Rio de Janeiro
Prefeito do Rio estava à sombra de Sérgio Cabral como principal alvo das manifestações. Com maioria das cadeiras, base governista, comandada pelo PMDB, controla CPI dos Ônibus, proposta pelo PSOL
Pâmela Oliveira e Cecília Ritto
A invasão da Câmara Municipal do Rio na manhã de sexta-feira põe o prefeito Eduardo Paes novamente no alvo dos manifestantes. Menos atacado do que seu padrinho político, Sérgio Cabral, Paes vinha se mantendo em uma área bem mais confortável, principalmente em função de uma estratégia de comunicação distinta: enquanto o governador se fechou e ampliou a revolta, Paes deu entrevistas – uma delas para o grupo chamado Mídia Ninja – e distanciou-se de Cabral. A tática peemedebista de usar o rolo compressor para neutralizar uma iniciativa da oposição – a CPI dos Ônibus – põe os dois, agora, no mesmo balaio.
A CPI de agora passou a existir por causa das manifestações. Os protestos surgiram como um movimento pelo passe livre, concentrado principalmente em São Paulo, em Porto Alegre e no Rio. Foi Paes quem capitaneou, a partir do Rio, um recuo estratégico para tentar acalmar os ânimos: o prefeito peemedebista, com aval da presidente Dilma Rousseff, articulou com Fernando Haddad, de São Paulo, a suspensão dos aumentos de passagens. Os vereadores do Rio, mesmo os governistas, entenderam que ficar fora da lista que pedia a abertura da CPI dos Ônibus era um mau negócio, e aos poucos se juntaram, pelo menos formalmente, aos que querem uma apuração sobre os contratos firmados entre o município e as empresas de ônibus.
Com os protestos inflamados, o prefeito Eduardo Paes orientou sua base na Câmara a escolher, individualmente, o que preferiam em relação à CPI. Temendo o desgaste com a opinião pública, os vereadores governistas mudaram de posição. E a lista de Eliomar Coelho, que tinha apenas doze nomes, em três horas somou outros quinze – chegou a formar uma fila na porta do gabinete do vereador do PSOL.
Encerrado o recesso, a Câmara deveria escolher o nome do presidente da CPI na próxima terça-feira, 13. Na plenária da última quarta-feira, no entanto, os vereadores disseram que antecipariam a data sob o pretexto de que era necessário dar uma resposta mais rápida às ruas. O PSOL quis usar o clamor popular para fazer frente à maioria governista na Casa. Eliomar Coelho chamou os manifestantes para acompanhar a escolha do presidente, marcada para 9 horas. Às 8h30, formou-se uma fila de cerca de 200 pessoas no portão da Câmara.
Teve início, então, o que os vereadores que conhecem a composição da Casa já anteviam: líder do maior bloco da casa – chamado Por um Rio Melhor, de 24 vereadores de sete partidos da coligação de Eduardo Paes –, Professor Uóston (PMDB), escolheu a si próprio e outros três governistas para integrar a mesa, além do proponente da CPI, Eliomar Coelho.
Quando foram anunciados os nomes de Uóston como relator, de Chiquinho Brazão (PMDB) como presidente, começou a revolta. A fila que era organizada transformou-se em uma coluna de manifestantes, que invadiu o plenário e entrou pelos corredores do segundo e do sétimo andares, encurralando um grupo de vereadores governistas.
Estratégia – Paes manteve, na sexta-feira, uma distância segura do Legislativo – apesar de ter maioria folgada e de ser também um dos beneficiados por um naufrágio da CPI. Evitando falar publicamente, tratou o problema na Câmara como algo “de um outro poder”, no qual não tem que se envolver. O prefeito está, no entanto, invariavelmente envolvido.
No Rio, no momento, há duas CPIs incômodas para os governos municipal e estadual. As duas sob o controle do PMDB: a dos ônibus diz respeito à prefeitura; e a da Serra, referente a desvios de recursos federais para a reconstrução de escolas destruídas pela chuva de 2011, ao governo do Estado. Sérgio Cabral já conseguiu praticamente eliminar as chances de instalação da comissão no âmbito da Assembleia Legislativa (Alerj). Pouco antes do recesso parlamentar de julho, Cabral conseguiu esvaziar a possibilidade de instalar a CPI, que chegou a ter 29 assinaturas. Agora, no retorno aos trabalhos, havia menos de 15, com a debandada de deputados convencidos no boca a boca.
O tumulto na Câmara, com o PMDB no papel de vilão, ocorreu um dia antes do início da exibição da propaganda do partido na TV, ação mais incisiva da estratégia de reconstrução da imagem de Sérgio Cabral. Os manifestantes – que não estão nem aí para o regimento ou para a liturgia do legislativo – revoltaram-se com o fato de que parlamentares assumidamente contra a iniciativa de investigar os contratos das empresas de ônibus tenham ficado com total controle sobre a CPI, algo do jogo político. A prática, uma tradição na história do PMDB Brasil afora, foi apontada no livro ‘Choque de Democracia – Razões da Revolta’ (Companhia das Letras, 62 páginas), escrito pelo professor de Filosofia Marcos Nobre, da Unicamp, como uma das principais razões do levante. A tese de Nobre é de que a partir da formação de um bloco majoritário capaz de aprovar e derrubar qualquer projeto que seja o legislativo perdeu progressivamente a capacidade de ouvir a voz das ruas, pouco importando se estão honrando quem os elegeu.
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