Miguel Jorge, ex-titular do Desenvolvimento, relata a atuação de Lula para favorecer a empreiteira. 'PR fez o lobby', diz a troca de e-mails em mãos da PF
Ao deixar a Presidência, em 2010, Luis Inácio Lula da Silva assumiu, como ele mesmo disse, o papel de "caixeiro-viajante" do Brasil, viajando pelo mundo com o objetivo declarado de abrir caminhos para empresas brasileiras. Em julho deste ano, a Procuradoria da República no Distrito Federal abriu um procedimento para apurar a suspeita de que mais do que boas intenções tenham motivado o ex-presidente: suas palestras e atividades no exterior poderiam, na verdade, ser enquadradas no tipo criminal do tráfico de influência, em especial para favorecer os interesses da Odebrecht, a maior empreiteira do país. Nesta terça-feira, e-mails obtidos pela Polícia Federal na operação Lava-Jato mostram que muito antes de encerrar seu mandato Lula e sua equipe já demonstravam um empenho especial em aproximar a Odebrecht de possíveis contratantes.
Uma série de e-mails analisada pela PF mostra o ex-presidente da empreiteira Marcelo Odebrecht em conversa com dois executivos da empresa, Marcos Wilson e Luiz Antonio Mameri, e com o então ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge. Diz o relatório policial: "Miguel Jorge afirma que esteve com os presidentes (do Brasil e da Namíbia) e que 'PR fez o lobby', provável referência ao presidente Lula."
Na época, o presidente do país africano era Hifikepunye Pohamba. Em 11 de fevereiro de 2009, Lula o recebeu para um almoço no Itamaraty.
O primeiro e-mail analisado é de 6 de fevereiro de 2009. Odebrecht e executivos do grupo falam do convite do presidente Lula para almoço com o presidente da Namíbia. "Marcelo, o Presidente Lula está lhe fazendo um convite para participar de um almoço, com o Presidente da Namíbia, no dia 11/02 (quarta-feira), às 13h00, no Itamaraty, salão Brasília." O texto prossegue com uma menção específica a pedidos do presidente em nome da empreiteira: "Seria importante eu enviar uma nota memória antes via Alexandrino com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por nós."
O Alexandrino mencionado é Alexandrino Alencar, o executivo da Odebrecht com ligação mais estreita com Lula. Ele foi preso há 100 dias, completados no último domingo, sob a suspeita de ser um elo fundamental da empreiteira com o esquema do petrolão. Na mesma ocasião, foram presos Marcelo Odebrecht e outros três ex-adminsitradores da companhia.
A série de e-mails prossegue. Eram 9h56 de 11 de fevereiro de 2009, quando o executivo da Odebrecht Marcos Wilson escreveu para o ministro. "Miguel, se você estiver com o presidente Lula e o da Namíbia é importante que esteja informado sobre esta negociação e, se houver oportunidade.,manifestar sua confiança na capacidade desta multinacional brasileira chamada Odebrecht."
O projeto em questão, descrito no e-mail, é o de uma hidrelétrica, a Binacional Baynes, que envolvia um consórcio brasileiro formado pela Odebrecht com a Engevix - duas empreiteiras acusadas de corrupção na Lava Jato - e as estatais Eletrobrás e Furnas, junto com Namíbia e Angola. Um investimento de 800 milhões de dólares.
Às 17h21, Miguel Jorge respondeu ao executivo. "Estive e o PR fez o lobby. Aliás o PR da Namíbia é quem começou - disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado."
Para os investigadores, a sigla "PR" é uma referência ao presidente da República, usada em várias outras trocas de e-mails. A mensagem eletrônica foi depois copiada a Marcelo Odebrecht.
Seminarista - Os e-mails analisados pela PF, resultado da abertura de computadores e caixas de mensagens recolhidos nas sedes da Odebrecht, alvo de buscas em 19 de junho, quando o empresário e outros cinco executivos do grupo foram presos pela Lava Jato, revelam o monitoramento e as tentativas de influir nas agendas do presidente Lula durante seu governo.
São mensagens que começam em 2005 e seguem até o último ano de mandato do presidente Lula, em 2010. Nelas, há pedidos de encontro e atuação do chefe da República em nome da empreiteira em países como Venezuela, Peru, Angola e dentro do próprio governo.
Chama atenção no material uma pessoa identificada como "Seminarista", que para a PF é o ex-chefe de gabinete de Lula Gilberto Carvalho. Em maio de 2005, por exemplo, a secretária de Marcelo Odebrecht encaminha documento para Alexandrino Alencar: "Dr. Marcelo pede-lhe a gentileza de encaminhar ao Seminarista e informar que o encontro com o Presidente está previsto para amanhã às 10h30", informa.
Em setembro de 2009, mensagem trocada entre Marcelo Odebrecht e executivos do grupo fala "sobre investimentos e encontro com o Presidente do Peru, Alan Garcia, e eventual mensagem ou orientação por parte do presidente Lula".
"Seria importante verificarmos com nosso amigo se existe alguma mensagem ou orientação por parte do Pres. Lula para minha conversa com Alan Garcia."
Em outra mensagem aberta nos computadores apreendidos pela Lava Jato, Odebrecht encaminha e-mail para outros executivos, em outubro de 2007, e na conversa usa siglas e trata da agenda de Lula, que estava em visita a Angola.
"Aparentemente, os executivos da Odebrecht mantêm contatos com autoridades da embaixada a fim de colocar em pauta, no encontro, assuntos de interesse da construtora", registra análise da PF.
Com o título "Agenda Lula - URGENTE", há citação a contatos no Itamaraty e o pedido para inclusão de Emílio Odebrecht - pai de Marcelo - em agenda do presidente. "Rubio já fez os primeiros contatos junto ao Ita e me informou que é tradição: cabe ao anfitrião a escolha dos 20 convidados."
Na visita, nos dias 17 e 18 de outubro, o empresário monitora a agenda do presidente Lula, lembra que da última vez o pai, Emílio, foi um dos convidados e reitera o pedido para incluir representante da empresa no evento. "Importante incluir Emílio no almoço. Novamente, segundo o Embaixador, é lado daí quem decide".
No mesmo ano de 2007, Odebrecht recorre ao "Seminarista" para resolver um problema da empreiteira com um dos ministros do governo Lula. Marcelo pede a Alexandrino que acione o personagem com nome cifrado para tratar de um leilão em que a empresa participava e questiona a postura do então ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner.
"Alex, O Hubner está querendo jogar o PR ainda mais contra nós. Importante você fazer esta mensagem chegar no seminarista ainda hoje".
Os documentos analisados pela PF foram anexados na última sexta-feira, 25, aos autos da Lava Jato pelo delegado Eduardo da Silva Mauat. São uma pequena parte dos 392.842 mensagens abertas, sendo que nesse levantamento foram analisados grupos específicos de mensagens de interesse.
Defesa
Leia a nota da assessoria de imprensa do Instituto Lula: "O e-mail é de autoria do ex-ministro Miguel Jorge, por isso cabe a ele falar sobre sua mensagem, que indica que o assunto foi levantado pelo presidente da Namíbia, dentro das relações entre os dois países. O Itamaraty detém as informações sobre o referido almoço e os presentes na recepção ao presidente da Namíbia. A visita oficial e o almoço do presidente da Namíbia fizeram parte da agenda do ex-presidente, publicamente divulgada para a imprensa naquele dia".
O ex-ministro Miguel Jorge escreveu o seguinte e-mail para a reportagem: "Eu não me lembro desse episódio nem de como foi a reunião entre os dois presidentes, mas havia uma atuação institucional em favor de empresas brasileiras, sendo a Embraer uma espécie de cartão de visita da capacidade da indústria nacional. Em praticamente todas as viagens do presidente, havia reuniões com empresas, embora elas não viajassem com ele - mas, sempre, havia uma reunião pública e aberta, em que falavam o PR e ministros (das Relações Exteriores, ou do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ou da Agricultura (nessas duas regiões, havia um enorme interesse pelo trabalho de pesquisa da Embrapa). Nas reuniões do PR com outros presidentes, das quais participei, não havia a presença de empresas.Durante meu tempo no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, organizei mais de 10 missões comerciais, usando o Sucatão da Presidência, e cerca de mil empresas participaram dessas missões - empresas grandes, como Embraer, Sadia etc - e muitas médias e pequenas, que aliás, eram nossa prioridade."
A Odebrecht divulgou a seguinte nova: "A Odebrecht esclarece que os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional legítima e natural da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o País - nos quais atua, em especial como investidora. A empresa lamenta, no entanto, a divulgação e interpretações equivocadas sobre mensagens sem qualquer relação com o processo em curso".
O ex-ministro Gilberto Carvalho negou ter recebido diretamente de Marcelo Odebrecht ou Alexandrino Alencar qualquer sugestão para discursos em agendas internacionais ou assuntos relativos à Odebrecht.
(Com Estadão Conteúdo)
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