RIO DE JANEIRO – “A cidade toda parou. As nossas madames Bovary, as nossas Anas Kareninas suspenderam seus amores e seus pecados das 3 às 6. Os bandidos do Leblon não assaltaram senhoras nem crianças. Ontem, ninguém era credor. Ninguém era devedor”.
Era assim que Nelson Rodrigues descrevia um dia de jogo da seleção brasileira. Ele era categórico: quando a seleção jogava, ocorria uma “suspensão temporal da vida e da morte”.
Meia década depois, nossa paixão é a mesma pelo futebol. Mas nossas reações são, no mínimo, mais sofisticadas e parece que só a Fifa não entendeu.
Nesta semana, parte da população brasileira foi às ruas. Mas não para comemorar gol ou achar uma televisão para assistir a um jogo.
Instalada em seu palácio no Rio de Janeiro, o Copacabana Palace, a corte de dom José Blatter não poderia estar mais perplexa e, claro, alienada. Em meio à música ambiente, jantares de luxo, quartos de príncipes e até avião privado para leva-los pelo País, a “nobreza” da Fifa simplesmente não sabe o que dizer diante da realidade das ruas.
Primeiro, Blatter declarou com toda sua convicção de que “o futebol era mais forte que a insatisfação do povo” e que, no momento que a seleção começasse a vencer, essas pessoas que estavam nas ruas passariam a se divertir.
Depois, foi Jerome Valcke, número 2 da Fifa, mostrar que é quase um sociólogo da sociedade brasileira contemporânea. Segundo ele, bastava a seleção ganhar a Copa de 2014 que “tudo seria esquecido”.
Ontem, a Fifa mudou de discurso. Agora, diz que o assunto é das autoridades e que, no fundo, a organização é apenas uma “convidada” no Brasil. Há poucos meses, a Fifa insistia em alertar que a Copa “não era do Brasil”, mas sim “no Brasil”. O evento era da própria entidade, apenas sediada em cidades brasileiras.
Seja qual for o discurso usado pela Fifa, a constatação é que ela não entendeu onde a Copa está sendo realizada e muito menos que, numa sociedade democrática e caminhando para a maturidade, não é a bola que vai atender aos anseios da população.
Parece também não haver um entendimento de que populações com sérias limitações ainda em diversos setores não tem porque abaixar a cabeça e a aceitar uma constatação ainda mais chocante: a de que vamos sediar a Copa do Mundo mais cara da história.
Em abril, o governo estimava que a Copa teria um custo total de R$25,5 bilhões. Ontem, o secretário-executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes, anunciou que, na revisão que o governo fará em julho, o valor subirá para R$ 28 bilhões, um aumento de mais de 10%. Se comparado com previsões de 2011, o valor já é R$ 6 bilhões acima, uma inflação de 27%.
Originalmente, os estádios custariam R$ 5,5 bilhões. Agora, a previsão é de mais de R$ 7,1 bilhões. Só o custo do estádio de Brasília já o coloca entre os dez mais caros da história no mundo.
Em comparação a outros Mundiais, o projeto no Brasil também é o mais elevado. Em 2006, a Alemanha gastou na época 3,7 bilhões de euros para sediar o que muitos apontam como a melhor Copa, cerca de R$ 10,7 bilhões.
Em 2002, no Japão e Coreia, o gasto de ambos países juntos chegou a US$ 4,7 bilhões, cerca de R$ 10,1 bilhões. Na África do Sul, em 2010, o custo foi de US$ 3,5 bilhões, perto de R$ 7,3 bilhões.
Lucros – Enquanto os custos no Brasil aumentam, a Fifa também vê explodir seus lucros com a Copa. Em 2011, na primeira avaliação realizada, a Fifa estimava que gastaria US$ 3,2 bilhões para organizar o Mundial e que teria uma receita de US$ 3,6 bilhões.
Agora, os números reais já superam qualquer expectativa. Jerome Valcke, secretário-geral da entidade, admitiu nesta semana que a renda irá superar a marca de US$ 4 bilhões, dobrando o lucro da Fifa com o evento. O governo ainda vai dar isenções de impostos no valor de R$ 1 bilhão.
O lucro no Brasil é mais de duas vezes superior ao que a Fifa obteve com a Copa de 2006 na Alemanha e três vezes o valor da África do Sul.
Enfim, pelo menos vamos sair dessa Copa com uma certeza: o Mundial é nosso… pelo menos a conta que terá de ser paga…
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