Mensalão
Ex-diretor do Banco do Brasil, condenado por repassar 73,8 milhões para a agência de Marcos Valério, abandonou a cobertura à beira-mar para se esconder na Itália. Advogado acompanhou o primeiro trecho da viagem
Pâmela Oliveira, do Rio de Janeiro
Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil (Rodrigo Paiva/AE)
Na calada da noite, Duas vezes por dia – nas primeiras horas da manhã e no início da noite – o morador da cobertura do número 46 da Domingos Ferreira era visto a caminho da Praia de Copacabana. De tênis e bermuda na primeira saída, e muitas vezes de chinelos, ao entardecer, Henrique Pizzolato polia as pedras portuguesas do calçadão incógnito, sem sobressaltos nos 180 metros que separavam sua portaria das ondas em preto e branco desenhadas junto à areia da princesinha do mar. Ninguém importunava o homem que, findo o julgamento do mensalão, foi condenado a 12 anos e sete meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Pelo contrário: vizinhos, porteiros e até o guardador de carros da Domingos Ferreira consideravam aquele um senhor simpático, discreto, um morador exemplar.
Ser discreto e eficiente era o que se esperava do braço da quadrilha no Bando do Brasil – um quadro do PT no BB, que saltou de arrecadador de fundos da campanha de Lula para a diretoria de marketing do banco. No novo posto, Pizzolato autorizou o repasse de 73,8 milhões de reais do Fundo Visanet para a DNA Propaganda, de Marcos Valério. A campanha da Visanet nunca foi veiculada. A investigação indicou que ele teria, pelo serviço ao esquema, recebido 326.000 reais.
O valor é pouco inferior ao que foi oficialmente pago pela cobertura em Copacabana, em 2004, um mês depois de a dinheirama pingar na conta de Pizzolato. A partir daquele ano, ele e a mulher, Andréa, passaram a morar em um piso com piscina, churrasqueira, vista para o Cristo Redentor, o topo do Pão de Açúcar e a três minutos de passos lentos do Atlântico.
Há cerca de 45 dias, Pizzolato pôs em prática o plano que o levaria para o outro lado do oceano. O porteiro da noite – cujo nome os colegas preferem proteger – estranhou o horário da caminhada, às três da madrugada, com duas grandes malas de viagem. Não estava sozinho: acompanhavam o ex-diretor do BB o advogado Marthius Lobato e um outro defensor. Lobato disse, neste sábado, que foi surpreendido pela notícia de que seu cliente estava na Itália, e deu por encerrada sua relação profissional com Pizzolato “a partir do trânsito em julgado”.
Deduz-se, pois, que ele nada tenha a ver com o trânsito na calada da noite que levou um dos condenados do maior esquema de corrupção da história do Brasil ao Paraguai para, da cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero – um entreposto dos traficantes brasileiros – escorregar por vias não oficiais para o velho continente, valendo-se de sua dupla cidadania. Como um réu desse quilate no Brasil desaparece para brotar na Europa, passando por um país vizinho? Um dos delegados da PF envolvidos na tentativa de prender Pizzolato formulou a seguinte hipótese, logo depois de tomar conhecimento do paradeiro do condenado: como tem dupla cidadania, ele poderia ter se apresentado em um consulado italiano (certamente no Paraguai) dizendo ter perdido seu passaporte. A partir daí, a representação italiana se encarregaria de fornecer um novo documento para que seu cidadão retornasse ao país de origem.
Pizzolato quer ter, na Itália, um julgamento justo, livre das pressões da mídia. "Por não vislumbrar a mínima chance de ter um julgamento afastado de motivações político eleitorais, com nítido caráter de exceção, decidi consciente e voluntariamente fazer valer meu legítimo direito de liberdade para ter um novo julgamento, na Itália, em um tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial", deixou registrado em nota.
O ataque “à mídia” e à Justiça foi a forma que o foragido encontrou de dar sua “banana” para os brasileiros – ou uma versão um pouco mais acovardada do punho em riste dos mensaleiros de mais alta patente, José Dirceu e José Genoino. Imprensa, mas imprensa mesmo, para ele, só a revista “Retrato do Brasil”. Tinha gosto especial por duas edições da publicação, cujos exemplares distribuiu a amigos, vizinhos, porteiros e até ao guardador de carros da Domingos Ferreira – este, sim, um retrato da realidade brasileira, cobrando migalhas para vigiar e afastar os ladrões dos carrões dos moradores de um dos bairros mais ricos do país. A propósito: Pizzolato e a mulher não tinham carros. Nem filhos.
O guardador de carros guardou as revistas, como recordação de seu contato mais próximo com o ilustre mensaleiro – seu elo mais próximo com o presidente Lula. “STF Também Erra!”, traz uma das capas distribuídas para a vizinhança da Domingos Ferreira. O conteúdo, como se deduz, é um amontoado de críticas às investigações do mensalão e, claro, à imprensa. O guardador de carros não critica o mensalão, nem Pizzolato, nem seus advogados. “Aquele (Lobato) me deu cinquenta reais para lavar o carro”, contou, horas depois de Marthius Lobato, o autor da doação generosa, confirmar oficialmente o paradeiro de seu ex-cliente.
Para os vizinhos, Andrea era mais calada do que o marido. Ele ainda contava piada e brincava, mas nos últimos meses estava muito abatido. “Entrava e saía do edifício com a cabeça baixa, quieto”, contou um porteiro. Visitas frequentes, só dos advogados. “Ela sempre subia com sacolas. Acho que ele não fazia compras do mês. Ultimamente, ele só saía para caminhar e para ir ao mercado”, contou.
Depois do sumiço de Pizzolato, Andréa se manteve na cobertura. Os dois tinham ainda outro apartamento no bairro – ambos visitados por policiais federais na tarde de sexta-feira, quando começaram a ouvir de representantes do réu que ele se entregaria.
O casal sempre teve uma relação de união e cumplicidade. Andrea e Pizzolato se conheceram em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, quando cursavam arquitetura e começaram a namorar. Além dos advogados e de uns poucos amigos, o casal recebia esporadicamente os parentes do Sul – ela é gaúcha e ele, catarinense.
As visitas cessaram de vez há quinze dias. Também na calada da noite, Andréa desceu, certa noite, com três malas. “Ela não se despediu, não disse nada. Apenas pediu ajuda para descer as escadas até a rua e entrou em um táxi. Uma semana depois, começou o boato de que ela teria ido ao encontro do marido”, disse um dos porteiros. A Justiça e a polícia não perceberam nada.
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