16/12/2009
às 13:30 \ Livros, instruções de uso: declarar em público que não se leu o “Ulisses” e muito menos “Em busca do tempo perdido” (isso, que antes era inconfessável, agora se faz muito porque fala às claras de alguém que, de tanto que leu, pode declarar tal ignorância sem ser tachado de burro). Jamais dizer nada de mal sobre “Uma confederação de estúpidos”, de John Kennedy Toole (a mesma regra é válida para qualquer título de Hunter Thompson, quando se está na companhia de jovens jornalistas). Evitar as seguintes discussões, por perigosas, com companheiros queridos ou amigos próximos: a favor ou contra “Psicopata americano”, de Bret Easton Ellis; a favor ou contra “As partículas elementares”, de Michel Houellebecq; a favor ou contra “As correções”, de Jonathan Franzen; a favor ou contra “As benevolentes”, de Jonathan Littell. Mencionar em qualquer encontro, pelo menos uma vez, Berger, Sebald, Pessoa. Dizer, sempre que surgir a ocasião, que Sándor Márai é chato. Dizer, com o olhar perdido no fundo de um copo, que Truman Capote era manipulador. Dizer, com um suspiro, que os romances de Cortázar envelheceram mal, mas em compensação, ah, seus contos.
É uma delícia de fino humor – e sob o mais banal dos pretextos, o das recomendações de presentes literários de fim de ano – o artigo “A linguagem muda”, de Leila Guerriero, na última edição do “Babelia” (em espanhol, acesso livre). O subtexto é claro: cuidado com o que você dá de presente, o terreno é movediço e as conotações, infinitas – a vítima pode ser você.
Ao mesmo tempo que joga luzes sobre essa linguagem de segundo grau em que livros e autores se tornam “bandeiras, declarações de princípios”, ciente de que é impossível escapar à sua malha, a autora sonda com sutileza o que pode haver de pose e impostura em tais redes de afinidades e rejeições da moda, apontando para um dos mais fugidios objetos que se pode imaginar: aquilo que nós, leitores, quanto mais lemos, vamos perdendo de puro deleite e generosidade diante dos livros.
Leila resume tudo numa pergunta tão bobinha quanto profunda: “Será ou não um preconceito pensar que não há exceções à regra segundo a qual nada de bom se pode esperar de quem responde ‘Fernão Capelo Gaivota’ à pergunta ‘Qual é o seu livro preferido?’.”
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