sábado 13 2013

Você é livre para escolher. Mesmo?



Governos vêm usando uma mistura de neurociência, psicologia e marketing para influenciar o cidadão sem que ele perceba, em áreas como saúde e transporte. Daí nascem políticas eficientes – e protestos de todos os lados

A despeito da fama da pontualidade britânica, na hora de declarar o Imposto de Renda, há ingleses, como brasileiros, que deixam a tarefa para depois. Parte deles já declarou em janeiro, parte tem até outubro. Nos dois grupos sempre há gente atrasada. Desde 2011, o contribuinte britânico mais distraído recebe, do governo, um empurrãozinho sutil. Uma carta informa quando o cidadão passa a fazer parte da minoria que ainda não pagou o Imposto. Não há ameaça de multa nem de qualquer outra punição. Apenas o lembrete. Com essa única ação adotada pelo governo, a parcela de declarações atrasadas caiu 15%. Isso representa uma antecipação de receita de centenas de milhões de libras para a Receita e Alfândegas de Sua Majestade, o equivalente britânico da Receita Federal. Trata-se de mais uma vitória para a “equipe do empurrãozinho”, ou, na sonoridade bem mais impactante do idioma original, Nudge Unit. Esse departamento do governo britânico vem propondo algumas das políticas públicas mais elegantes e inteligentes do mundo. São também as propostas mais polêmicas, em se tratando de governos democráticos tentando influenciar seus cidadãos. A novidade deveria estar no radar de todo administrador público pensante – inclusive no Brasil.

A Nudge Unit começou a funcionar em 2010, meses depois que o atual primeiro-ministro, David Cameron, assumiu o cargo. A proposta era adaptar políticas públicas em diversas áreas, para que elas induzissem o cidadão a fazer o melhor para ele mesmo e para a coletividade – pagar impostos em dia, usar transporte público em vez de carro, economizar energia, fumar menos, alimentar-se melhor, poupar para a velhice. Algumas opções parecem obviamente melhores que outras. Não fumar é melhor que fumar, tanto para a saúde do indivíduo como para o sistema público de saúde. Mas todas essas questões testam os limites entre liberdade individual, bem individual e bem coletivo. Por isso, a estratégia do governo britânico vem sendo objeto tanto de admiração como de críticas, tanto dos defensores da primazia da liberdade individual como dos que advogam pelo bem coletivo. Antes de enfrentar as críticas teóricas, a estratégia teve de passar pelo duro teste das ruas e das planilhas de gastos.

A equipe recém-criada no Reino Unido não poderia usar nenhuma das ferramentas tradicionais dos governos, como fiscalização, multas, punições, criação de novas leis ou contratação de mais funcionários públicos. Deveria se aproveitar somente de conhecimentos de psicologia, neurociência e marketing (como a carta enviada aos contribuintes). Os cidadãos deveriam ser induzidos, nunca obrigados, a fazer certas escolhas, graças a tendências gerais dos seres humanos, como seguir a manada, aderir a normas sociais, adotar a opção mais fácil e evitar caminhos trabalhosos. O grupo tinha inicialmente sete funcionários. Eles receberam um ano e meio para provar que poderiam ganhar ou economizar para os cofres públicos ao menos 5,2 milhões de libras por ano.
Em 2012, Cameron considerou-se convencido. A Nudge Unit virou um departamento do governo britânico. Seu nome oficial é Equipe de Sacadas Comportamentais, ou, no original (a língua inglesa realmente trata melhor essa nomenclatura exótica), Behavioural Insights Team. “Na formulação de políticas públicas, podem-se usar informação, legislação, coerção branda, várias ferramentas. Conseguimos bons resultados apenas tornando as coisas mais fáceis para o cidadão ou lembrando o que é preciso fazer”, diz o diretor do departamento, David Halpern, doutor em filosofia pela Universidade de Cambridge e assessor de Cameron desde 2001. “Podemos conseguir melhoras de resultados de 5%, 10%, 15%, sem aumentar os custos do governo. No caso dos impostos, apenas mudamos uma linha na correspondência aos contribuintes.”

No momento, Halpern e seus colegas estudam como estimular empresas grandes, com dinheiro em caixa e sem vontade de gastar, a emprestar para pequenas empresas sedentas de capital. A equipe já conseguiu que os britânicos se tornassem mais pontuais no pagamento de multas, apenas enviando mensagens de texto com lembretes para os celulares dos devedores. Há também fracassos. No Estado americano da Califórnia, o governo local tentou induzir as famílias a economizar energia, mostrando que elas gastavam mais que os vizinhos. O efeito foi contrário. Os cidadãos que não se identificam com a causa ambientalista passaram a gastar mais ainda (leia no quadro abaixo exemplos de políticas nudge em ação). Funcionem ou não as táticas aplicadas, os desafios, por vezes, parecem complexos demais para um departamento que usa como ferramenta o ralo conhecimento atual sobre o funcionamento da mente humana.

"Conseguimos bons resultados apenas facilitando

as coisas para o cidadão ou lembrando o que é
preciso fazer" David Halpern, filósofo e diretor do

departamento de “sacadas” do governo britânico

O departamento britânico, hoje com 13 pessoas, inclui psicólogos, cientistas sociais e economistas. Lembra o fictício Serviço Secreto da Polícia, criado pelo escritor britânico G.K. Chesterton, na obra O homem que era quinta-feira. Na distopia de Chesterton, poetas e filósofos compunham essa força policial, criada para combater, no terreno das ideias, os anarquistas e os pessimistas da aurora do século XX.

Halpern traz, para embasar suas propostas, influências intelectuais tão diversas quanto Robert Cialdini, guru de negociação e professor de marketing na Universidade do Arizona, e Daniel Kahneman, psicólogo e ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2002. Uma influência direta vem atualmente do economista americano Richard Thaler, coautor do livro Nudge: o empurrão para a escolha certa (Editora Campus/Elsevier). Thaler expôs na obra os princípios nudge de maneira elegante e, hoje, é consultor do governo britânico. O coautor do livro, o jurista Cass Sunstein, foi por um período consultor do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Thaler e Sunstein definiram esse princípio inovador como “paternalismo libertário” – paternalista, por tornar evidentemente fácil a opção mais benéfica. Libertário, por garantir ao indivíduo a liberdade de seguir todas as outras opções. A tese foi aclamada, mas também atraiu antipatias tanto dos paternalistas como dos libertários.

Pelo lado dos paternalistas, uma das críticas mais ferozes e bem preparadas vem da americana Sarah Conly, especialista em ética e doutora em filosofia pela Universidade Cornell. Ela acredita que várias situações justificam que o governo atue com mão pesada, por meio de obrigações ou proibições. A epidemia de obesidade e o difundido vício em tabaco são, para ela, duas dessas situações. “O governo dispõe do tempo e dos recursos necessários para descobrir o que não devemos fazer”, diz Sarah. “Defendo tornar os cigarros ilegais e limitar o tamanho das porções em redes de lanchonetes, a fim de combater a obesidade.” Sarah lançou, em 2012, o livro Against autonomy: justifying coercive paternalism (Contra a autonomia: justificando o paternalismo coercivo, ainda sem versão em português). Sarah elogia a proibição, no Brasil, de cigarros com sabor mentolado, baixada recentemente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela propõe que os governos se disponham a fazer mais restrições e a enfrentar o inevitável surgimento de mercados paralelos, como o de drogas ilícitas. “O surgimento de um mercado paralelo de qualquer produto não pode ser parâmetro para conduzir política pública”, diz Agenor Álvares, diretor da Anvisa. “Nosso dever é dar a orientação para uma vida mais saudável.” Halpern rebate opiniões como a de Sarah. Ele acredita que os governos devem enfrentar um problema da forma mais libertária possível, a fim de preservar as opções para o cidadão. Caso o problema seja grave e persista, podem ser consideradas políticas progressivamente mais coercivas.

Pelo lado dos libertários, o maior temor é de um governo insidioso. A difusão da filosofia nudge poderia levar os governantes a esconder suas intenções atrás de movimentos sutis e táticas de marketing, em vez de informar claramente suas intenções e tentar convencer o cidadão. Por essa lógica, ao definir a melhor opção para o indivíduo e colocá-la em evidência, o governo já avançaria sobre as liberdades fundamentais. O comentarista político americano Glenn Beck classificou Sunstein, um dos autores do livro Nudge e ex-assessor de Obama, como “o homem mais perigoso da América”. Halpern e outros defensores do princípio nudge têm uma resposta: para eles, não existe cardápio de opções neutro. Sempre que um indivíduo se vir diante de um cardápio, haverá forças empurrando-o para uma escolha ou outra. Pode ser a do topo da lista, pode ser a mais fácil ou a mais barata. Então, por que não destacar logo a mais benéfica? 

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