Toda vez que sai uma notícia sobre um novo tratamento para esclerose lateral amiotrófica (ELA), a doença que afeta o famoso cientista britânico Stephen Hawkins, há um alvoroço entre os pacientes e seus familiares. Qualquer informação acende uma nova esperança. E não é à toa. Quem convive com a ELA sabe da importância dessas pesquisas. Inúmeros cientistas ao redor do mundo trabalham com esse objetivo: achar um tratamento para essa doença tão cruel. Mas sempre há os aproveitadores ou aqueles que querem fazer sensacionalismo. Como separar o joio do trigo? Foi com esse objetivo que resolvemos promover um encontro – apoiado pelo Instituto Paulo Gontijo - entre dois importantes pesquisadores internacionais de ELA e os pacientes.
Essa interação foi programada após a exposição científica que coordenei durante a reunião da ISSCR – International Society of Stem sell Research -em São Paulo. Os dois cientistas convidados , Dr. Kevin Eggan, da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e o Dr. Dimitrius Karussis, de Jerusalém, (Hadassah Medical Organization), em Israel, aceitaram conversar com os pacientes após as suas exposições científicas. Nada melhor do que ouvir diretamente da fonte. E cá entre nós essa linguagem técnica pode ser bem “chata” para quem não é da área.
Quem são os cientistas e o que estão pesquisando?
O Dr. Eggan, um jovem pesquisador brilhante trabalha em pesquisas básicas. Ele está reprogramando células- tronco retiradas da pele (fibroblastos) de pacientes com ELA de modo a obter, em laboratório, neurônios dessas pessoas. É uma linha de pesquisas que também estamos realizando no Centro do genoma, iniciada por Miguel Mitne-Neto, que felizmente continua sendo um dos nossos grandes colaboradores. Apresentei esses nossos resultados durante o Congresso. Na prática, as células passam a ser nossos pacientes o que nos permite fazer inúmeros experimentos para descobrir o que há de errado, o que está matando os neurônios motores e como corrigir o defeito. Uma questão que ainda intriga a todos é como explicar que mutações em diferentes genes (já foram descobertos 16 genes que causam ELA) podem ter o mesmo efeito: causar a morte dos neurônios motores. Mas o que mais nos interessa é tentar descobrir porque pessoas com a mesma mutação podem ter quadros clínicos muito diferentes. O que protege algumas pessoas dos defeitos deletérios da mutação? Quais são os genes protetores? O que fazem? Se descobrirmos poderemos abrir caminhos muito importantes na busca de novos tratamentos.
Quais são as pesquisas do Dr. Karussis?
O Dr. Karussis, médico neurologista, é grego, mas vive em Israel há mais de 20 anos. Há 6 meses ele iniciou os primeiros experimentos clínicos com pacientes. Segundo ele, foram dois anos para ter o protocolo aprovado pelas agências reguladoras de Israel, mas hoje essa pesquisa também tem o aval da FDA (agência reguladora dos EUA) em colaboração com cientistas americanos. Aprovar novos experimentos clínicos é um processo difícil e demorado em todos os países que se preocupam em minimizar todos os possíveis riscos de cada experiência clínica. Embora muitos se ofereçam para isso, repito: paciente não é cobaia.
Nessa primeira fase, o que se testa é a segurança do procedimento em um grupo pequeno de pacientes, antes de se iniciar a fase II ou III em um grupo maior com grupos controles pareados. O Dr. Karussis está injetando células-tronco retiradas do próprio paciente (medula óssea que é o tutano do osso) – que chamamos de transplante autólogo. As células são retiradas e cultivadas com fatores especiais que, segundo o Dr. Karussis, aumentam o seu potencial neurotrófico, visando a proteção dos neurônios motores. A vantagem de se usar as células do próprio paciente é assegurar-se que não haverá rejeição. A desvantagem é que em alguns casos são pacientes já idosos. Será que suas células poderão trazer os mesmos benefícios que células jovens? Esta é uma das minhas questões.
Como está sendo feita a pesquisa e o que está sendo obervado?
Por enquanto são 12 pacientes que estão sendo seguidos há 6 meses. Esses pacientes foram divididos em dois grupos: no primeiro grupo, as injeções são intratecais (são injetadas na região lombar, no líquido espinhal); no segundo grupo são injeções musculares, em um braço e uma perna. Os resultados preliminares ainda não permitem nenhuma conclusão. Aparentemente o braço e a perna injetados parecem ter mais músculo que o membro colateral que não foi injetado, mas isso ainda precisa ser confirmado. Alguns pacientes mostraram melhora e depois estabilizaram. Em outros não houve efeito, diz o Prof. Karussis. Em resumo nessa fase, o objetivo é realmente testar a segurança. Ela ainda não permite avaliar o efeito clínico.
A história do rabino
Um dos pacientes submetidos ao tratamento é um rabino de 75 anos. Aparentemente, esse senhor que falava com muita dificuldade e não conseguia andar, começou a andar e a falar com mais facilidade após as injeções com células-tronco. A notícia se espalhou como fogo. Todos queriam ir para Israel e submeter-se ao tratamento do Prof. Karussis. O que há de verdade nisso, perguntamos ao pesquisador. É verdade, esse senhor tem um diagnóstico de miastenia e sinais de ELA, respondeu. Ele teria duas doenças. Portanto, ninguém sabe se as células-tronco tiveram efeito nos sintomas da miastenia e não da ELA, diz o cientista. Recentemente ele apresentou uma piora e provavelmente receberá uma nova dose de células-tronco, complementou.
Qual é o próximo passo?
As grandes perguntas agora são: que dose injetar? Qual é o melhor local para injetar? As injeções devem ser únicas ou repetidas? Esperamos que essa primeira fase, realizada em Israel, ajude a responder essas questões. Com isso poderemos pular etapas e acelerar o processo quando iniciarmos o protocolo no Brasil. A boa noticia é que os dois pesquisadores querem colaborar conosco. Nesse sentido, o encontro dos cientistas com os pacientes certamente teve um papel muito positivo e sensibilizou esses pesquisadores. Só posso agradecer a Silvia Tortorella do IPG por ter promovido e apoiado essa reunião. Segundo ela, “a informação e conhecimento sobre a doença são de importância suprema, para que se possa incentivar mais pesquisas no Brasil, mais tratamento e mais qualidade de vida para esses pacientes”. Entretanto, é fundamental que os ensaios terapêuticos sejam feitos com todo o rigor científico . Como lembrou muito bem o Dr. Miguel Mitne-Neto, que também participou do encontro, entendemos que para cada paciente o tempo é crucial. Entretanto, não podemos esquecer que os resultados dessas pesquisas, se bem conduzidas, poderão beneficiar milhares de pacientes hoje e amanhã.
http://veja.abril.com.br/blog/genetica/
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