Parte do Ministério Público reage à iniciativa da Assembleia de tentar retirar seu poder de investigação e rastreia processos dos parlamentares
SÃO PAULO - Um grupo de promotores de Justiça de São Paulo insatisfeitos com a Proposta de Emenda à Constituição que lhes tira o poder de investigar está rastreando os processos que têm deputados como réus em ações de caráter civil e penal, incluindo nessa lista os que já sofreram condenação ou que ainda são alvo de inquéritos.
A ofensiva é uma resposta ao avanço da PEC que concentra exclusivamente nas mãos do procurador-geral - chefe do Ministério Público Estadual - a missão de investigar, até no âmbito da improbidade administrativa, secretários de Estado, prefeitos e deputados estaduais - tarefa hoje conduzida por promotores em qualquer município.
O mapeamento é informal - os promotores pretendem mostrar apenas a razão para a tentativa de "amordaçar" a classe. Também não se trata de iniciativa institucional, mas de alguns promotores preocupados com o risco de perderem prerrogativas que conquistaram em 1988 - a Constituição conferiu ao Ministério Público o papel de fiscal da lei. Eles pesquisam parlamentares que assinaram a PEC: 33 ao todo. A consulta, ainda parcial, indica que seis deles estão sob investigação.
Autor do projeto, o deputado Campos Machado, líder do PTB na Casa, disse que a iniciativa dos promotores é "uma infantilidade". O petebista repudia o rótulo de PEC da impunidade. "É a PEC da dignidade, do respeito que (os promotores) devem ter com agentes públicos."
A proposta vai à Comissão de Constituição e Justiça. Alguns deputados rastreados têm mais de uma pendência nos tribunais.
O procurador-geral de Justiça, Márcio Fernando Elias Rosa, defende enfaticamente o Ministério Público e não abre mão dos poderes que lhe foram conferidos, mas quer evitar atritos com a Assembleia paulista, a maior do País, com 94 deputados.
Independência. Elias Rosa está disposto a preservar a todo custo as relações da instituição que dirige com o Legislativo. Na solenidade de posse do corregedor-geral do MP Nélson Gonzaga de Oliveira, o procurador-geral tranquilizou seus pares e mandou um claro recado a quem ameaça sua instituição. "As sucessivas investidas que ressurgem contra o regime constitucional do Ministério Público não encontrarão, não encontraram no passado, apoiamento no meio social e jurídico e haverão de ser rechaçadas pelo próprio Legislativo ou pelo Judiciário."
"O Ministério Público atua com independência e tem obtido resultados altamente positivos em defesa dos interesses superiores da coletividade", prosseguiu Elias Rosa. "Nossa instituição já deu mostras suficientes de ser capaz de atuar com profissionalismo, com retidão ética na defesa do regime democrático e para consolidação do ambicionado Estado social. É das virtudes da atuação ministerial que vertem as críticas injustas e as tentativas que se revelarão inúteis. Serão essas virtudes que atuarão como freio e como meio de contenção no intento inconfessável de alguns ou de muitos."
Segue a mesma linha do procurador-geral a Associação Paulista do Ministério Público, que congrega promotores e procuradores. Seu presidente, Felipe Locke Cavalcanti, afirmou em nota que a entidade é contrária à proposta, por considerar que "ela cerceia, restringe e coíbe o poder de atuação dos promotores, prejudicando a população e o andamento de investigações de grande importância".
Locke ressalta que a PEC pretende reeditar atribuições previstas no inciso V do artigo 116 da Lei Orgânica do MP do Estado. Nesse inciso, a eficácia da expressão 'ação civil pública' está suspensa por liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1285/SP. Na prática, essa liminar abriu caminho para que os promotores instaurem inquéritos e proponham ações civis contra gestores públicos com base na Lei de Improbidade.
A PEC de Campos Machado joga na mesa do procurador-geral competência única para investigar no âmbito civil secretários de Estado, prefeitos e deputados estaduais - em matéria criminal, essa missão já é do mandatário do Ministério Público.
Em sua página no Facebook, Campos publicou protestos contra a PEC. "Mas o senhor não tem nada de mais útil pra fazer com sua cabeça???", postou uma mulher. Outro sugeriu. "O que acha de retirar essa proposta, antes que sejam feitas campanhas contra vossa senhoria?"
A PEC foi apresentada depois que a Promotoria arrancou dos deputados o auxílio-moradia - em ação civil, liminarmente acolhida pela 13.ª Vara da Fazenda, a Promotoria apontou inconstitucionalidade na regalia concedida a todos os deputados. A ação mostra prejuízo anual de R$ 2,5 milhões aos cofres públicos.
Promotores que se lançaram ao rastreamento dos antecedentes de deputados acreditam que a ira da Assembleia não se deve à perda da verba de moradia, mas ao contingente cada vez maior de colegas que vão para o banco dos réus em ações por improbidade, enriquecimento ilícito e fraudes. Essas infrações, na maioria dos casos, teriam sido praticadas por eles quando ocupavam cargos no Executivo, como prefeitos de seus municípios de origem.
Barros Munhoz (PSDB), por exemplo, que tem sido um crítico atroz de alguns promotores, antes de chegar à Assembleia, que preside pela segunda vez, foi três vezes prefeito de Itapira, deixando rastro de pendências judiciais - em janeiro, o tucano foi absolvido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, por maioria de votos, em ação criminal.
Promotores destacam que um deputado de sete mandatos, Roque Barbieri (PTB), em 2011, declarou que 30% de seus pares vendem emendas parlamentares.
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