domingo 10 2014

O pai e o pai

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Ser pai é um eterno vir a ser (Thinkstock/VEJA)
Ser pai é um eterno vir a ser (Thinkstock/VEJA)
Ser pai é tão fácil e tão difícil que a palavra deveria ser duas. Uma coisa é o pai, outra bem diferente é o pai, embora ambos possam ser o mesmo pai. Isso está ficando confuso.
Ajudaria se houvesse duas palavras para nomear realidades tão distintas: pai e, digamos, semipai. Ou pai e inseminador, banco genético, cara-do-pólen. O vocábulo não importa tanto. Serviria qualquer coisa que demarcasse o abismo entre a realidade banal, imediata, e aquilo que só aos poucos, com obstinação e sorte, será desenhado no horizonte.
É possível ser pai distraidamente, por acidente, por esporte – por nada. Um acaso bioquímico, gametas danadinhos e pronto: esforço zero. Daí ser possível ser pai sem ser pai, com desprezo, indiferença ou mesmo horror à ideia de ser pai.
Mãe não é assim. Mãe é mãe, reza o chavão, incontestável. Mãe é mãe é mãe é mãe, o que faz ainda mais sentido quando se pensa que pai não é pai. Não ainda. Não tão depressa. E o começo é a parte mais desconcertante.
O poder instantâneo de que se investe a mãe no exato segundo em que se descobre mãe é cósmico. Alia a realidade imediata e a transcendência como se não fosse absurdo imaginá-las compatíveis, e ao fazer isso as torna, mais do que compatíveis, uma só. Mãe é maior que a vida de um modo que só a própria fonte da vida pode ser.
Tudo isso é incompreensível para o cara-do-pólen, que já na largada da corrida se vê escanteado, obsoleto e manco, assobiando de lado para disfarçar o ressentimento. Como é patético o pai que ainda não virou pai.
Pai só chega a ser pai por meio de um percurso que deve ser trilhado de forma lenta, obstinada, sem a menor garantia de sucesso, dia após dia. Ser pai é vir a ser, eternamente.
Feliz Dia dos Pais a todos os pais, mas em especial aos pais.

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