terça-feira 19 2013

A mentalidade de dieta II



A alimentação vem sendo compreendida pela psicanálise como uma forma de comunicação e de relação entre as pessoas, forma altamente investida tanto individualmente quanto socialmente. Comer é um grande ato acompanhado por muitos toques de requinte cultural e psicológico. Satisfaz a fome e o desejo, a primeira mamada entrelaça necessidade e prazer – ato carregado de componentes eróticos altamente sofisticados. Por isto, muitas vezes, o método de dieta falha: porque não leva a vida psíquica em consideração nem os sinais vitais do comer e porque foi engendrado sob a configuração social chamada ato puro*, em substituição ao pensamento. Para quem teve a alimentação perturbada, é preciso um trabalho psicológico minucioso de investigação sobre a própria alimentação.
Sabemos que comer dá trabalho. É um ato complexo, que envolve capacidade de decisão, de percepção dos sinais internos, de escolha, de relação com o outro e com o mundo de forma mais ampla. As dietas negam isso: tratam o homem como se fosse gado, como se comesse ração, como se, via tecnologia, pudessem alterar o corpo, o paladar e até mesmo o gosto e a forma humana. A ciência e a indústria produzem enorme perturbação ao intermediar de forma massificante a relação do homem com sua alimentação. Diante das condições descritas aqui, vemos que o homem foi perdendo progressivamente a autonomia alimentar possível, já que perdeu a capacidade de se perceber diante do alimento e da alimentação. Procurando se enquadrar desesperadamente em algum “manual da boa alimentação”, acabou por abandonar o trabalho interno que comer exige. E repete essa mesma situação ao procurar transformações em seu corpo, que passa a ser tratado como maquina, como um objeto externo ao próprio homem. Ao fazer dieta constantemente e ao buscar um corpo idealizado se torna mais vulnerável a desenvolver algum problema alimentar.
Vejamos a definição desses quadros sintomáticos.
Os problemas alimentares:
A) Distúrbios do ritmo alimentar:
1. Distúrbio compulsivo de alimentação, que pode levar a obesidade ou não, mas que inicialmente é definido como toda a alimentação além da saciedade.
2. Bulimia, alimentação excessiva combinada a técnicas de alívio, como vômitos e evacuações e diurese forçadas.
3. Anorexia, fobia intensa a gordura e a alimentos, que pode gerar um emagrecimento severo e contínuo.
B) Preocupação exagerada com a aparência do corpo, com exercícios físicos, dietas constantes, modas alimentares, toda a ordem de compulsão por transformações estéticas no corpo.
C) A desnaturalização do ato de comer, mediado por tantas informações, torna a alimentação fonte de desconforto, de mal-estar, fundando uma relação perturbada com o alimento, com a saúde e com o corpo.
Esses problemas alimentares acima identificados indicam um grau acentuado de perda de autonomia alimentar em consequência da mentalidade de dieta.

Luciana Saddi Luciana Saddi atua como psicanalista em São Paulo e é mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Assinou por mais de dois anos a coluna Fale com Ela na Revista da Folha. Integra a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e é autora de artigos científicos em revistas especializadas de Psicanálise. Tem dois livros publicados como autora de textos de ficção: “O Amor Leva a um Liquidificador”, editora Casa do Psicólogo, e o romance “Perpétuo-Socorro”, editora Jaboticaba.
http://falecomigo.blogfolha.uol.com.br/2013/03/09/a-mentalidade-de-dieta-ii-2/?fb_action_ids=2898791924925&fb_action_types=og.likes&fb_source=timeline_og&action_object_map=%7B%222898791924925%22%3A319350011520642%7D&action_type_map=%7B%222898791924925%22%3A%22og.likes%22%7D&action_ref_map=%5B%5D

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