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1. Este é meu vigésimo artigo em VEJA. Devo ter teclado algo como 70 mil caracteres. Apesar de os assuntos serem dispersos, o que os une e unta é um interesse que poreja em cada palavra pela educação pública de qualidade, ou seja, a criação de mais vida na própria vida: bom tema para o Natal. Belo presente a se dar ao Brasil.
2. E este é o tema que pulula em todos as colunas. Tony Bellotto diz que “só há uma solução para a barbárie brasileira: a educação”; já o colunista político Merval Pereira enuncia: “O Plano Nacional de Educação, projeto de lei enviado ao Congresso em dezembro de 2010, somente em 2014 deverá ser aprovado.” A frase fala por si só da falta de apetite para devorar o assunto.
3. No mesmo artigo, Merval cita a educadora Ilona Becskeházi para quem os países passam por quatro ciclos em educação: a massificação das matrículas; o fluxo de alunos até a conclusão da etapa obrigatória; o estabelecimento de novos padrões e a implementação destes padrões. Diz ela: “Ainda não conseguimos nem manter a massificação até o ensino médio, lutamos com o fluxo porque os alunos são analfabetos ou ignorados por seus professores, morremos de medo de padrões claros e não temos a menor noção de como implementar nada direito.”
4. O problema é que os países estão evoluindo em seus métodos e nós continuamos a fingir que o ensino médio recupera o básico, de que a universidade recupera o ensino médio e de que mestrados, doutorados e MBAs irão recuperar a universidade. Necas de pitibiriba!
5. Tudo precário, estático, lembrando a máxima de Sergio Buarque de que acaba a educação apenas por conceder títulos nobiliárquicos. Dizia ele: “Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes senhoriais ainda merecem largo crédito, as qualidades do espírito substituem, não raro, os títulos honoríficos, e alguns dos seus distintivos materiais, como o anel de grau e a carta de bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza.”
6. Tornar-se fidalgo, ou “filho de algo”, acaba sendo uma fantasia, não o mérito em si, como afirmava o sociólogo, Deus meu!, já em 1936: “É que para bem corresponder ao papel que, mesmo sem o saber, lhe conferimos, inteligência há de ser ornamento e prenda, não instrumento de conhecimento e de ação.”
7. O país não está preparando sua população nem para o conhecimento sobre o passado (livros escolares trazem narrativas partidárias e sem conexões), nem para o presente (em práticas de aproveitamento dos talentos inerentes de cada aluno) e nem no futuro (em 2012, registramos cem vezes menos patentes do que a China: chega?). Escolas passam a ser casas de detenção, depósitos da inércia no uso do tempo.
8. Reitero a atualidade de Sergio Buarque, o pai do Chico: “Os decretos dos governos nasceram em primeiro lugar da necessidade de se conterem e de se refrearem as paixões particulares momentâneas, só raras vezes da pretensão de se associarem permanentemente as forças ativas.”
9. Se forças ativas podem ser representadas pelos presidentes que estavam no avião que foi à África do Sul, façamos um apelo para que eles, simbolicamente , se associem e se mobilizem em atitudes que procurem quebrar o gargalo da educação – por favor, que isto não pareça utópico! – pois, sem esta ação, não adianta pensar em mais nada. Não adianta concessões de IPI para comprar eletrodomésticos, Bolsa Família ou Mais Médicos. Isto deixa de ser ação para se tornar protelação.
10. Estamos paralisados pela falta de competência, pela falta de treinamento, pela incapacidade de pensar e elaborar novas possibilidades de futuro. O sistema médico, o sistema econômico, o sistema político estão em crise porque o que está em crise é a profunda precariedade da formação educacional do homem brasileiro.
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