A atriz Fernanda Montenegro durante gravações de um especial de fim de ano da Rede Globo
Retrato da atriz Fernanda Montenegro em Porto Alegre, em 2012
Fernanda Montenegro e Walter Salles Jr. durante intervalo das gravações de "Central do Brasil"
A atriz Fernanda Montenegro em foto de 1987
A atriz faz pose em retrato feito em 1991
Fernanda Montenegro em cena do curta-metragem "Missa do Galo", de Roman Bernard Stulbach
Adriano Vizoni/Folhapress
A atriz em retrato de 1958
PRIMEIRO ATO
Além do trabalho na TV, neste ano Fernanda ainda será, pela primeira vez na vida, diretora de uma peça. Também retomará as viagens com a peça "Viver sem Tempos Mortos", monólogo em que interpreta, há quatro anos, a escritora Simone de Beauvoir (1908-1986).
O desafio de dirigir pela primeira vez teve como incentivo extra a autoria do texto. "Nelson Rodrigues, por Ele Mesmo - Um Depoimento" baseia-se no livro em que a filha do dramaturgo, Sônia Rodrigues, reúne crônicas nunca publicadas.
"Fui muito ligada a Nelson. A meu pedido ele fez três peças: 'O Beijo no Asfalto', 'Toda Nudez Será Castigada' e 'A Serpente'. Fiz 'A Falecida' no cinema e duas de suas novelas. Achei que saberia levar aquilo para os palcos", conta.
Ninguém diria que a moça que estreou no teatro em 1950, com a peça "Alegres Canções nas Montanhas", chegaria tão longe. O espetáculo foi "um fiasco", como costuma dizer, e ficou só dez dias em cartaz --mas foi ali que ela conheceu Fernando Torres, com quem se casou três anos depois.
No ano seguinte, estreou na TV Tupi. "Era um tempo em que ninguém via TV porque pouquíssima gente tinha o aparelho em casa. De modo que eu fazia programas para ninguém", ri.
"Com o tempo, a TV passou a imprimir a visão de que o ator vai ali para ganhar dinheiro, e não para fazer arte. Que ali é um pulo para o sucesso", avalia. "Hoje, 20% dos atores estão na TV com garantia de emprego por um bom tempo. Os outros 80% estão no teatro a pão e laranja. O teatro é um artesanato lento, e cada dia é uma batalha para sobreviver artística e economicamente."
Fernanda foi a atriz certa nas horas e nos lugares certos e se destacou em meio a uma geração de grandes talentos: Ítalo Rossi, Bibi Ferreira, Raul Cortez, Paulo Autran e Sérgio Britto. Após a morte de Cacilda Becker, em 1969, ela assumiu, aos 40 anos, o título informal de maior atriz do Brasil.
O ápice, no entanto, foi a indicação ao Oscar de melhor atriz, inédita para uma brasileira, pela atuação em "Central do Brasil" (1998), de Walter Salles.
"Não haveria 'Central do Brasil' sem ela", diz o cineasta. "O filme parte de uma ideia original criada para Fernanda, que imprimiu um nível de excelência que irradiou para a equipe inteira."
Veremos Walter e Fernanda juntos novamente? "Estamos pensando em um novo filme juntos. É algo embrionário, mas que pretendo realizar," diz a atriz. "Colaborar novamente com Fernanda seria um sonho", derrete-se o diretor.
SEGUNDO ATO
Arlete conseguiu preservar sua intimidade e manter Fernanda Montenegro na linha de frente. A atriz se tornou empresária de si mesma.
"Meus pais eram independentes: autodidatas, franco-atiradores, aventureiros", diz a atriz Fernanda Torres, 47, colunista da Folha e filha do casal, assim como o cenógrafo e diretor Claudio Torres.
Mãe explica filha: "No meu tempo, do espetáculo mais experimental ao mais careta, a gente ia ao banco, pegava um empréstimo e se endividava. Só que o público pagava o ingresso. E a gente saldava a dívida e sobrevivia".
Fernandona ataca a estatização e o "pouco pão na mesa" da cultura. "O Estado é o grande pai --no caso, a grande mãe--, e somos prisioneiros desse sistema", diz. "Só se faz tanto monólogo hoje porque é o que dá para produzir."
Para a atriz, o bom exemplo desse "sistema" é o modelo de prestação de contas. "Adoraria ver os 39 ministérios do Brasil justificando despesas como nós da cultura fazemos para o Ministério da Cultura. Isso é dinheiro público."
Fernanda foi convidada duas vezes a assumir esse Ministério da Cultura: uma no governo Sarney (1985-1990) outra no Itamar Franco (1992-1994).
"Quando você se entrega a uma profissão, passa a ter uma deformação profissional, entre aspas, que me levou a declinar desses dois convites. Vê a que ponto se chega?" E cai na gargalhada, sem arrependimentos.
Para ela, outro problema da cultura atualmente é o "vício" em ingresso barato e em meia-entrada. "Você não pode fazer um espetáculo em que, se aparecer 100% de público com carteirinha, você obtém metade da bilheteria. Se você levar essas carteirinhas no supermercado, o açúcar não sai pela metade do preço, não é verdade?"
TERCEIRO ATO
Vaidosa, Fernanda diz manter a silhueta esguia por sorte. "Não tenho propensão para engordar. Como bem, mas não gosto de gordura nem de doce."
Há 40 anos, fez sua primeira e única cirurgia plástica. "Tirei bolsas debaixo dos olhos. Elas voltaram, maravilhosas. Percebi que era inútil lutar. Inútil paisagem, como cantou Tom Jobim."
O passar dos anos e a fragilidade do corpo parecem não a incomodar. Difícil é testemunhar a morte dos amigos.
Nos últimos dez anos, Fernanda convive com esses vazios: Sérgio Britto, Gianni Ratto, Gianfrancesco Guarnieri, Chico Anysio, Millôr Fernandes, Ítalo Rossi e Fernando Torres, que morreu em 2008, após 60 anos de casamento. "Os primeiros anos sem Fernando quase me derrubaram", desabafa.
Sobre a perda de colegas, confessou ao ex-genro, Gerald Thomas, chorar diariamente. "Na hora de dormir, olho para o teto e choro. Na hora de acordar, olho para o teto e choro de novo. E, se você quer saber, às vezes, no meio da madrugada, eu choro também."
A declaração fez o dramaturgo produzir um texto intitulado "Eu Choro". "Fernanda tem aqueles olhões para fora e se emociona facilmente. Dá para ver ali toda a angústia da humanidade."
À Serafina, confessou. "É horrível. São pessoas que vão embora e não têm peça de reposição. Com cada um se viveu uma memória. E agora só eu estou com aquela memória em comum... Por enquanto."
Fernanda acredita que já viveu os melhores anos da vida, portanto, a preparação para a morte é inevitável. "Mas vamos carregando o processo vital até onde der."
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