No ano em que 'O Príncipe' completa 500 anos, especialistas revisitam os conselhos do filósofo
07 de julho de 2013 | 2h 10
Lilian Venturini - O Estado de S.Paulo
É preciso colocar os óculos do tempo para ler O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, o filósofo italiano que há 500 anos escreveu a obra na qual detalha como um governante pode chegar e se manter no poder. Seu famoso tratado completa cinco séculos neste ano - e, em muitos aspectos, continua atual. Os protestos e manifestações que atingiram 353 cidades do País mostram que um de seus principais conselhos aos governantes foi esquecido: estar atento ao povo. "A um príncipe é necessário ter o povo ao seu lado", insistia ele. "De outro modo, ele sucumbirá às adversidades."
Descumprir promessas se preciso, agradar ao povo e saber fazer alianças são exemplos dos ditos do autor - os mesmos, por sinal, que o tornaram tão famoso e incompreendido. Cinco séculos atrás, o filósofo alertava para as sutilezas com que essas ações deveriam ser colocadas em prática.
"Maquiavel coloca que política é um território traiçoeiro e que nem sempre uma conduta marcada por princípios rígidos leva aos melhores resultados. O desafio é saber que se está lidando com terreno pantanoso", afirma o cientista político Carlos Ranulfo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Maquiavel, então, compreenderia bem quando políticos fazem alianças com partidos com linha ideológica diferente ou quando oferecem cargos em troca de apoio nas eleições. Mas alertaria: "Os Estados bem governados e os príncipes prudentes sempre cuidaram para não levar o desespero aos grandes e para agradar e contentar o povo, esta que é uma das mais importantes tarefas que incumbem a um soberano".
O que Maquiavel fez foi chamar atenção para a imperfeição do homem, para o jogo de interesses. Apontar como essas nuances se refletem na ação política. "Ele tinha claramente esses dois lados. Tinha preocupação com o interesse público, apesar de destacar os interesses pessoais (dos governantes)", lembra o cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O filósofo conseguiu entender que a continuidade de um governante no poder exigiria mais que alianças e boa retórica e por isso recomendava sensibilidade para reconhecer os anseios do povo. "Os políticos não têm uma noção, essencial em Maquiavel, que é a ação no tempo oportuno. Todos os problemas não resolvidos se acumulam e explodem", pondera o filósofo Roberto Romano, professor de Ética da Unicamp.
Na prática. O Príncipe foi escrito num período monárquico, de reinados hereditários ou obtidos pelas armas. Ao longo dos seus 26 capítulos, Maquiavel fez comentários como: "Os príncipes devem encarregar outros das ações sujeitas à protestação, mas assumir eles próprios aquelas concedentes de graça".
Nada muito diferente do que faz a presidente Dilma Rousseff quando anuncia em rede nacional a redução da conta de luz. Ou do que fez o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ao falar em "responsabilidade fiscal" e anunciar o corte de gastos depois da onda de protestos.
"As práticas descritas no livro tratam de como conquistar e manter o poder. No caso de Estados laicos e democráticos, como o Brasil, isso é legítimo e importante. Se pegarmos os últimos governantes, talvez o que não tenha seguido o caminho descrito por Maquiavel tenha sido Fernando Collor. Ele usou suas armas para conquistar o poder, mas não soube se manter no cargo", avalia o cientista político Fernando Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ainda assim, talvez seja o caso de se perguntar por que, em tempos de governos democráticos, as semelhanças com os dias atuais sejam tão evidentes. "Os homens não mudaram tanto assim. Mudaram as ordens que constituem a sociedade (empresa, Estado, jogo político, o Exército), mas a ação humana não. Ainda somos pessoas que têm de tomar decisão e agir, que é o cerne da política", avalia o professor Edison Nunes, da PUC-SP.
Para Roberto Romano, no entanto, de Maquiavel continua vivo justamente o que não é dele: "Políticos ainda estão no universo pré-maquiavélico, do apego às técnicas de dominação sem a percepção do que pode ser feito de democracia, de soberania popular". Talvez seja o caso de os políticos, estejam na base ou na oposição, relerem Maquiavel, mas com as lentes do século 21.
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