domingo 26 2013

Fernanda Montenegro ataca 'vício' em meia-entrada e estatização da cultura


FERNANDA MENA
DE SÃO PAULO
Ela já encarnou personagens de Sófocles e Molière, Pirandello e Beckett, Jorge Andrade e Nelson Rodrigues. Mas, em seus quase 65 anos de carreira, em que esteve na pele de cerca de 500 tipos, nos palcos, no cinema e na TV, há uma personagem que se destaca, interpretada diariamente e tida em todo o país como a primeira dama do teatro brasileiro: Fernanda Montenegro.
Foi esse o pseudônimo criado pela adolescente Arlete Pinheiro Esteves da Silva, em 1949, para apresentar um programa de adaptações literárias na Rádio do Ministério da Educação.
"Escolhi um nome que achei literário e maluco. E pegou", diz a atriz, remetendo à célebre frase com que o poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891) descreveu a multiplicidade de vozes que o artista traz em si: "Eu é um outro".


Aos 83 anos de idade, Fernanda Montenegro integra o elenco do remake de "Saramandaia"


Além do trabalho na TV, neste ano Fernanda ainda será, pela primeira vez na vida, diretora de uma peça



Vaidosa, Fernanda diz manter a silhueta esguia por sorte



Fernanda Montenegro posa para a Serafina



A atriz tem quase 65 anos de carreira



Fernanda Montenegro posa para a Serafina


Desde então, uma é outra, e outra é, no fundo, uma. "O esteio da dona Montenegro é a dona Arlete. Uma é para uso externo, outra é para uso interno. Uma tem uma fantasia em torno dela, outra tem a realidade palpável do dia a dia", teoriza, enquanto retoca a maquiagem para as fotos que ilustram estas páginas.
Mas, aos 83 anos, ainda consegue se enxergar como Arlete?
Antes de responder, uma mira a outra no espelho, em silêncio. Sem desviar os olhos do reflexo, diz: "Consigo. Mas consigo lá dentro. Isso aqui, agora, por exemplo, não é a Arlete. É a Fernanda. Embora o cavalo seja da dona Arlete, ou seja, o corpo seja o dela, tudo isso o que está armado sobre ele é da dona Fernanda", explica.
E foi como Fernanda Montenegro que ela causou barulho recentemente ao beijar na boca a colega Camila Amado, 77, durante o prêmio da Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR). O beijo, interpretado como um protesto contra a permanência do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, transformou a atriz em nova musa da luta contra a homofobia.
"Não foi bem um proteeeeesto", diz. "Dois atores haviam dado um selinho em repúdio ao insulto que é esse homem. A Camila entrou no palco e disse: 'Eu também gostaria que alguém me beijasse na boca'. E eu disse: 'Pois não, vamos nós'. Fui lá e a beijei simplesmente", narra. "Se foi tido como um protesto, tudo bem."
Agora, Fernanda integra uma campanha contra o preconceito cujo slogan é: "O próximo pode ser você".
Ela mesma já foi alvo. "Nos anos 1950, atriz era prostituta, e ator era gigolô ou veado. Não tinha salvação", lembra. Ela é do tempo em que toda atriz e toda prostituta tinham de obter na delegacia uma carteirinha para trabalhar na área de diversão. "Era um documento da segurança pública para a marginália. Foi suspenso após campanha da atriz Dulcina de Moraes [1908-1996]."
Criada num sítio na região de Jacarepaguá, zona oeste do Rio, Fernanda teve uma infância primitiva, cercada de bichos e dos parentes --muitos deles eram pastores na Sardenha, Itália.
A memória deve ajudá-la no remake de "Saramandaia", em que interpretará uma personagem que não existia na trama original e que contracena com animais. "Sempre conversei com os bichos, não vai ser novidade", brinca. "Perdi um cachorrinho que era a minha conversa noturna e tenho um casal de passarinhos com quem fico de papo. Mulher fala muito, né? Está sempre conversando com ela mesma e com as coisas. E bichos são ótimos para isso."

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