terça-feira 05 2016

Safári no Uruguay: um passeio fotográfico pelo país onde automóveis não têm direito a aposentadoria

Foto: Jason Vogel


COLONIA, Uruguai - A nota fiscal prova: o Ford Prefect foi comprado, zero-quilômetro, em 16 de julho de 1950 - exato dia do "maracanazo", quando o Brasil foi derrotado pelo Uruguai na final da Copa do Mundo, em pleno Maracanã. Passaram-se 60 anos, nossa seleção hoje é pentacampeã e... o velho Ford continua a rodar. No Uruguai é assim: automóvel não tem direito a pendurar as chuteiras.

De câmera em punho, fizemos um safári fotográfico pelo país vizinho. Como Cuba, o Uruguai é um museu rodante. Nas ruas, convivem veículos de diferentes origens e gerações: americanos dos anos 20 e 30, ingleses das décadas de 40 e 50 e brasileiros dos 80 e 90. Entre os recém-chegados, predominam os genéricos chineses. Tudo em perfeita harmonia, no tranquilo ritmo local.
A primeira constatação: na capital Montevidéu, os velhinhos já são raros. Até uns 15 anos atrás, a cidade era um paraíso dos entusiastas do arqueomobilismo. Mas, há muito, os ônibus Leyland deram lugar a modelos brasileiros.

Hoje, para encontrar coisa interessante é preciso se aprofundar pelo interior do país e manter os olhos atentos. A bordo de um Ford Modelo A 1929 e de um Renault 4L 1978, fizemos a peregrinação por Colonia del Sacramento e comunidades vizinhas.
Caminhões e picapes são os veículos que mais resistem. Em Carmelo, cidadezinha de 17 mil habitantes quase na fronteira com a Argentina, encontramos uma frota veterana a serviço do moinho local.

Caminhões como um Ford 1947, orgulhosamente mantido pelo motorista Héctor, continuam a trabalhar diariamente no século XXI, como se o tempo não tivesse passado. Por questão de economia, estão quase todos adaptados, com motores a diesel.
Também são muito comuns as picapes e caminhões Bedford, fabricados pela subsidiária inglesa da General Motors nos anos 50.
Entre os carros de passeio, modelos ingleses são figurinhas fáceis. Austin, Morris, Hillman, Ford Prefect... Todos fabricados logo após a Segunda Guerra, quando a Europa lutava para sobreviver e exportava automóveis em troca da carne uruguaia.

A longevidade da frota do Uruguai tem explicação. O país era muito rico até os anos 50, quando era o principal exportador de carne e lã do mundo - um período de grande importação de automóveis. Depois da década de 60, vieram crises econômicas, o golpe militar e o êxodo. Além disso, o país nunca fabricou carros em larga escala (houve pequenos fabricantes, como a Nordex, e linhas de montagem). Tudo desestimulava a compra de veículos novos.
Há mais: o uruguaio médio é um tipo conservador, que gosta de preservar o que tem por longos anos. E, o principal: os mecânicos uruguaios são talentosos e não têm medo de improvisar...

Os desarmaderos (ferros-velhos) uruguaios são uma cornucópia de peças para quem tem carro antigo. São esses depósitos que garantem a sobrevivência das cachilas, nome local para calhambeques.
Um detalhe curioso é que, até 1946, o Uruguai adotava a mão inglesa. Assim, volta e meia se veem carros (mesmo americanos) com volante no lado direito.
E é preciso ficar atento aos quintais. Automóveis que deixam de rodar, por absoluta falta de condições, continuam por anos nos fundos das casas, à espera de uma ressurreição. O milagre, por vezes, vem na forma de exportações: comerciantes locais compram carros antigos por quase nada e os vendem a colecionadores de outros países.
O que havia de mais valioso já voltou para a Europa. Sobraram as cachilas, incansáveis e quase humanas.

http://oglobo.globo.com/economia/safari-no-urugua-um-passeio-fotografico-pelo-pais-onde-automoveis-nao-tem-direito-aposentadoria-2842210

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