O Estado de São Paulo
O inferno é o outro, conforme escreveu há 70 anos um filósofo e dramaturgo francês. A presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, certamente concordam. Mas o outro, poderiam acrescentar, tem lá seu valor. Sem ele, em quem jogar a culpa de nossos males, especialmente daqueles produzidos por nós? Para isso servem as potências estrangeiras, os bancos internacionais, os pessimistas de todas as nacionalidades e até o Banco Central do Brasil (BC), por sua insistência em manter os juros em 11%. Os maiores males deste momento ainda estarão por aí quando começar o próximo governo, em janeiro:
O inferno é o outro, conforme escreveu há 70 anos um filósofo e dramaturgo francês. A presidente Dilma Rousseff e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, certamente concordam. Mas o outro, poderiam acrescentar, tem lá seu valor. Sem ele, em quem jogar a culpa de nossos males, especialmente daqueles produzidos por nós? Para isso servem as potências estrangeiras, os bancos internacionais, os pessimistas de todas as nacionalidades e até o Banco Central do Brasil (BC), por sua insistência em manter os juros em 11%. Os maiores males deste momento ainda estarão por aí quando começar o próximo governo, em janeiro:
1) Os aumentos de preços ganharam impulso de novo. O IPCA-15, prévia da inflação oficial de setembro, subiu 0,39%, muito mais que o dobro da variação de agosto, 0,14%. A alta acumulada no ano, 4,72%, já ficou bem acima da meta, 4,5%. Em 12 meses chegou a 6,62% e dificilmente ficará abaixo de 6% no fim do ano.
2) Os economistas do mercado financeiro e das consultorias continuam reduzindo as projeções de crescimento econômico. A mediana das estimativas, na semana passada, ficou em 0,33%, de acordo com pesquisa do Banco Central. Coincidiu com a nova previsão divulgada pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE): 0,3%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) publicará números atualizados em outubro. A previsão para o Brasil será, com certeza, bem menor que a de julho, 1,3%.
3) As finanças do governo continuam virando farelo. Nem receitas especiais têm resolvido o problema. Pelas primeiras informações, a arrecadação inicial do novo Refis, o refinanciamento de impostos em atraso, ficou abaixo do valor previsto - algo na faixa de R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões. O pessoal do Tesouro deverá continuar recorrendo à criatividade contábil. Qualquer balanço razoável no fim de 2014 será uma surpresa.
4) As contas externas continuam fracas e o déficit em conta corrente, no fim do ano, deverá ficar ainda próximo de US$ 80 bilhões, segundo estimativas do mercado. Nada, por enquanto, indica resultados muito melhores em 2015.
5) O País ainda vai depender fortemente de financiamento externo para fechar o buraco das transações correntes. O investimento direto estrangeiro tem sido e provavelmente continuará insuficiente para isso. Faltarão uns US$ 20 bilhões neste ano e, segundo as projeções do mercado, uma quantia muito parecida em 2015. Essa diferença será coberta, em grande parte, por dinheiro especulativo. As condições internacionais de financiamento serão provavelmente menos favoráveis que as de hoje, especialmente se o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, confirmar a elevação dos juros básicos, atualmente na faixa de zero a 0,25% ao ano.
Mesmo com o desemprego bem mais baixo, o Fed provavelmente só começará a aumentar os juros se os seus diretores estiverem convencidos da firme recuperação econômica dos Estados Unidos. Essa recuperação será boa para todo o mundo. Atividade mais intensa na maior economia resultará em mais oportunidades comerciais para todos os parceiros - ou, pelo menos, para aqueles preparados para aproveitar a ocasião. A indústria brasileira tem mais perdido que aproveitado oportunidades, por falta de investimento, por excesso de custos e por erros da diplomacia comercial.
Mas o começo do aperto monetário, possibilitado pela recuperação americana, afetará os investimentos e o custo dos empréstimos. Juros mais altos atrairão dinheiro para os Estados Unidos. Isso poderá neutralizar, em boa parte, a sobra de recursos provocada pelo esperado afrouxamento da política do Banco Central Europeu.
Todo mundo espera essa mudança no quadro internacional. Governos competentes procuram tornar seus países menos vulneráveis a riscos financeiros e mais capazes de acompanhar a onda de crescimento liderada pelos Estados Unidos e acompanhada, com algum atraso, pelas economias europeias mais sólidas.
Economistas do FMI, em documento preparado para a conferência ministerial do Grupo dos 20 (G-20) neste fim de semana, na Austrália, chamam a atenção para os perigos e para os ajustes necessários. A recuperação continua, mas num ambiente de riscos. No Brasil, aponta o estudo, o baixo crescimento dificultará a execução da política fiscal e a redução da dívida pública. Além disso, a inflação elevada poderá tornar necessário um novo aumento de juros se as expectativas piorarem. Isso é exatamente o contrário do caminho apontado pelo ministro da Fazenda.
Mas o governo brasileiro, especialmente em caso de reeleição, sempre poderá atribuir parte dos problemas de 2015 ao Fed. O banco central americano foi responsabilizado por males brasileiros quando inundou os mercados com dólares, tentando estimular a economia dos Estados Unidos. A valorização do real, uma das consequências, encareceu as exportações brasileiras e barateou as importações. O ministro Mantega reclamou de uma guerra cambial.
Desde o ano passado o jogo mudou. Ao anunciar a redução dos estímulos monetários, o Fed mexeu nos fluxos de capitais, valorizou o dólar e, segundo Brasília, criou pressões inflacionárias. O impacto da mudança poderá ser mais forte no próximo ano, com o aumento dos juros. Bendito seja o Fed, um dos culpados de sempre.
A presidente Dilma Rousseff tem citado com insistência uma frase famosa de Nelson Rodrigues sobre o complexo de vira-lata. Não se sabe quantas páginas da obra rodriguiana ela realmente leu, mas a tal frase é importante no repertório presidencial. Não se sabe, também, quantas páginas de Sartre ela terá lido. Mas a ideia sartriana sobre inferno, reduzida a uma tosca simplicidade, tem servido à retórica defensiva de um governo fracassado. Benditos sejam os outros.
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