segunda-feira 05 2012

Mercadante queria que estudantes fizessem o que ele fez em seu “doutorado”: puxar o saco de Lula. Demonstro!


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Não pensem que a prova de redação é o único absurdo patrulheiro do Enem. Não é não! Há coisa que só não é pior porque não tem a mesma importância dessa prova, que representa 50% da nota total do exame. Um candidato pode acertar, sei lá, 90% das questões, mas “desrespeitar os direitos humanos” segundo o juízo do examinador. Já era! Um candidato que seja considerado um humanista exemplar, no entanto, ainda que notavelmente ignorante, pode suplantar o outro… Prova que permite esse tipo de coisa, entregando ao examinador tal poder discricionário, tem viés totalitário, ainda que não se perceba à primeira vista. Mas vamos ao ministro Aloizio Mercadante.
Ele decidiu fazer a sua própria redação, revelando, no fim das contas, qual era a intenção da prova. Leiam o que disse sobre a escolha do tema da redação:
“Temos uma comissão competente que considerou, entre tantas sugestões de tema, este o mais adequado. Ele pressupõe a capacidade de articular informações e refletir sobre o momento que o Brasil está vivendo. O Brasil é um país que teve uma diáspora, mas, com a estabilidade, a democracia, hoje atrai povos. Acho que é um tema bastante contemporâneo, desafiador e não previsto”.
Voltei
Eis aí. O objetivo era cantar as glórias do governo Lula, a exemplo do que fez Mercadante com sua tese mandraque de doutorado, feita no joelho, lá nos corredores da Unicamp. Já falo um pouco mais a respeito. O Brasil nunca viveu diáspora nenhuma! Isso é uma grande bobagem, mero exagero de retórica.
É a “democracia” que atrai os haitianos para o Brasil ou o fato de que o país entrou no radar daquela pobre gente depois da infeliz intervenção que promove por lá? É a estabilidade que atrai os bolivianos ou a miséria a que está condenada boa parte da população daquele país, que vai perdendo chance de futuro, com Evo Morales, o “querido de Lula”, dia após dia?
A realidade não importa. Ao fazer a sua própria redação, Mercadante — sem limites, como sempre — estabelece, inclusive, aquele que deve ser o norte dos corretores, que ele parece querer transformados num batalhão a serviço de uma causa. Já temos o nosso Ministério da Ideologia.
Tudo é históriaNo dia 16 de agosto de 2006. Ele era candidato ao governo de São Paulo. É aquela eleição em que Hamilton Lacerda, seu braço direito, foi flagrado transportando R$ 1,7 milhão para pagar o dossiê dos aloprados. O preclaro contou no ar uma inverdade. Transcrevo trecho ( em azul):
(…)
No debate da TV Gazeta, aquele que ninguém viu — ou quase, hehe —, o candidato do PT ao governo de São Paulo disse: “Fiz mestrado e doutorado [em economia] na Unicamp”. Ops! Não fez, não. Vai ter de mostrar o canudo. Mas, para mostrar, terá de fabricar um primeiro. Busquem lá as informações na universidade: ele até acompanhou algumas aulas do doutorado, mas, como não apresentou a tese, foi desligado do programa. Vaidoso que é, até pode se considerar um doutor honorário — em economia ou no que quer que seja (ele sempre fala com igual convicção sobre qualquer assunto, especialmente os que desconhece). Mas doutor em economia pela Unicamp, ah, isso ele não é. Esses petistas… Ou fazem a apologia da ignorância, como o Apedeuta-chefe, ou tentam exibir galardões intelectuais que não têm.
É isso aí. O “doutor” doutor não era, entenderam? A sua, por assim dizer, tese foi defendida bem mais tarde, só em dezembro de 2010. Redigiu um calhamaço cantando as glórias do governo Lula — o que ele espera que os alunos tenham feito na prova de redação. Convidou para a banca Delfim Netto, João Manoel Cardozo de Mello, Luiz Carlos Bresser Pereira e Ricardo Abramovay. E deitou falação em defesa das conquistas da gestão petista em tom de comício, atacando, claro!, o governo FHC. Até os camaradas ficaram um tanto constrangidos e se viram obrigados a algumas ironias. Destaco, em vermelho, um trecho de uma reportagem, então, da Folha. Vejam que divertido:
Coube ao ex-ministro Delfim Netto, professor titular da USP, a tarefa de dar o primeiro freio à pregação petista. “Esse negócio de que o Fernando Henrique usou o Consenso de Washington… Não usou coisa nenhuma!, disse, arrancando gargalhadas. “Ele sabia era que 30% dos problemas são insolúveis, e 70%, o tempo resolve.” Irônico, Delfim evocou o cenário internacional favorável para sustentar que o bolo lulista não cresceu apenas por vontade do presidente. “Com o Lula você exagera um pouco, mas é a sua função”, disse. “O nível do mar subiu e o navio subiu junto. De vez em quando, o governo pensa que foi ele quem elevou o nível do mar…”
“O Lula teve uma sorte danada. Ele sabe, e isso não tira os seus méritos”, concordou João Manuel Cardoso de Mello (Unicamp), que reclamou de “barbeiragens no câmbio” e definiu o Fome Zero como “um desastre”. À medida que o doutorando rebatia as críticas, a discussão se afastava mais da metodologia da pesquisa, tornando-se um julgamento de prós e contras do governo. Só Luiz Carlos Bresser Pereira (USP) arriscou um reparo à falta de academicismo da tese: “Aloizio, você resolveu não discutir teoria…”. Ricardo Abramovay (USP) observou que o autor “exagera muito” ao comparar Lula aos antecessores. “Não vejo problema em ser um trabalho de combate”, disse. “Mas você acredita que o país estaria melhor se as telecomunicações não tivessem sido privatizadas?”
Entenderam?Esses eram aqueles que o próprio Mercadante chamou para avaliá-lo, hein!? Eram os “de confiança”. O que vai acima é o relato de uma humilhação intelectual para quem tem parâmetros para entendê-la. Mercadante, um homem destemido, comprovadamente sem medo do ridículo, não teve dúvida: respondeu a questão — ou melhor: não respondeu — atacando o preço dos pedágios em São Paulo!!! E saiu de lá com o título de “doutor”, conquistado com uma peroração de caráter puramente político. 
A época, reproduzi trecho de um post do economista Alexandre Schwartsman (em azul). Relembro:
[para um doutorado] Basta colocar no papel uns tantos elogios ao governante de plantão, juntar meia dúzia de compadres dispostos a participar da farsa, achar um departamento que se sujeite a este tipo de coisa e, parabéns, você é o mais novo doutor em Economia do Brasil, sem ter feito qualquer, minúscula, mísera migalha de contribuição para o desenvolvimento da ciência. De quebra, desmoralizou um título que muita gente boa teve que trabalhar duro para conquistar.
Talvez dê para descer um pouco mais, mas, sinceramente, vão ter que se esforçar.
EncerroÉ isso aí. Mercadante arranjou seu doutorado praticamente sem fazer pesquisa, sem lidar com a teoria, sem apelar à ciência. Produziu só ideologia encomiástica.
Assim, que importa que a tese da redação do Enem seja uma bobagem, contestada por 10 entre 10 especialistas com um mínimo de seriedade? De uma tese de doutorado à redação de um aluno do ensino médio numa prova oficial, a ordem é cantar as glórias do regime.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

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