Operação Lava Jato
Como pensa o juiz federal Sergio Moro, responsável pelas investigações do maior propinoduto já descoberto na história brasileira
Daniel Haidar, do Rio de Janeiro, e Laryssa Borges, de Brasília
INDEPENDENTE – O juiz federal de Curitiba Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato (Ricardo Borges/Folhapress)
Regras tácitas ditam o funcionamento de empreiteiras. Lances em licitações devem ser preservados internamente com o máximo sigilo. Brigas ruidosas entre concorrentes devem ser evitadas. Seguido à risca, esse receituário foi crucial para que, ao longo dos anos, construtoras virassem conglomerados com atuação diversificada e controlassem as maiores e mais importantes obras públicas e privadas do país. Mas desde o dia 14 de novembro, quando foi deflagrada a sétima fase da Operação Lava Jato, o país foi apresentado ao lado escuro domodus operandi das construtoras, um mundo de negociatas abastecidas cotidianamente com propinas milionárias. O país conhecia o Clube do Bilhão.
Por trás de cada decisão que levou empresários de sucesso para a cadeia está o jovem juiz federal Sergio Moro. Aos 42 anos e avesso aos inevitáveis holofotes instalados diante da 13ª Vara Federal em Curitiba, Moro é hoje o magistrado mais respeitado pelos colegas na Justiça Federal. Em uma votação promovida entre associados pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), recebeu 141 votos e liderou uma lista tríplice a ser encaminhada como indicação para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa.
A consagração não podia ocorrer em melhor momento. Os crimes investigados na Operação Lava Jato são o maior desafio de sua carreira. Além da trajetória na Justiça Federal do Paraná, Moro também passou pelo STF como auxiliar da ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão, até então o maior caso criminal já analisado pela Corte – mas que diante do petrolão, hoje, poderia ser julgado num tribunal de pequenas causas, como afirmou o ministro do Supremo Gilmar Mendes. Profundo conhecedor de detalhes que permeiam os maiores crimes financeiros, Sergio Moro ganhou confiança para lidar com as práticas do tribunal e elaborar o embasamento teórico dos votos da ministra sobre lavagem de dinheiro. Na Lava Jato, teve segurança para contornar, em maio, o risco de libertação de réus determinado por liminar do ministro Teori Zavascki.
"Moro foi o primeiro juiz a fazer delação premiada no Brasil. Foi um dos primeiros a conseguir cooperação internacional para rastrear contas no exterior. É um estudioso e uma pessoa que consegue fazer um trabalho brilhante, seguro e firme. Esse know-how está sendo utilizado agora", afirma a juíza federal Salise Sanchotene. A seguir, o que pensa o juiz que, mesmo diante de seu momento mais consagrador, se nega a aceitar o título de “ídolo nacional”.
Lavagem de dinheiro
Para o juiz, o processo penal que envolve lavagem de dinheiro não deve se esgotar na condenação e prisão do culpado, e sim continuar até que se consiga confiscar o produto do crime. Para isso, propõe cooperação jurídica internacional e uma política de prevenção e repressão da atividade criminal.
Delação premiada
Moro é entusiasta histórico da delação premiada, principalmente em crimes de colarinho branco ou que envolvam organizações criminosas, mas pondera que depoimentos de colaboradores, como os casos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, devem ser vistos com “muita ressalva”. Ainda assim, diz que a sociedade não pode se dar ao luxo de ignorar provas produzidas por criminosos confessos e critica advogados que desqualificam a delação e prefere o pacto de silêncio, a omertà praticada pela máfia italiana.
Poder Judiciário
Crítico frequente das decisões do Poder Judiciário, Sergio Moro engrosso o coro dos que classificam os tribunais brasileiros como uma “caixa preta”. Além de pouco transparentes, Moro avalia que juízes e cortes também não são afeitos ao controle pela sociedade civil. E em recado direto ao Supremo Tribunal Federal (STF), afirma: “a Corte frustrou várias expectativas daqueles que esperavam uma defesa mais robusta dos direitos fundamentais e da Constituição Federal, especialmente após o fim da ditadura militar”.
Corrupção
Para Sergio Moro, a corrupção é resultado da fraqueza institucional e cultural de um povo. Em sua avaliação, a dificuldade de se estancar os escândalos de corrupção é resultado do aparelhamento da administração pública, já que, em sua avaliação, o Poder Executivo é refém da política partidária; da “leniência excessiva” do Judiciário a crimes de corrupção; e de processos penais infindáveis, com recursos que impedem que ações penais cheguem ao fim. A corrupção, diz não é monopólio de um partido político ou de um governo específico e deve ser combatida por legendas de todos os espectros ideológicos.
Constituição
Defende que o juiz tenha meios para forçar a ação dos demais poderes para o cumprimento constitucional, embora admita que existem dúvidas quanto à capacidade de o juiz oferecer respostas consistentes a todos os “desafios interpretativos” da Constituição.
Interpretação das leis
Para interpretar a Constituição, Moro diz ser legítimo recorrer a uma espécie de “atividade criativa” para aplicar o texto constitucional à realidade do processo em julgamento. Em casos de conceitos abstratos, como a liberdade de expressão ou o princípio da igualdade, afirma que o juiz precisa avaliar também o contexto político ou, em suas palavras, recorrer a uma “argumentação moral” antes de decidir o caso, e nunca se transformar em um “burocrata mecânico”.
Liberdade e dinheiro roubado
Diante de fortes evidências de crimes de corrupção, Sergio Moro defende que o condenado não possa recorrer em liberdade, a não ser que já tenha devolvido aos cofres públicos todo o dinheiro roubado. Diz que o rigor contra apenados por graves crimes de corrupção deve ser considerado para se evitar fugas ou novas ocultações do produto do crime.
Presunção da inocência
Moro critica a cultura dos tribunais de aplicar excessivamente o princípio da presunção da inocência e classifica como “patologia” a interpretação do Judiciário de que sempre pode-se recorrer contra uma sentença desfavorável. Afirma que os condenados deveriam começar a cumprir de imediato as sentenças de primeira instância, aplicando apenas em casos excepcionais a possibilidade de se aguardar o julgamento do recurso antes de começar a cumprir a pena.
DNA de criminosos
Defende que, em casos de crimes violentos ou sexuais, a polícia recolha resíduos biológicos no local do crime e, com autorização judicial, extraia material biológico dos suspeitos para a formação de um catálogo nacional com perfis genéticos de criminosos e suspeitos. Para garantir efetividade à proposta, já prevista em lei mas pouco utilizada, afirma que a coleta de material genético deveria ser feita em larga escala por secretarias de Segurança Pública e pelo Executivo federal.
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