quarta-feira 14 2014

No país da Copa, a segurança no trabalho também atrasa

Governo

Governo formado por partidos com raízes no sindicalismo só vai lançar agora a sua ação para prevenir acidentes na Copa. Nos estádios, 9 operários morreram

Cercada de operários, a presidente Dilma Rousseff veste um capacete dourado ao visitar o Itaquerão, em São Paulo. O estádio, palco do jogo de abertura da Copa, teve três trabalhadores mortos
Cercada de operários, a presidente Dilma Rousseff veste um capacete dourado ao visitar o Itaquerão, em São Paulo. O estádio, palco do jogo de abertura da Copa, teve três trabalhadores mortos (Sebastião Moreira/EFE)
A situação é especialmente decepcionante para os operários em função das origens da aliança partidária que está no poder há mais de uma década. A presidente Dilma veio do PDT, fundado com base na defesa dos direitos dos trabalhadores
Não foi só a conclusão das obras que ficou para a última hora no país-sede da Copa do Mundo de 2014. A preocupação com a segurança do trabalho também atrasou: o governo federal deverá anunciar só nesta semana uma ação para promover a prevenção de acidentes no evento. O Brasil conta nove mortes na construção dos estádios do Mundial, sendo que um terço das arenas registraram acidentes fatais. Depois do Itaquerão, da Arena da Amazônia e do Estádio Nacional de Brasília, a Arena Pantanal, em Cuiabá, entrou na lista –na última quinta-feira, Muhammad'Ali Maciel Afonso, de 32 anos, foi vitimado por uma violenta descarga elétrica enquanto ajudava a instalar a fiação de um dos setores do estádio. De acordo com reportagem publicada na segunda-feira pelo jornal Folha de S. Paulo, a presidente Dilma Rousseff assinará nesta semana uma cartilha com diretrizes gerais sobre a segurança do trabalho na Copa. O documento será divulgado a menos de um mês do início do torneio. Só terá alguma relevância por causa das próprias falhas dos responsáveis pelos projetos: a 30 dias para a abertura, três estádios ainda estão incompletos e só quatro das trinta obras de mobilidade urbana monitoradas pelo Ministério das Cidades foram finalizadas.
A cartilha a ser lançada por Dilma (que, na semana passada, visitou o Itaquerão e posou para fotos com um capacete de operário dourado) não terá orientações específicas e detalhadas, apenas diretrizes gerais. O documento pede, por exemplo, que governo, construtoras e sociedade "comprometam-se a tomar medidas que estiverem ao seu alcance" para preservar a segurança dos trabalhadores ligados à Copa. A divulgação do texto acontece na reta final dos preparativos para o evento, num momento em que a preocupação com acidentes aumenta – afinal, a pressão para cumprir os prazos acertados com a Fifa pode reduzir a margem de erro e elevar os riscos nas obras, tanto nos estádios como nos outros projetos ligados ao evento, como as reformas dos aeroportos. Conforme a BWI, entidade internacional que se dedica a combater as más condições de trabalho, a correria para concluir as obras necessárias para a realização de grandes eventos esportivos faz com que a segurança dos operários fique comprometida – e isso acontece com mais frequência em países onde a proteção aos trabalhadores é menos rigorosa. O Brasil, onde a construção civil é um dos setores que mais fornecem empregos, ainda está distante das nações que são referência no setor.
Nos preparativos para a Olimpíada de 2012, em Londres, nenhum operário morreu nos projetos ligados ao evento, realizado com instalações entregues dentro do prazo anunciado pelo governo britânico. De acordo com a BWI, as obras para os Jogos de Inverno de Sochi-2014 vitimaram pelo menos 60 trabalhadores (o governo da Rússia não divulgou os dados oficiais). Da mesma forma, não há notícias de operários mortos nos estádios preparados para a Copa da Alemanha-2006, mas tanto a África do Sul como o Brasil registraram vítimas nas novas arenas.Na Copa passada, foram dois mortos em dez estádios (Dumisani Koyi, de 28 anos, morreu no Estádio Peter Mokaba, em Polokwane, em 15 de agosto de 2008, e Sivuyele Ntlongotya, de 26 anos, foi vítima de um acidente no Estádio Green Point, na Cidade do Cabo, em 15 de janeiro de 2009). O Brasil, com doze arenas, teve sete mortes a mais que a África do Sul, onde a segurança do trabalho ainda tem muito a avançar. A BWI manifestou sua preocupação com o caso brasileiro e já alerta para as condições de trabalho na Rússia, onde uma lei da Copa reduziu os padrões de segurança.

'Trabalho precário' - No caso do governo brasileiro, a situação é especialmente decepcionante para os operários em função das origens da aliança partidária que está no poder há mais de uma década. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ajudou a trazer a Copa ao país, é ex-sindicalista (foi vítima de um acidente de trabalho, inclusive) e aproveitou o apoio das entidades sindicais para fazer o PT crescer. A presidente Dilma Rousseff veio do PDT, partido que foi fundado com base na defesa dos direitos dos trabalhadores. No poder, porém, tanto Lula e Dilma como seus subordinados, muitos dos quais também fizeram suas carreiras políticas graças ao movimento sindical, não prepararam nenhuma ação específica para garantir que as obras da Copa tivessem o melhor padrão de segurança possível. Aliás, pelo contrário: depois de um dos acidentes fatais do Itaquerão, o ex-sindicalista e ex-deputado federal Luiz Antonio Medeiros, a principal autoridade do Ministério do Trabalho em São Paulo, confessou que a construção tem irregularidades, que elas são ignoradas por causa da necessidade de terminar o estádio a tempo e que o ministério "faz de conta que não vê" os problemas.
"Se esse estádio não fosse da Copa, os auditores teriam paralisado a obra. Estamos fazendo de conta que não vemos algumas coisas irregulares", afirmou Medeiros. "Isso é trabalho precário. Não vamos nem entrar neste assunto porque vai atrasar ainda mais a obra." O ex-sindicalista afirmou ainda que o ministro do Trabalho, Manoel Dias, foi informado da situação. "Falei com o ministro e ele deu respaldo. Estamos fazendo de conta que não estamos vendo." Medeiros deu essas declarações depois que Fabio Hamilton da Cruz, de 23 anos, caiu enquanto trabalhava na montagem das arquibancadas provisórias do Itaquerão. O operário não estaria totalmente capacitado para esse trabalho. Foi assim também na última semana, em Cuiabá, no acidente ocorrido com Muhammad'Ali Afonso, de 32 anos. Ele foi contratado para trabalhar como montador, mas acabou sendo deslocado para fazer serviço de eletricista. A superintendência de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego em Mato Grosso informou que o operário "não usava os equipamentos necessários para desempenhar a função e não teria a capacitação necessária para exercer a função".

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