domingo 15 2013

Filmes fabulosos, nascidos imortais e agora tornados eternos pela restauração

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INIGUALÁVEL -- Peter O'Toole no papel título de Lawrence da Arábia: pela sua magnitude e perfeição, o épico de David Lean é um caso exemplar dos novos processos digitais de restauração (Foto: Everett Collection / Grupo Keystone)
INIGUALÁVEL -- Peter O'Toole no papel título de "Lawrence da Arábia: pela sua magnitude e perfeição, o épico de David Lean é um caso exemplar dos novos processos digitais de restauração (Foto: Everett Collection / Grupo Keystone)
Texto de Isabela Boscov publicado em edição impressa de VEJA 

NASCIDOS IMORTAIS, TORNADOS ETERNOS
As restaurações dos filmes Lawrence da ArábiaCantando na Chuva e Tubarão são um ótimo argumento em favor da imagem digital – e também da riqueza única da película
Os detalhes são tantos e tão nítidos que tentar apreendê-los todos é atordoante: até os grãos da areia são visíveis, assim como os microscópicos fragmentos de mica brilhando entre eles; a poeira está tão entranhada no uniforme de Peter O’Toole que é possível sentir entre os dedos a maneira como ela altera a textura do tecido; quando a câmera passa pelo rosto dele, o azul líquido dos seus olhos é de uma coincidência preternatural com o azul do céu, e de um contraste feroz com os efeitos da secura e do calor em seu rosto.
E, graças ao ar cristalino do deserto, à luz que inunda tudo e à perícia monstruosa do diretor de fotografia Freddie Young, consegue-se divisar cada pormenor da paisagem para trás de O’Toole, das reentrâncias das rochas que afloram a distância até a linha incerta do horizonte.
Lawrence da Arábia, do cineasta inglês David Lean, foi sempre de tirar o fôlego, e desde 1962 vem estarrecendo espectadores. Em 1989, já havia sido objeto de uma longa restauração, a qual não apenas restituíra ao filme sua montagem original de quase quatro horas como também eliminara muito do dano acarretado ao negativo pelo tempo e pelo mau uso.
Gloriosa ressurresição em Blu-ray
Muito, porém, não é tudo – nem de longe. A obra-prima de Lean acaba de ser submetida a um novo e ainda mais minucioso processo digital de reconstituição, e agora, em seu aniversário de cinquenta anos, ressurge ainda mais gloriosa no Blu-ray que já está nas lojas.
Recomenda-se vê-la ou revê-la em televisor avantajado (de preferência de plasma, de contraste muito superior ao do LCD), com som de home theater e em sala totalmente escura. E sugere-se também que o espectador se prepare para o fato de que nunca mais outro filme lhe parecerá tão grandioso: das atuações antológicas e roteiro lapidar à majestade técnica, Law­ren­ce é o ápice do casamento entre forma e conteúdo no cinema.
COR E CLIMA -- Cyd Charisse e Gene Kelly dançam em Cantando na Chuva - a restauração traz desafios específicos do Technicolor do musical
COR E CLIMA -- Cyd Charisse e Gene Kelly dançam em "Cantando na Chuva" - a restauração traz desafios específicos do Technicolor do musical
Cantando na Chuva e Tubarão também
Graças aos novos métodos digitais de restauração, muitos outros grandes filmes estão chegando ao Blu-ray em cópias mais límpidas do que jamais o foram. Além de Lawrence, que sai pelo Sony, tem-seCantando na Chuva, o maior dos musicais, e Tubarão, o primeiro e ainda um dos melhores blockbusters, entre dezenas de outros títulos.
O que se comprova é que o alcance da restauração digital é virtualmente ilimitado. Veja-se o caso de Tubarão: Steven Spielberg teve de rodá-lo com negativo ruinzinho e penou horrores com o tubarão mecanizado e as dificuldades logísticas da filmagem em alto-mar. Ainda que o espectador de 1975 não o notasse, portanto, o filme trazia variações significativas de som, luz, cor e qualidade fotográfica.
Não mais: no Blu-ray que a Universal acaba de lançar, a imagem e o som são de uma pureza absoluta, a qual só acentua a contraposição entre o cenário ensolarado e preguiçoso da estação de veraneio de Amity e a ameaça mortal do leviatã que ronda suas praias. Em Cantando na Chuva, a prioridade era devolver ao original sua gama muito particular de cores e a nitidez destas.
O processo Technicolor, que os diretores Gene Kelly e Stanley Donen usaram neste sucesso de 1952, proporcionava paletas intensas, saturadas e muito definidas – que, embora diferissem das cores reais dos objetos fotografados, eram instantaneamente reconhecíveis. Uma “assinatura” colográfica, por assim dizer, específica do método e ainda mais específica de cada filme em que ele era utilizado. Pois, quando o disco recém-lançado pela Warner começa a rodar, a sensação é de que uma caixa de tintas a óleo explodiu na tela, tal a vividez das cores e a nitidez das imagens.

TUBARÃO -- As dificuldades de filmagens não são mais problema no Blu-ray que a Universal acaba de lançar, a imagem e o som são de uma pureza absoluta
TUBARÃO -- As dificuldades de filmagens não são mais problema no Blu-ray que a Universal acaba de lançar, a imagem e o som são de uma pureza absoluta
Se cada filme a ser restaurado apresenta desafios próprios, Lawrence da Arábia, por sua magnitude e pela beleza superlativa das imagens, dá a melhor amostra possível do que a empreitada envolve. Rodado com as mastodônticas câmeras Panavision 65 mm no Marrocos e na Jordânia, sob temperaturas que às vezes superavam os 50 graus e chamuscavam tanto o negativo quanto o humor da equipe, Lawrence já nasceu primoroso, graças ao perfeccionismo irredutível de Lean.
Uma operação exemplar, portanto, foi organizada para fazer jus a tal matéria-prima. Durante seis meses de 2010, o negativo restaurado em 1989 foi escaneado, quadro por quadro, no formato de altíssima resolução 4K – ao gerar 8,8 milhões de pixels por quadro, ele fornece uma resolução quatro vezes maior que a do HD, o vídeo digital de alta definição. No correr do ano seguinte, cada um dos quadros digitalizados foi limpo e corrigido individualmente no computador: riscos, manchas, áreas deterioradas – tudo se recuperou e se retocou, até sobrar apenas a beleza das imagens.
Por isso agora é possível observar cada fio do bigode que Omar Sharif nunca mais deixaria de usar, e também distinguir os movimentos de cada camelo nas panorâmicas imensas de que Lean tanto gostava. Ou melhor, não só por isso. É o avanço da tecnologia digital que permite devolver esses detalhes à luz. Mas é por causa da incomparável capacidade da película de captar texturas e nuances, sombras e luz, que esses detalhes estão lá para ser reencontrados.

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