Ética
Marcelo Morales, especialista em experimentação animal, explica que testes com cães são intermediários entre estudos com camundongos e humanos
Juliana Santos
A ação dos ativistas que resgataram na madrugada desta sexta-feira cães utilizados como cobaias em estudos científicos no Instituto Royal, em São Roque (SP), comoveu a opinião pública. Mas, do ponto de vista da ciência, testes com animais – desde que de acordo com as normas éticas – são necessários para garantir que os medicamentos cheguem com segurança ao ser humano.
"Experimentos com cães são uma ponte entre as primeiras pesquisas, geralmente feitas com roedores, e estudos com humanos", explica o médico Marcelo Morales, coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). "Nenhum país do mundo proíbe pesquisas com animais."
Para Morales, o episódio do Instituto Royal é preocupante. "Esses animais não são de companhia. Eles foram criados dentro de biotérios, ou seja, locais onde são conservados para serem posteriormente utilizados em experimentos científicos", afirma. Os bichos, segundo Morales, correm o risco de serem infectados pelo ambiente externo, pois podem não possuir as mesmas defesas dos animais domésticos.
A ação colocou em risco os próprios participantes, uma vez que as cobaias poderiam estar infectadas com vírus ou bactérias causadoras de doenças em humanos. O ato prejudicou também as pesquisas que estavam sendo realizadas. "Anos de estudo e milhões de reais investidos foram jogados fora, infelizmente", diz Morales.
Beagle – O beagle é considerado uma raça padrão para pesquisas científicas. O repertório de estudos com eles é grande. "Cientistas preferem trabalhar com raças cuja resposta já é conhecida", afirma Francisco Javier Hernandez Blazquez, vice-diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.
Outro motivo para a ampla utilização do beagle é o fato da raça ter uma genética estável, com pequena variação entre indivíduos. Essa característica permite que o pesquisador tenha mais certeza de que o resultado obtido na pesquisa decorreu da droga testada, e não de alguma alteração daquele animal específico em relação à sua raça.
Bem-estar – A regulamentação das pesquisas com animais foi feita no Brasil em 2008. Desde então, os laboratórios precisam submeter o projeto à regulamentação de um conselho de ética antes de dar início ao estudo. Especialistas avaliarão a necessidade do uso do animal, alternativas à sua utilização e formas de minimizar seu sofrimento. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse tipo de avaliação ética das pesquisas está aposentando os experimentos que se utilizam de chimpanzés.
"A legislação do mundo inteiro, inclusive do Brasil, impõe que os cientistas forneçam as melhores condições possíveis aos bichos", diz Gilson Volpato, especialista em bem-estar animal e professor do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu.
Para o pesquisador usar um animal em um experimento ou em uma aula prática, explica Volpato, é preciso que a cobaia permaneça em um laboratório limpo e agradável. Se o procedimento for machucar o bicho, é recomendável não fazê-lo. "Ninguém hoje quer causar sofrimento às cobaias, nem barrar avanço da ciência", diz Volpato.
Cosméticos – A pressão pelo fim do uso de animais em experiências científicas recai não apenas sobre a indústria farmêutica, mas também sobre a cosmética. Na União Europeia, os testes animais para a produção de cosméticos são proibidos desde 2009. Já no Brasil, Morales explica que a legislação não diferencia medicamentos de produtos de beleza. Porém, os cosméticos apresentam uma gama maior de métodos que tornam possível, em muitos casos, evitar o uso dos animais.
Algumas dessas alternativas incluem ovos de galinha embrionados ou um tipo de pele artificial, utilizados para estudos de irritabilidade. “Acredito que os medicamentos estão em primeiro plano, mas nós precisamos ter segurança em ambos os casos. Uma tinta de cabelo pode causar uma reação alérgica e leva à morte, assim como um medicamento”, afirma o médico.
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