Operação Porto Seguro
Ex-chefe de gabinete da Presidência em SP negociou emprego para a filha Mirelle por quase um ano, até conseguir acomodá-la em diretoria da Anac
Carolina Freitas
Lula desembarca no Aeroporto de Maputo, em Moçambique, em 8 de novembro de 2010 (Ricardo Stuckert/PR)
Em novembro de 2010, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou Moçambique e Coréia do Sul. Entre os dias 8 e 10, cumpriu agenda oficial em Maputo, capital do país africano. Deu aula magna em uma universidade, encontrou empresários brasileiros e foi recebido pelo colega Armando Guebuza. No dia 11, desembarcou em Seul, para, ao lado da sucessora recém-eleita Dilma Rousseff, participar da reunião do G-20. Durante o giro internacional, Lula teve em sua comitiva uma ajudante próxima, Rosemary Nóvoa de Noronha, a Rose, que até este fim de semana ocupou o cargo de chefe de Gabinete da Presidência em São Paulo. Embora seja um requisito legal que funcionários em viagem internacional tenham seu nome registrado no Diário Oficial, Rose embarcou sem que essa formalidade fosse cumprida. Ela também aproveitou para tratar de um assunto de interesse próprio com o chefe: a nomeação de uma de suas filhas, Mirelle, para um cargo na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Tanto a viagem não oficializada quanto a negociação do cargo para a filha estão registrados em e-mails interceptados pela Polícia Federal na Operação Porto Seguro, deflagrada na sexta-feira. A operação derrubou Rosemary e Mirelle de seus cargos na administração pública. A filha pediu exoneração nesta segunda-feira. Rosemary foi demitida no sábado, depois de ser indiciada pelo seu envolvimento com os irmãos Paulo e Rubens Vieira, presos provisoriamente e indiciados por utilizar seus cargos de hierarquia elevada em agências reguladoras para fraudar procedimentos e promover negócios escusos.
Foi em troca de mensagens com Paulo Vieira que Rosemary tratou da nomeação da filha. “A Mirelle já te enviou os documentos? Peço a gentileza de só nomeá-la depois de eu confirmar com o PR. Estou em Maputo. Embarco para Seul na 4ª-feira com ele, aí após conversar te aviso.” Nesse e em outros e-mails da dupla, Lula é tratado como PR, abreviação para presidente da República.
Paulo respondeu ao e-mail dizendo que Mirelle tinha esquecido de assinar o currículo, sem o que não seria possível dar sequência à nomeação. Rosemary dá um puxão de orelha na filha, com cópia para Paulo: “Mi, te avisei 1.000 vezes que o currículo necessitava de assinatura. Entre em contato com o Paulo urgente para resolver esta questão. Mamy.”
Embora o interlocutor fosse Paulo - o mais assíduo nos contatos com Rosemary - a contratação seria feita na seara do outro irmão Vieira, Rubens, que desempenhava as funções de corregedor da Anac e mais tarde seria alçado à diretoria da entidade. E assim foi, pouco depois da viagem de Lula pela Ásia e pela África. Em 1º de dezembro, a portaria de nomeação de Mirelle saiu no Diário Oficial. De acordo com o Portal da Transparência do governo federal, sua remuneração mensal bruta em setembro de 2012, no cargo de assessora técnica na Diretoria de Infraestrutura Aeroportuária, foi de 8.625,61 reais.
Troca de favores e de afagos - A negociação para nomeação da filha de Rosemary para o bem-remunerado cargo de confiança aconteceu em meio a um acerto ainda mais delicado entre a chefe de gabinete da Presidência e os irmãos Vieira. Desde o começo de 2009 os dois buscavam o apadrinhamento de Rosemary (bem sucedido, como se veria depois). Paulo almejava um cargo de direção na Agência Nacional de Águas (ANA), e Rubens, um posto equivalente na Anac. Já nesse momento inicial, Rosemary parecia acalentar a ideia de beneficiar a filha juntamente com os irmãos Vieira. Num dos primeiros e-mails desse lote, ela diz a Rubens que havia acionado Lula, o PR. “Disse a ele que Mirelle precisa começar a trabalhar logo”, escreve.
As mensagens interceptadas pela PF mostram a natureza do relacionamento entre os três, baseado em pressão, favores e bajulação.
Em março de 2009, Paulo escreve para Rosemary pedindo ajuda para conseguir o cargo na ANA, com a colaboração de JD, que parece ser José Dirceu. Ele explica que quem nomeia para a vaga é o presidente da República. “Surgirão agora em meados de abril duas vagas. Pelo que consegui observar, quem vai definir mais a questão é a Dilma”, diz Paulo. “A pessoa que acho que consegue fazer esse pedido a ela, de forma eficaz, é o JD. Um pedido pessoal seu ao JD, tratando a questão como de interesse pessoal seu, ganha muito mais força.” Rosemary foi secretária pessoal de Dirceu por mais de uma década.
Em abril, Rosemary se irritou com as cobranças de Paulo por celeridade e enviou a ele um correio eletrônico que tinha como assunto “Cobranças sem fundamento!”. “Não gostei nem um pouco de suas cobranças. O que não está andando, além da Anac?”, diz a então chefe de gabinete da Presidência. “Eu sim estou aguardando questões sem solução. Meus pedidos são em número maior mas muito pequenos em relação aos seus! Tenha paciência.”
Paulo responde ao e-mail em menos de 40 minutos, prestando conta sobre os pedidos de Rosemary que estariam em atraso, ponto a ponto. E tenta contemporizar: “A minha simpatia e carinho por você passa à margem de quaisquer troca de favores. É de natureza pessoal. Trata-se de amiga muito querida.” Dois dias antes, em troca de mensagens com seu irmão, Paulo alertou Rubens sobre o apetite de Rosemary. Segundo ele, seria preciso "abafar a pedição de dinheiro", pois a amiga seria "uma máquina de gastar.”
Em junho, Paulo presta explicações a Rosemary sobre a demora em atender, mais uma vez, um pedido dela. “Suas solicitações – são determinações – em face da amizade e da gratidão que tenho por você.” Entre os presentes oferecidos por Paulo a Rosemary estão um cruzeiro marítimo com show dos sertanejos Bruno e Marrone e o pagamento de uma cirurgia.
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