisadores franceses publicaram uma observação curta em 'Nature Genetics' relatando três gerações da mesma família com índices de LDL espantosamente altos – de até 466 – e uma história contundente de enfermidade cardíaca. Uma substância amarela parecida com cera que se acumula em artérias entupidas, o colesterol havia se acumulado em seus corpos. Alguns contavam com nódulos infestados de colesterol nos tendões que pareciam caroços debaixo da pele. O resultado eram infartos, derrames e mortes provocadas por doenças cardíacas em uma idade precoce.
A causa do infortúnio na família se revelou ser uma mutação em um gene chamado PCSK9, cuja função era desconhecida.
Em pouco tempo, os pesquisadores descobriram que o gene reduzia a capacidade do corpo de se livrar do LDL. Na família estudada pelos cientistas franceses, o gene que sofrera mutação deixara de trabalhar corretamente, levando a níveis cada vez mais altos de colesterol.

Esse fato deu uma ideia ao Dr. Jonathan C. Cohen e à Dra. Helen H. Hobbs, do Centro Médico do Sudoeste, da Universidade do Texas, Dallas. Se uma mutação no gene PCSK9 gerava níveis de LDL elevados, talvez existissem defeitos que ocorressem justamente na direção oposta, proporcionando níveis muito baixos de LDL e proteção contra doenças cardíacas. Eles encontraram os dados em um estudo norte-americano. Aproximadamente 2,5 por cento dos negros – e não dos brancos – no estudo contavam com um único gene PCSK9 que sofrera mutação e não funcionava mais. Outros 3,2 por cento de brancos tinham uma mutação menos poderosa que afetava o gene, mas sem destruí-lo.
Como as pessoas têm duas cópias de cada gene, uma herdada da mãe outra do pai, quem possuísse a mutação recém-descoberta não tinha os genes com mutação como a professora de aeróbica, mas um PCSK9 plenamente funcional e um que estava incapacitado. Mesmo assim, o impacto era claro. Os negros terminavam com uma taxa de colesterol LDL 28 por cento mais baixo do que o normal, em uma média de cem e não 138. Nos brancos, a mutação menos forte detinham um índice de LDL cerca de 15 por cento menor. O que levou os cientistas a procurar indivíduos com a mutação genética herdada de pai e mãe.
Cohen e Hobbs examinaram os dados em busca de um pai e mãe com a mutação. Eles encontraram um casal assim e fizeram testes com a filha em 2006. Ela era a professora de aeróbica com a rara herança dupla. Os investigadores afirmaram continuar em contato com ela, que permanece saudável, mas não quis dar entrevista. Na mesma época, pesquisadores sul-africanos começaram sua própria pesquisa por quem tivesse as duas cópias do gene e encontraram uma mulher saudável em uma maternidade no Zimbábue. Os cientistas desconhecem seu atual paradeiro. Depois veio a parte complicada: fabricar uma droga que criasse os efeitos das mutações. Os laboratórios farmacêuticos ficaram atônitos com a ideia, cada um dos três ambicionando ser o primeiro a vendê-la.

A perspectiva 'era tão quente que chiava', disse Steven Nissen, diretor do departamento de medicina cardiovascular da Clínica Cleveland e do estudo clínico da Amgen.
A Amgen já construiu três fábricas, no Colorado, Porto Rico e Rhode Island, para produzir o remédio. A empresa está antecipando a produção em uma escala nunca tentada antes com um anticorpo monoclonal, uma aposta elevada para uma medicação ainda na fase de testes.
A fábrica de quatro andares, no valor de US$ 70 milhões, em West Warwick, Rhode Island, parece algo saído de Brobdingnag, de 'As Viagens de Gulliver', a terra habitada por gigantes. Em todo estágio da produção, o equipamento científico familiar cresceu em uma escala sem precedentes. Células para produção de anticorpos que seriam armazenados em um frasco de vidro em um laboratório de pesquisa são cultivadas em um tanque de aço inoxidável do tamanho do tanque de combustível de uma jamanta. As companhias farmacêuticas querem estar preparadas com grandes quantidades de suas versões da medicação caso estas sejam aprovadas. 'Já começou a corrida para ver quem consegue fabricar', disse o Dr. Joseph P. Miletich, diretor de pesquisa e desenvolvimento de ciências translacionais da Amgen.
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