quarta-feira 19 2012

Oito governadores decidem engrossar movimento que pretende intimidar oposição, Ministério Público e imprensa


veja.com

Gestos de solidariedade política sempre são, em igual medida, gestos de repúdio. Ontem, oito governadores de estado deixaram seus respectivos afazeres para se encontrar com Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República, no instituto que leva seu nome, em São Paulo. Cid Gomes (PSB), do Ceará, resumiu a intenção do gesto segundo noticia o Estadão“Viemos dizer para ele que estamos indignados com essa coisa [denúncia de Marcos Valério], que isso não é respeitoso para com a figura do ex-presidente e com a memória do Brasil”.
Volto, então, à minha questão: sabemos que o alvo do desagravo é Lula, mas quem é o agravado? Marcos Valério? Oito governadores e um vice-governador recorreram ao dinheiro do contribuinte para defender Lula das acusações de um homem que o presidente do PT, Rui Falcão, diz ser um desqualificado? Acho que não! Parece que os agravados são outros. Já chego lá. Em tempo: estiveram no Instituto Lula, além de Cid, os governadores Tião Viana (PT-AC), Camilo Capiberibe (PSB-AP), Jaques Wagner (PT-BA), Sérgio Cabral (PMDB-RJ), Silval Barbosa (PMDB-MT), Agnelo Queiroz (PT-DF) e Teotônio Vilela Filho (PSDB- AL). Luiz Fernando Pezão, vice de Cabral, também estava lá. Segundo o Estadão, o tucano foi um dos porta-vozes do grupo. Eduardo Campos (PSB), governador de Pernambuco e tido como presidenciável, preferiu ser incluído fora dessa.
Vamos aos fatosSuponho que os governadores não tenham ido a Lula para mandar um recado a Marcos Valério: “Olhe aqui, nós não confiamos em você; pare com essa história. Onde já se viu fazer isso com um homem da dimensão de Lula?” Parece que a situação de Valério o coloca ao abrigo desse tipo de apelo patriótico. Para quem, então, falavam os governadores?
Outro noticiário que colhe Lula em cheio é aquilo que a Polícia Federal — não a imprensa ou a oposição — chama de “quadrilha” na Operação Porto Seguro. O grupo foi flagrado operando no coração do poder. O seu “braço político” (de novo, expressão da PF) seria Rosemary Nóvoa Noronha, “amiga íntima”, segundo o eufemismo em curso, de Lula. Foi ele quem instalou aquela senhora no escritório de representação da Presidência em São Paulo. Utilizando-se das facilidades do cargo, diz a polícia, ela atuava em favor da “quadrilha”.
Suponho que o alvo do agravo dos governadores, nesse caso, não fosse a Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, de que é titular José Eduardo Cardozo. Acho que não ocorreria a esses senhores pedir que a PF fosse livre para fazer o seu trabalho desde que os casos investigados não importunem Lula porque, como disse José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado, ninguém tem autoridade para acusa-lo, devolvendo consideração feita pelo petista em 2009, segundo quem “Sarney não é um homem comum”. Coisa de fidalgos, vocês sabem.
Volto à questão
Assim, volto à questão. O alvo do desagrado era Lula, mas quem, afinal, estava sendo agravado? A quem se dirigiam os governadores? A resposta é óbvia e inescapável: Procuradoria-Geral da República, imprensa e, evidentemente, os setores mais aguerridos da oposição.
Comecemos por esta última. O objetivo — e lá estava Teotônio Vilela Filho — é silenciar qualquer manifestação crítica, fazendo ver aos setores moderados (e como há moderados na oposição, não!?) que será um mau negócio se engajar em qualquer pedido de investigação no Congresso. Aí o leitor pode se perguntar: mas o que a oposição fez efetivamente para que estes dois problemas passassem a assombrar Lula — Rosegate e Marcos Valério? A resposta óbvia é esta: nada. E, como contrapartida ao nada, os petistas, recém-saídos de uma CPI patética, que preferiu fugir daquilo que começou a apurar, anunciam que pretendem fazer outra, a “da Privataria do governo FHC”. Para apurar o quê? Eles ainda não sabem. Eles insistem em fazer uma CPI da maioria para investigar a minoria… Nos primeiros tempos dos fascismos europeus, isso era muito comum. Depois se tornou desnecessário porque não havia mais “minorias”…
O alvo do agravo também é a Procuradoria-Geral da República, aquela que os petistas, associados a este notável progressista chamado Fernando Collor, tentaram atingir com a CPI do Cachoeira. Seja no caso Valério, seja no Rosegate, o que se pretende demonstrar é que a nação (?) não aceitará qualquer investigação que atinja Lula. Outra pessoa qualquer, num caso e noutro, poderia estar sujeita à investigação. Mas ele? Não! Há no país as leis e os procedimentos que valem para todos, e há aquelas especiais, que não estão escritos, que devem atender a um só homem. No ano que vem, Gilberto Carvalho já anunciou: “O bicho vai pegar”.
O terceiro alvo, é evidente, é a imprensa independente. Insistirei na pergunta retórica que já fiz aqui algumas vezes: na opinião do PT — e a indagação se estende agora aos governadores —, o que deveriam ter feito os jornalistas? Omitido a informação de que Valério acusara Lula em depoimento ao Ministério Público? Não publicar mais notícias sobre o Rosegate?
Todos sabemos, e o Brasil sabe, quem é Marcos Valério, aquele que recebeu a maior pena no processo do mensalão: mais de 40 anos! Mas foi condenado no mesmo processo e pelo mesmo tribunal que condenou José Dirceu, aclamado como herói no petismo. Os ataques que ele disfere em seu site contra a oposição, o STF, a PGR e a própria imprensa são… notícia na imprensa!
Valério, convenha-se, só interessa aos jornalistas quando vem a público com alguma informação bombástica — e poderia ser diferente? Dirceu não! Outro dia, um grande portal transformou em notícia o que ele pensava sobre a reforma política . o financiamento público de campanha… Se Dirceu tomar um Chicabon, já gera um lead.
Assim, a manifestação dos oito governadores e de um vice-governador tinham como alvos os oposicionistas mais assertivos, o Ministério Público e a imprensa. Até parece que foram esses setores a colocar Lula em dificuldades. E, como resta escandalosamente claro, eles não tem nada com isso.
EstranhezaManifesto, adicionalmente, a minha estranheza com esse furor rancoroso do petismo. Ora, e já escrevi isso aqui, o partido deveria estar em festa, não é? Pesquisa CNI-Ibope indicou a alta popularidade de Dilma (sei que os lulistas odiaram essa notícia em particular, mas, vá lá, é tudo PT). A pesquisa eleitoral do Datafolha — aquela que trouxe até Joaquim Barbosa como candidato, o que é uma de uma bobagem realmente exemplar! — aponta que Dilma ou Lula poderiam vencer a disputa no primeiro turno…
Já seria delinquência intelectual e política suficiente fazer como fazem os petralhas, que, para usar a linguagem deles, “esfregam isso na cara” dos “reacionários” (Sarney, Maluf e Collor são progressistas; tenham a bondade de não confundir…). Afirmam coisas mais ou menos assim: “Estão vendo? Não adianta nada!” Mas eles não se contentam com isso: acham que a popularidade da presidente e do próprio Lula são a evidência, então, do que chamam de “golpe”. Eu ainda não entendi que golpe é esse que seria desferido contra alguém que não está no poder. De resto, golpe dado por quem? Pela Polícia Federal? Por Marcos Valério?
A minha estranheza é justamente esta: por que vocifera o PT quando deveria estar comemorando? Às vezes, a gente fica com a impressão de que esse é um movimento preventivo para se resguardar do pior para eles, que pode ainda não ter chegado.
Concluindo…
No encontro, eles teriam debatido ainda a reforma e a valorização da política. Entendi. Lula também tem uma fórmula mágica para resolver o conflito dos royalties segundo Cid Gomes: “O presidente sempre pregou o diálogo, mas, às vezes, se tem de radicalizar para encontrar um caminho para o meio termo”. Não entendi se Lula parou no “diálogo”, sendo o resto da lavra de Cid, ou se o petista responde pela formulação inteira.
Bem, com a concordância de ao menos um governador tucano, Teotônio Vilela Filho, agora já sabemos: não importa o tema, Lula tem de ser posto acima das leis vigentes no país. Já os petistas, é certo, apenas fazem política quando anunciam a pretensão de criar uma CPI para investigar as… privatizações do governo FHC. Encerro lembrando que os petistas fizeram pressão parecida às vésperas do julgamento do mensalão — a CPI do Cachoeira, como se lembram, foi usada como parte da pressão. Não deu em nada. Mas eles são petistas. E não desistem nunca!
A conspiração não vai continuar porque não há conspiração nenhuma. A imprensa digna desse nome continuará a dar notícias quando notícias houver. E torço para que Ministério Público Federal e Polícia Federal continuem a cumpir o seu papel, sempre nos limites da lei.
Texto publicado originalmente às 4h08
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/oito-governadores-decidem-engrossar-movimento-que-pretende-intimidar-oposicao-ministerio-publico-e-imprensa/

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