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Os designers italianos Anna Citelli e Raoul Bretzel são os autores do Capsula Mundi, projeto apresentado como uma alternativa aos cemitérios tradicionais. A dupla criou uma cápsula biodegradável em forma de ovo para que ali sejam depositados restos mortais humanos. O toque final é que a cápsula será plantada no solo envolta nas raízes de uma muda de árvore, cuja espécie será selecionada por cada um ainda em vida. Depois que a pessoa se for, familiares e amigos assumirão os cuidados com a planta. Segundo os autores, o intuito é transformar cemitérios em florestas sagradas, onde cada árvore manterá viva a memória de alguém que se foi. Há alguns detalhes um tanto esquisitos, como a proposta de que o morto seja colocado dentro da cápsula em posição fetal e a expectativa de que a árvore se alimente dos corpos em decomposição. Tudo isso, somado a restrições legais e religiosas, faz com que o Capsula Mundi não passe de um protótipo. E provavelmente não passará disso, já que embute sérias questões práticas.
Em qualquer cemitério, a alta quantidade de carga biológica que penetra no subsolo contém altos índices de bactérias e vírus, o que facilmente pode se transformar em foco de transmissão de doenças e de contaminação de áreas próximas e até mesmo de lençóis freáticos. Para evitar que isso aconteça, é preciso controlar a qualidade do solo a partir de poços subterrâneos de monitoramento. Já na superfície, cemitérios tradicionais demandam serviços de zeladoria e segurança para impedir saques e depredações, além do surgimento de focos de dengue e outros problemas do tipo. O projeto Capsula Mundi não deixa claro quem arcará com a manutenção das árvores (podas, eventuais quedas, surgimento de doenças e parasitas) nem como será feito o controle ambiental. Delegar a familiares e amigos dos mortos pode parecer romântico na teoria, mas na prática garante que ao longo do tempo ninguém se responsabilize pela tarefa — além de dispendiosa, a manutenção de um cemitério é eterna.
Alternativas vêm sendo testadas com diferentes graus de sucesso por todo o mundo. Criados para estar nas bordas, os cemitérios mais antigos hoje ocupam as áreas centrais de várias cidades – não porque tenham mudado de lugar, mas porque as cidades crescem rapidamente. Tornam-se então pequenas ilhas cercadas de edificações por todos os lados, o que também os impede de ser ampliados e modernizados. E, quanto mais o tempo passa, maior o número de mortos que precisam ser acomodados. Estima-se que por ano 55 milhões de pessoas morram em todo o mundo, o equivalente a 0,8% do total ou a população da Inglaterra.
Países como Singapura, Alemanha e Bélgica oferecem jazigos gratuitos pelos primeiros vinte anos. Depois desse tempo, as famílias têm a opção de assumir uma espécie de aluguel ou então de autorizar a remoção dos corpos para vagas mais profundas ou mesmo comuns. Em outros países, esse tipo de mudança é interpretada como desrespeito a preceitos religiosos.
Já a cremação, inicialmente considerada a solução espacial e ambiental, tem apresentado problemas. Primeiro porque as urnas acabam sendo guardadas em cemitérios –embora, é verdade, ocupem bem menos espaço. Segundo porque o processo consome muita energia quando aplicado em larga escala, contribuindo também para as emissões de poluentes. No Reino Unido, onde as cremações correspondem a 70% dos funerais, 15% das emissões de mercúrio provêm da queima de obturações dentárias. Novos processos têm sido pesquisados para amenizar o problema.
Até agora, a opção considerada mais razoável em larga escala são os cemitérios verticais, categoria em que o Brasil se destaca. O mais alto do mundo é o Memorial Necrópole Ecumênica, em Santos, com 14 andares e verbete garantido no livro dos recordes, o Guiness Book. Começou a ser construído em 1983 e hoje conta com 14.000 espaços. Em Modena, na Itália, há o San Cataldo, de arquitetura modernista, que prova ser possível haver beleza em edificações assim. Em Tóquio, está o Kouanji, um templo budista de seis andares. E, perto de Tel Aviv, em Israel, o Yarkon, é um exemplar kosher do gênero, considerado de acordo com as escrituras sagradas do judaísmo. A solução pode não ter o romantismo da floresta sagrada do Capsula Mundi, mas sua praticidade tem feito com que aos poucos se torne uma tendência mundial. Afinal, nas cidades, até a morte tem de ser bem planejada para não atrapalhar o resto.
Por Mariana Barros
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