Segundo previsão, interação pessoal pela rede de computadores geraria comunidades interativas online.
Morten Bay
Em alguns anos, os homens serão capazes de se comunicar com mais eficiência através de uma máquina do que cara a cara. Parece óbvio hoje em dia. Mas e em 1968, um ano antes da ARPANET fazer a primeira conexão? Era clarividência.
Às vezes uma visão do futuro pode ser tão precisa que é difícil para nós que vivemos no futuro entender o que tinha de tão visionário naquilo. Poucas pessoas olhavam para essas máquinas monstruosas naquele tempo e achavam que elas seriam ótimas facilitadoras de encontro um dia. A ARPANET foi criada para compartilhar recursos entre acadêmicos e outras pessoas sérias. Nos seus primórdios, essas redes não eram vistas como uma ferramenta para coisas como pedir pizza ou compartilhar GIFs de gatos com pessoas do mundo inteiro.
Conectando pessoas
O elemento humano – a ideia de pessoas médias interagindo com computadores, mas mais importante ainda, com outras pessoas – não era uma das preocupações das pessoas que lançaram as bases da internet que conhecemos. E é isso que faz esse artigo de 1968 que previu a extensão do elemento humano tão especial.
O artigo foi escrito por J.C.R Licklider e Robert Taylor, ilustrado por Rowland B. Wilson, e apareceu na edição de abril de 1968 da Science and Technology. O artigo inclui algumas das previsões mais incríveis e precisas de como os computadores em rede funcionariam. Incrivelmente precisas e com um toque retro-futurista que mantém firmemente como um produto do seu tempo.
Pegue a caneta óptica. A primeira imagem mostra uma caneta óptica dos anos 60 e imagina como um romance aumentado pelo computador poderia acontecer. O computador, como vemos, melhora o desenho do rapaz de uma forma que torna o pedido dele menos repugnante. A stylus auto-corretiva talvez ainda não existe, mas o OkCupid e outros cupidos digitais fazem parte da vida digital.
O artigo corajosamente prevê que as redes computadorizadas do futuro serão ainda mais importantes para a comunicação do que a “imprensa e o tubo de imagem” – uma ideia que não era dada como certa em 1968.
Comunicação interativa e criativa requer um meio plástico moldável ou que pode ser modelado, um meio dinâmico, no qual instalações vão fluir em consequência, e acima de tudo um meio comum que pode ser contribuído por e experimentado com todos.
Um meio assim existe – o computador digital programado. Sua presença pode mudar a natureza e valor da comunicação ainda mais profundamente do que o cinescópio e a imprensa, pois, como veremos, um computador bem programado pode fornecer acesso direto tanto aos recursos informacionais quando ao processo para fazer uso dos recursos.
O artigo prevê que a interação pessoal que a rede de computadores permite não apenas vai construir a relação entre indivíduos, como vai desenvolver comunidades.
Como as comunidades interativas online serão? Em muitos campos elas vão consistir em membros geograficamente separados, algumas vezes agrupadas em pequenos aglomerados e às vezes trabalhando individualmente. Elas vão ser comunidades não de localização em comum, mas de interesses em comum. Em cada campo, a comunidade em geral de interesse vai ser grande o suficiente para suportar um sistema compreensivo de programas e dados de campo orientados.
Google Now lá atrás
O artigo ainda aponta para uma verdadeira Internet das Coisas (que aparentemente justificaria o alto custo dos gadgets, ou “instrumentos de coleta de dados”).
Em cada setor geográfico, o número total de usuários – somado a todos os campos de interesses – será grande o suficiente para suportar o uso geral do processamento de informações e instalações de armazenamento. Tudo isso será interconectado por canais de telecomunicações. O todo vai constituir uma rede instável de redes – sempre em transformação tanto em conteúdo quanto em configuração.
O que estará lá dentro? Cada transação informacional de consequência suficiente para justificar o custo. A máquina de escrever da secretária, cada instrumento de coleta de dados, cada microfone de ditado, tudo será integrado à rede.
A ideia de tecnologia como um amortecedor certamente é atraente. E em teoria, coisas como e-mail podem nos servir como amortecedores. Quando se trata deles, você só precisa checar seu e-mail quando quiser checar, e ninguém está forçando você a responder. Esse tipo de coisa, obviamente, é mais difícil de fazer quando um vendedor de seguros fisicamente bate na sua porta.
Licklider e Taylor chamaram a ferramenta de amortecimento futurista de OLIVER, um tipo de assistente pessoal automatizado usado por todo mundo. OLIVER atua com inteligência, aprendendo o que deve ser priorizado para o seu usuário.
Uma parte muito importante da interação de cada homem com a sua comunidade online será mediada por seu OLIVER. A sigla OLIVER homenageia Oliver Selfridge, idealizador do conceito. Um OLIVER é, ou será quando existir, um “despachador e respondedor interativo indireto online”, um complexo de programas e dados de computadores que estarão dentro a rede e agirão para o bem de seu diretor, tomando conta de muitas questões pequenas que não exigem a sua atenção pessoal e retendo-o do mundo exigente. “Você está descrevendo um secretário”, você diz. Mas não! Secretários também terão OLIVERs.
Ao seu comando, seu OLIVER tomará notas (ou parará de tomar notas) no que você faz, o que você lê, o que você compra e onde você compra. Ele saberá quem são seus amigos e quem são apenas conhecidos. Saberá a sua estrutura de valor, quem você prestigia, com quem você estará e com qual prioridade, e quem pode ter acesso aos seus arquivos pessoais. Ele vai saber suas regras de organização referentes a informações exclusivas e as regras do governo relacionadas com a classificação de segurança.
Algumas partes do seu OLIVER serão parecidas com as de outras pessoas, outras serão personalizadas para você, ou por você, ou se desenvolverão ao “aprender” com suas experiências.
Em uma época de telegramas e telefonemas, os autores imaginaram as redes de computadores como substitutos incríveis para ineficiências. Mesmo viagens de trabalho, eles insistiram, seriam coisas do passado.
Você não enviará uma carta ou telegrama: vai simplesmente identificar as pessoas cujos arquivos devem ser vinculados aos seus e as partes que eles devem ser vinculados – e talvez um quociente de eficiência exclusiva. Você raramente fará uma ligação; vai pedir para a rede ligar seus consoles.
Você raramente fará uma viagem de trabalho, já que ligar consoles será muito mais eficiente. Quando você visitar outra pessoa com o objeto de comunicação intelectual, você e ele vão se sentar em um console de dois lugares e interagir quase como se estivessem frente a frente. Se a nossa extrapolação da reunião de Doug Engelbart se provar correta, você vai gastar muito mais tempo em conferências facilitadas por computadores e muito menos tempo na estrada para reuniões.
Se o OLIVER e outras eficiências online do artigo parecem tão familiares, é porque eles são o objetivo final do Google Now e Siri: tecnologia que conhece você tão bem, que pensa – e às vezes vive – por você.
Uma utopia digital
No final, Licklider e Taylor preveem que toda essa interconexão vai nos fazer feliz e até que o desemprego será coisa do passado. A visão deles de todo mundo sentando em um console, trabalhando “através da rede” é incrivelmente precisa para uma sociedade baseada na informação que há 50 anos atrás parecia muito menos obcecada por tecnologia.
Quando as pessoas fizerem seu trabalho “no console” e “através da rede”, a telecomunicação será uma extensão natural do trabalho individual como a comunicação frente-a-frente é hoje. O impacto deste fato, e a facilitação do processo de comunicação, será ótimo – tanto individualmente quanto em sociedade.
Primeiro, a vida será mais feliz para o indivíduo online porque as pessoas com quem ele interage são mais selecionadas por interesses em comuns e objetivos do que por acidentalmente por proximidade. Em segundo lugar, a comunicação será mais eficiente e produtiva, e mais agradável. Em terceiro, muito da comunicação e interação serão feitas com programas e modelos programados, que serão (a) altamente responsivos,(b) suplementares à capacidade de cada um, em vez de competitivas, e (c) capazes de representar progressivamente ideias mais complexas sem necessariamente mostrar todos os níveis de estrutura ao mesmo tempo – o que ao mesmo tempo será desafiante e recompensador. E, em quarto, existirão muitas oportunidades para todos (que puderem comprar um console) encontrarem sua vocação, para todo o mundo de informação, com todos os campos e disciplinas, estarão abertos para ele – com programas prontos para guiá-lo e ajudá-lo a explorar.
A principal questão, eles insistem, é se todo mundo poderá pagar para estar online. Assim que esse obstáculo for vencido, o impacto deste admirável novo mundo na sociedade será somente positivo:
Para a sociedade, o impacto será bom ou ruim, dependendo da questão principal: “Estar online” será um privilégio ou direito? Se apenas um segmento favorecido da população tiver chance de aproveitar as vantagens da “amplificação da inteligência”, a rede poderá exagerar a descontinuidade no espectro de oportunidade intelectual.
Por outro lado, se a ideia de rede provar fazer pela educação o que alguns imaginam que poderá, talvez não em planos concretos detalhados, e se todas as mentes provarem serem ágeis, sem dúvida, o benefício para a humanidade seria espetacular.
O artigo é uma fascinante explicação de tecnologia de redes de computadores escrito meses antes da internet dar os seus primeiros passos. Novamente, muitas das previsões não parecem incrivelmente futuristas quando lemos elas no século XXI. Mas é exatamente isso que faz ser tão impressionante.
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