segunda-feira 05 2012

A mãe que denunciou a filha no Enem merece o nosso aplauso? Não mesmo! E digo por quê.


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Já temos a Nossa Senhora do Enem, que pariu durante a prova e foi eleita por Aloizio Mercadante o “símbolo” do exame — até agora, não entendi por quê — e agora há também o que eu chamaria de a  “Mãe do Regime”.
Uma senhora de Sorocaba recebeu, por celular, perguntas enviadas por sua filha, que lhe pedia dicas disso e daquilo enquanto fazia a prova. A mulher manteve a conversa com a menina — só uma treineira — e aproveitou para se dirigir ao local do exame e denunciar a própria filha. É a chamada “educação pela desmoralização”. A mulher concedeu entrevistas a Deus e o mundo depois e expôs a filha à execração. Imaginem as dificuldades que essa menina vai enfrentar. Seus amigos e vizinhos conhecem a mãe.
Vamos lá. Está certo a mãe coibir o comportamento errado da filha, é claro! De fato, se a garota estava vazando questões da prova, com chance de receber ajuda externa, há uma falha grave de fiscalização, e isso é do interesse público. Mas peço licença para não aplaudir. Se a cidadã Fulana de Tal tinha e têm deveres diante do estado, a mãe tinha e tem obrigações afetivas igualmente sérias.
Comecemos pelo óbvio: para a menina, a fraude seria irrelevante, já que não teria como dela se beneficiar, uma vez que fazia a prova apenas como treineira. A denúncia do mecanismo, expondo à menina à execração pública, não tinha, ademais, alcance para coibir fraudes semelhantes Brasil afora. Era perfeitamente possível conciliar o, vá lá, “lado cidadão” com o da mãe acolhedora — e, de fato, corrigir e até punir o erro da filha fazem parte do acolhimento.
Encerrada a prova, a mulher poderia ter procurado o Ministério — e até a imprensa, garantido o anonimato — e demonstrado, pela data e hora das mensagens, que era possível, ao menos naquela escola de Sorocaba, obter ajuda externa. Se ali era possível, por que não em outros lugares?
“A mãe deve proteger um filho assassino, Reinaldo?” Não! São transgressões distintas, não é mesmo?, com diferentes graus de gravidade. E, mesmo nesse caso, certamente haveria uma forma segura (para a cria!) e uma insegura de avisar as autoridades, de sorte a punir o transgressor, preservando, não obstante, o objeto do afeto.
Não me encanta, absolutamente, essa suposta “vocação cidadã” que transforma uma mãe numa espécie de delatora do estado. Sem contar, meus caros, que essa mulher poderia ter dado uma bronca na filha, recomendado-lhe que desligasse o telefone. Em seguida, poderia ter ido ao local do exame e retirado a filha do local — e tudo isso sem estardalhaço. Depois, se quisesse, faria a denúncia à imprensa, exibindo as provas da irregularidade.
Acho, sim, que as mães devem estimular e exigir que seus filhos cumpram as regras. Mas fazê-lo como mãe é diferente de fazê-lo como delatora. Quando essas duas coisas se confundem, sempre lembro das mães e dos filhos do regime maoista na China ou da Alemanha Oriental.
Há algo de profundamente errado nessa história. Espero que Aloizio Mercadante não eleja esta senhora “a mãe símbolo do Enem”.
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

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