quarta-feira 30 2014

Marqueteiro político: produto de exportação do Brasil

Política

Ajudado por um mercado publicitário competente, pela capacidade técnica de nossa televisão e por camaradagens, o marketing político tupiniquim já está em campanhas na América do Sul, América Central, África e Europa

Diego Braga Norte
João Santana, o marqueteiro da campanha eleitoral de Dilma Rousseff
João Santana, o marqueteiro da campanha eleitoral de Dilma Rousseff (Patricia Stavis)
Em março de 2009, uma versão de Canta Canta, Minha Gente, de Martinho da Vila, grudou nos ouvidos dos eleitores salvadorenhos que deram a vitória a Mauricio Funes na disputa presidencial em El Salvador. No clipe da campanha, imagens de pessoas sorridentes, acenando para a câmera, faziam o fundo para a animada canção. Em meados de 2012, um dos vídeos do programa de José Eduardo dos Santos mostrava profissionais de saúde sorridentes atendendo a pacientes igualmente sorridentes em hospitais impecáveis de Angola. Feitas em dois continentes diferentes, as campanhas têm algo em comum: foram comandadas por um marqueteiro político brasileiro. Nos dois casos, João Santana, o maior expoente do ramo na atualidade. Mas ele não é um exemplo isolado. Na última década, a presença dos publicitários brasileiros em campanhas no exterior tornou-se uma constante. E o trabalho refinou-se de maneira acentuada, misturando a ciência das pesquisas e truques dignos do showbiz. Hoje, os profissionais brasileiros são assediados para atuar em campanhas de países da América do Sul, da América Central, da África e até da Europa. Um produto de exportação. 
A capacidade dos marqueteiros de contar histórias envolventes com "atores" (ou seja, candidatos) de credenciais muitas vezes duvidosas decorre, principalmente, da força e da qualidade da televisão brasileira. O Brasil tem uma longa tradição de propaganda para esse meio — a publicidade brasileira é uma das maiores vencedoras do Festival Lion de Cannes, o mais prestigiado da área. Tem, além disso, uma larga experiência em teledramaturgia. Isso significa que há ampla oferta de profissionais capazes de roteirizar, gravar e editar com qualidade superior os programas que apresentam um candidato. “Nós sabemos fazer TV. O pessoal de marketing político acabou pegando carona nessa eficiência que já é conhecida mundo afora. Os brasileiros sabem como contar uma história eficiente do ponto de vista da coerência e da emoção em formato seriado para televisão”, atesta Aquino Correa, professor de publicidade e chefe do departamento de Propaganda da Escola de Comunicação e Artes da USP.

'Menem lo hizo' – Uma campanha com imagens do nascer do sol, de crianças fofas, multidão nas ruas e, claro, rodovias e viadutos. Tudo ao som do pegajoso refrão “ele pode não ter feito tudo, mas que fez muito ninguém pode negar”. O que parece bastante familiar para o eleitorado brasileiro foi utilizado em um vídeo para melhorar a imagem do então presidente argentino Carlos Menem, em 1999. A semelhança não é apenas coincidência. Quem comandou a produção foi Duda Mendonça, em um de seus primeiros trabalhos de destaque fora do país, quando as ações de marketing político de brasileiros no exterior ainda eram pontuais e não uma prática recorrente - vale mencionar que já em 1992, quando Angola realizou suas primeiras eleições nacionais, um brasileiro comandou a campanha do MPLA: o publicitário Geraldo Walter de Souza Filho. 
O objetivo era falar bem do governo para tentar alavancar a candidatura governista de Eduardo Duhalde. Mendonça usou com Menem a mesma estratégia que tinha adotado na derrotada campanha de Paulo Maluf para o Palácio dos Bandeirantes, em 1998, que teve como slogan o inesquecível “Maluf que fez” – traduzido, virou “Menem lo hizo”. Apesar de muito criticada, a campanha copiada e traduzida melhorou a imagem de Menem, mas não a ponto de dar a vitória a seu sucessor – Duhalde perdeu as eleições para Néstor Kirchner. À época, o publicitário reagiu às críticas dizendo que uma campanha política tem de ser eficiente e não tem obrigação de ser inovadora. “Menem lo hizo” não foi nem uma coisa nem outra.
Poucos anos depois, Duda foi responsável pela campanha que se tornou a grande vitrine para o trabalho dos marqueteiros políticos brasileiros, ao transformar a figura de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa presidencial de 2002. O publicitário reverteu a imagem de radicalismo da época sindical, que amedrontava a classe média, aparando a barba do candidato, que passou a vestir ternos caros, eliminou do discurso palavras de ordem como “vamos à luta”, e trocou a expressão carrancuda por um sorriso, criando o ‘Lulinha paz e amor’.
A bem-sucedida campanha virou referência regional e chamou atenção na América Latina, credenciando os profissionais brasileiros a atuarem no exterior. Até aquele ano, lembra Correa, “não se falava muito em marketing político no Brasil nem de campanhas brasileiras fora do país”. Doze anos depois, os publicitários brasileiros hoje trabalham em campanhas políticas na Argentina, Peru, Chile, Venezuela, Equador, Panamá, El Salvador, República Dominicana, Angola, Moçambique, Portugal, Espanha e em outros países.
Para Chico Mendez, jornalista que trabalha há sete anos como marqueteiro político no Brasil e no exterior, é notável que “de uns cinco, seis anos para cá, o mercado externo melhorou muito para os brasileiros, ficou mais receptivo”. “Ninguém aguentava um programa político só com discursos cansativos e estáticos, não dava mais. O Brasil desenvolveu uma linguagem própria, uma narrativa ágil que une jornalismo e publicidade”, afirmou.
Pesquisas e redes sociais – Se os programas de TV trazem uma contribuição significativa para as candidaturas nos países em que os brasileiros atuam, eles são desenvolvidos com base em um exaustivo trabalho de pesquisas de opinião – prática comum nas disputas eleitorais no Brasil que os marqueteiros também levaram para fora do país. Em campanhas com orçamentos maiores, como as presidenciais, são levadas a cabo dezenas de pesquisas quantitativas e qualitativas. As primeiras usam um questionário padronizado com múltiplas respostas e são consideradas o método mais adequado para captar manifestações conscientes dos entrevistados.
Já as pesquisas qualitativas tentam captar aspectos subjetivos nas intenções e opiniões dos eleitores. Geralmente são feitas com um grupo fechado de pessoas, selecionadas de acordo com o perfil que se pretende analisar. O grupo é estimulado a comentar e emitir opiniões sobre determinados candidatos, temas das campanhas e até trechos de propagandas eleitorais, antes de elas irem ao ar. A vantagem de uma ‘pesquisa quali’ feita com rigor é que ela pode fornecer não apenas números, mas percepções e tendências que podem ser utilizadas pelos estrategistas das campanhas, destaca Chico Mendez.
Há ainda outra modalidade de pesquisa, o tracking, que, por ser um produto caro e complexo do ponto de vista logístico, é utilizado apenas em campanhas milionárias. Feitas preferencialmente respeitando a divisão de setores censitários de cada país, as pesquisas tracking são pesquisas quantitativas em uma base diária. Com isso, os estrategistas podem “sentir o pulso” dos eleitores e notarem sutis tendências e mudanças rapidamente. Combinados, os dados do tracking e as percepções captadas pelas qualitativas compõem um arsenal poderoso para ajudar a conduzir as campanhas eleitorais.
No caso das redes sociais, extremamente populares no Brasil e cada vez mais importantes em campanhas eleitorais, em outros países essa relevância ainda não está consolidada. “Enquanto no Brasil as redes sociais estão disseminadas por todas as classes sociais e regiões, na América Latina e na África elas têm um recorte mais limitado, restritas a um público majoritariamente mais jovem e de centros urbanos”, explica Luciana Salgado, especialista em marketing digital político da Fundação Getúlio Vargas, que cita como exceção o México. Como resultado dessa discrepância, no Brasil já há experiências de uso de ‘big data’ – coleta de dados massiva – em campanhas eleitorais, ao passo que em países da América Latina, o uso das redes consiste basicamente em criar e manter perfis oficiais no Twitter, Facebook ou Instagram.
Quem indica? – Contudo, a competência dos profissionais não é o único fator a abrir portas no exterior. Einhart Jácome da Paz, que já tinha duas décadas de experiência em campanhas políticas no Brasil quando foi ajudar a eleger candidatos em Portugal, considera também o que chama de “efeito Lula”. Segundo o publicitário, o ex-presidente e seu partido se empenharam bastante na indicação de seus marqueteiros favoritos para trabalharem em campanhas políticas em outros países.

De fato, em abril do ano passado, após a morte de Hugo Chávez, Lula gravou um vídeo em apoio a Nicolás Maduro


afilhado político do coronel, que venceria a disputa presidencial com uma diferença de apenas 1,5% dos votos. João Santana, marqueteiro do PT que já havia atuado na campanha de Chávez, em outubro de 2012, também cuidou da imagem de Maduro. Com diversas campanhas e sete presidentes eleitos no portfólio, João Santana tornou-se mais poderoso e influente que a maioria dos assessores da presidente Dilma Rousseff. Segundo dados oficiais do TSE, a campanha de Dilma pagou 42 milhões de reais à empresa de Santana em 2010. Para comandar a campanha presidencial em Angola, o publicitário teria cobrado 96 milhões de reais, segundo uma reportagem da Folha de S. Paulo – ele não negou nem confirmou o valor.
Mesmo sabendo que a maior parte do preço serve para cobrir os custos de produção, campanhas políticas são negócios extremamente lucrativos – a consultoria Ernst&Young estima que a margem de lucro do mercado publicitário seja em torno de 23%. Isso sem contar o nefasto e ilegal caixa-dois, que não é contabilizado oficialmente. Durante a CPI dos Correios, no auge do escândalo do Mensalão, em 2005, o publicitário Duda Mendonça revelou pagamentos feitos com dinheiro de caixa-dois em contas bancárias fora do Brasil.
Embora milionárias, as campanhas coordenadas por agências nacionais também têm o preço como atrativo no mercado internacional, pois seguem sendo mais baratas que as de firmas de consultoria e de marketing americanas, por exemplo. “Uma empresa americana, em qualquer circunstância, cobra três vezes mais que uma brasileira. Seja no retail [varejo], seja para criar uma marca ou em qualquer ação de propaganda e marketing, os americanos fazem tudo muito mais caro”, afirma o professor Aquino Correa.
A imensa diversidade cultural e geográfica brasileira é outro fator que beneficia os marqueteiros brasileiros. Uma campanha no Amazonas é completamente distinta de uma no Recife, que ainda difere de outra no Rio Grande do Sul e assim por diante. Essa heterogeneidade de públicos e culturas ajudou a moldar profissionais flexíveis que se adaptam rapidamente – uma vantagem na hora de atuar em outros países.
Todos esses componentes, no entanto, não garantem 100% de aproveitamento no trabalho lá fora. Há espaço até para campanhas que beiram a gafe, como a do Partido Social Democrata nas eleições legislativas de 2005, em Portugal, coordenada por Einhart Jácome da Paz. Nessa campanha, uma peça publicitária de gosto duvidoso virou motivo de chacota entre eleitores. O videoclipe trazia uma gravação em português lusitano da música Menino Guerreiro, de Gonzaguinha, e muitas imagens banais do candidato a primeiro-ministro Pedro Santana Lopes. Além da interpretação piegas de uma música de um cantor brasileiro identificado com a esquerda, versos como “Guerreiros são pessoas/São fortes, são frágeis/Guerreiros são meninos” ou “É triste ver este homem/Guerreiro, menino/Com a barra do seu tempo/Por sobre seus ombros”, não contribuíram para difundir uma imagem positiva do social democrata, que perdeu as eleições. Até hoje em Portugal há quem se recorde desse vídeo como um exemplo a não ser seguido.

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