sexta-feira 16 2013

'Queria falar da perda', diz Bruno Barreto de 'Flores Raras'

Cinema

Diretor se interessou pelo projeto de filmar a relação de amor entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) e a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) depois de se divorciar da mulher, a atriz Amy Irving

Mariane Morisawa, de Berlim
'Flores Raras', de Bruno Barreto, tem Glória Pires no elenco. O filme está na seção Panorama, a principal mostra paralela da Berlinale
'Flores Raras', de Bruno Barreto, tem Glória Pires no elenco. O filme está na seção Panorama, a principal mostra paralela da Berlinale (Divulgação)
"Queria emocionar de uma maneira não manipuladora. Foi o filme em que tive mais dificuldade de encontrar o tom, embora seja o meu 19º. Isso é que é interessante, a gente sempre está aprendendo"
Bruno Barreto não lançava um longa-metragem no cinema desde 2008, quando estreou Última Parada 174.Você Nunca Disse Eu te Amo, que se chamava Flores Raras antes do 63º Festival de Berlim e volta agora a usar o primeiro nome, conta a história de amor entre a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) e a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires). O filme foi bem recebido na sessão oficial na mostra Panorama, circuito não competitivo da Berlinale, o que deixou Barreto animado. O diretor estava empolgado quando falou ao site de VEJA, na última segunda-feira:
O que a exibição no Festival de Berlim representa para a carreira do filme? É a melhor coisa que poderia acontecer, porque o longa foi feito para o mundo. É legal o filme ficar pronto e você exibir em outro país. A sessão de gala foi muito legal. Nunca na minha carreira tive um momento tão... Eu não contei, mas, brincando, foram oito minutos de aplausos. Tive de falar "obrigado" umas quatro vezes para eles pararem. Aí, pude agradecer e pedir desculpas pelas logomarcas do início do filme (dos produtores e patrocinadores, que fizeram o público rir). Disse: "Desculpe, mas sem eles nós não estaríamos aqui". Foi uma complicação para conseguir patrocínio, porque a gente acha que o Brasil é liberal e não é. O Brasil é conservador.
Esse projeto começou anos atrás, quando a sua mãe, Lucy, comprou os direitos do livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmem Lúcia de Oliveira. Mas como você se interessou pela história? Minha mãe comprou os direitos em meados da década de 1990 e propôs o filme a mim e ao Hector Babenco. Mas nenhum dos dois se interessou na época, eu nem li o livro. Em 2004, minha ex-mulher (a atriz Amy Irving), fez Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo da Marta Góes, nos Estados Unidos. Comecei a achar interessante, fiquei ruminando aquela ideia. Não sabia ainda para que contar a história. Em 2008, depois de Última Parada 174 e de ter me divorciado da Amy – nada acontece por acaso –, vi que queria contar a história porque falava da perda. Não é uma biografia. Lota e Elizabeth são personagens dessa história de amor. Uma história em que a forte fica fraca porque não sabe lidar com a perda, e a fraca, perdedora, vai ficando forte porque lida melhor com isso. Grandes momentos de suas vidas ocorrem quando elas estão juntas. Elizabeth ganha o Pulitzer, desabrocha como escritora, porque teve estabilidade emocional e material. Não é por causa do Brasil. E a Lota tem a ideia do parque do Flamengo (talvez a sua maior obra).
 Você chegou a pensar em fazer com a Amy? Inicialmente, sim. Não depois que achei o ângulo da história, mas quando a gente ainda estava casado, e eu comecei a me interessar pelo projeto.

E como foi escolher o elenco? A Glória já estava selecionada para fazer. Eu podia mudar a atriz, mas acho que não tinha ninguém melhor que ela. Além de tudo, eu nunca havia trabalhado com a Glória. A única vez em que escrevi uma carta como fã foi para ela, quando fez A Partilha. Ela fez tão bem aquela cena em que aparecia bêbada... Ela ainda falava bem inglês e tal. E, depois que ela fez os dois Se Eu Fosse Você, eu falava brincando que o laboratório para a o filme estava feito.

Como foi a procura pela atriz que faria a Elizabeth Bishop? Por questões de mercado, em princípio era uma coprodução internacional, quiseram que buscássemos nomes maiores. E apareceram duas ou três atrizes desse porte interessadas em fazer o filme, mas aí aconteceu um problema de agenda. O dinheiro saiu em fevereiro de 2012 e eu tinha de rodar tudo até o começo de agosto, quando a Glória ia começar a fazer a novela Guerra dos Sexos. Com os dois meses de preparação necessários, só restava filmar em maio e junho ou junho e julho. Para a atriz que faria a Elizabeth, o fato de ser uma personagem gay não era a dificuldade. O complicado era vir ao Brasil com armas e bagagens. O homem viaja e não precisa levar a família toda, a mulher quando viaja precisa levar todo mundo. Então, esse era o problema. E eu não podia achar outra Lota. Assim acabei ficando com a Miranda para o papel da Bishop.

Como foi encontrar o tom delicado do filme? Foi o aspecto mais difícil. Eu não queria cair na chamada rede de segurança do minimalismo – quando, na dúvida, menos é mais. E, claro, não podia chegar no excesso. Queria contar essa história com toda a sua complexidade, todas as suas nuances. Ao mesmo tempo, queria contar com emoção, não queria fazer um filme intelectual. Foi difícil. Na coisa sexual, eu disse que não queria ser sensacionalista, queria tratar da relação com a maior espontaneidade, mas também não queria ser pudico, como se estivesse evitando o assunto. Era uma relação homossexual, e isso tem um peso na história e na época.

É difícil fazer cenas de poesia, porque podem ficar chatas e cafonas. Como foi o trabalho com a Miranda? Tive uma preocupação grande com essas cenas. Mas teve um elemento da realidade que ajudou muito: a Bishop gostava de ouvir o poema ao escrever. Ela lia alto. Então, isso facilitou. Mas procurei manter ao mínimo, porque o filme não é sobre isso, não é sobre o processo criativo dela. A minha maior preocupação era a emoção, porque se não emocionasse não funcionaria. E queria emocionar de uma maneira não manipuladora. Foi o filme em que tive mais dificuldade de encontrar o tom, embora seja o meu 19º. Isso que é interessante, a gente sempre está aprendendo.

Alguns brasileiros disseram que a Glória foi corajosa. Em 2013, é preciso ter coragem para fazer cenas de beijo com outra mulher? Precisa. E ela é corajosa. Fizemos uma projeção-teste em novembro, até para ajudar a encontrar esse tom. E os espectadores ficaram chocados. No primeiro beijo, teve um: “Opa!”. Isso vai ser um elemento que vai atrair gente e que vai também espantar.

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