domingo 22 2012

"Já escrevi muita porcaria", diz Luis Fernando Verissimo


O escritor se apresenta em São Paulo com seu grupo de jazz nesta semana. Foto:  Divulgação
O escritor se apresenta em São Paulo com seu grupo de jazz nesta semana
Foto: Divulgação

Ele não gosta de falar em público, mas admite que gosta de dar palpite sobre tudo. Aos 75 anos, Luis Fernando Verissimo é o segundo autor brasileiro que mais vende livros no Brasil, perdendo apenas para Paulo Coelho - que ele garante que nunca leu -, assina colunas em três dos principais jornais do País (
O Estado de S. Paulo, O Globo e Zero Hora) e é o escritor com mais textos falsos atribuídos a ele na internet. Um sucesso, muitos diriam. Mas ele é modesto. "Tem muitas crônicas minhas que eu leio hoje e acho uma porcaria. Na época em que eu tinha uma coluna diária, inventava qualquer assunto e saíam coisas muito mal pensadas", admitiu em entrevista por telefone ao Terra.MARINA AZAREDO
Tímido confesso, LFV tem voz mansa, jeito calmo e não se alonga muito sobre nenhum assunto. Mas também não foge de nenhuma pergunta. Vai continuar votando no PT? Acho que sim. O encontro de Lula e Maluf foi um erro? Nunca deveria ter acontecido. O mundo está politicamente correto demais? O bom gosto certamente é uma forma de limitar o humor. E a Seleção Brasileira? Torço mais pelo Internacional do que pela Seleção. O que lhe dá mais prazer, a música ou a literatura? Ah, a música...
Verissimo costuma dizer que gosta de "brincar de jazzista" e que no palco, sob a proteção de seu saxofone e dos companheiros do Jazz 6 - conhecido como o "menor sexteto do mundo", por ter apenas cinco integrantes -, não sente a timidez. Nesta entrevista, revela que hoje, se pudesse escolher, seria músico. E é justamente para por em prática seu grande hobby que ele está nesta semana em São Paulo. Verissimo e o Jazz 6 fizeram um show no bar Verissimo (o nome não é coincidência, claro) na noite de quinta-feira (19) e repetem a dose no sábado (21), como parte das comemorações pelos cinco anos do bar.
Na entrevista a seguir, ele fala de política, música, futebol, literatura, do pai - o escritor Erico Verissimo -, da famosa timidez e dos textos que circulam na internet com a sua assinatura. "Você dissecou a minha vida toda", disse ele após meia hora da conversa. Espero que não tenha sido muito difícil, Luis! "Não, tudo bem...", respondeu ele, com voz mansa e sem se alongar no assunto.
Confira a entrevista na íntegra a seguir.
Terra - Entre os escritores brasileiros, você só perde em número de livros vendidos para o Paulo Coelho. Como é ser o segundo escritor brasileiro que mais vende no Brasil?
LFV - 
Olha, eu nem posso ser comparado com o Paulo Coelho, porque ele é um escritor internacional, vende muito bem no mundo todo. Eu vendo muito bem no Brasil, mas não no exterior. Então essa comparação não cabe.
Terra - Na sua opinião, por que ele é tão bem sucedido no exterior?
LFV - 
Acho que é fato de ele escrever livros na linha da autoajuda, do misticismo. Ele sabe fazer isso muito bem e acredito que por isso tenha um público tão grande.
Terra - Você já leu Paulo Coelho?
LFV - 
Não. Não tenho nenhum preconceito, mas é um tipo de literatura que não me interessa muito.
Terra - Você já disse que nunca tinha pensado em escrever romances. Por que prefere textos mais curtos?
LFV - 
É porque eu comecei escrevendo para jornal. Só comecei a escrever textos mais longos quando me convidaram, me pediram para fazer um romance. Acabei fazendo e, se não me engano, já escrevi seis romances. Então não foi uma iniciativa minha, foi ideia de outros.
Terra - Como é escrever um romance sob encomenda? De onde vem a inspiração?
LFV - 
Geralmente é a editora que tem a ideia, mas a criação é toda do autor. Acho que não tem problema. O importante é se o romance é bom ou não é.
Terra - Você começou a escrever depois dos 30 anos. Por que demorou tanto?
LFV - 
Pois é, eu não tinha nenhum plano de ser escritor, muito menos de ser jornalista. Tentei algumas profissões que não deram certo e não tinha diploma de nada, mas já estava casado e com filhos. Aí me convidaram pra escrever no jornal, porque naquela época não precisava de diploma para isso. Acabaram me dando espaço para escrever crônicas e viram que eu sabia escrever. Foi uma coisa meio acidental.
Terra - O trabalho do seu pai teve alguma influência nisso?
LFV - 
Acho que ele influenciou indiretamente. O fato de eu ter sido criado em uma casa em que havia livros, em que o livro era uma coisa importante, onde se convivia com escritores, me fez gostar muito de ler, de literatura. Foi importante ter tido essa convivência com a literatura através do meu pai.
Terra - Você está ansioso para ver a adaptação de O Tempo e o Vento feita pelo Jayme Monjardim?
LFV - 
Sim, acho que vai ficar muito bonita.
Terra - Você já disse que não está nas redes sociais e não tem nem celular. E o computador, você usa?
LFV - 
Uso o computador como máquina de escrever. Também uso muito o email e o Google, mas, fora isso, não uso muito.
Terra - O Google facilitou a vida?
LFV - 
Eu sempre digo que o Google é a erudição instantânea. Qualquer dúvida que você tem, é só correr ali e geralmente você encontra a resposta.
Terra - Há diversos textos falsos atribuídos a você circulando pela internet e você disse que já recebeu elogios por vários deles. Você lê esses textos? Tem algum que você tenha lido e gostado ou pensado "esse eu realmente poderia ter escrito"?
LFV - 
Tem um texto chamado Quase que andou circulando aí e é muito bom. Eu assinaria embaixo, se alguém já não tivesse assinado por mim. Eu inclusive conheci a moça que é a verdadeira autora do texto. Não foi ela que colocou na internet, foram os amigos que colocaram com o nome dela. Mas isso é uma coisa que a gente deve se resignar, porque não há o que fazer, não há como evitar isso. Qualquer um pode colocar o texto que quiser na internet, colocar a assinatura que quiser. Não há o que fazer.
Terra - Além do Google e do email, você usa a internet para outros fins? Costuma acessar sites de notícias ou ainda prefere os meios mais tradicionais, como o jornal?
LFV - 
Não, não. Ainda sou do jornal, do papel. Leio o Estadão, a FolhaO Globo, a Zero Hora, de Porto Alegre. E leio muitas coisas do exterior também, muitas revistas, como a New Yorker e aNation.
Terra - A imprensa brasileira faz um bom trabalho?
LFV - 
Olha, eu acho que tecnicamente nós não estamos atrás de ninguém. Mas, quanto ao conteúdo, acho que poderia ser melhor, principalmente na imprensa cultural, vamos dizer assim, que é mais informativa. Nós não temos bons críticos. Temos poucos críticos, na verdade, e isso faz falta.
Terra - Você sempre deixou clara a simpatia por Lula e pelo PT nos seus textos, que são publicados em jornais que claramente não têm tanta simpatia assim pelo PT. Já sofreu algum tipo de censura?
LFV - 
Não. Eu comecei a publicar em jornal na época mais grave da ditadura. Nesse tempo, a gente era censurado, claro. Não podia falar mal do governo, não podia falar mal dos militares. Então a gente se autocensurava. Mas depois que houve a abertura e acabou a censura à imprensa, na década de 80, não tive mais nenhum problema. O que me acontece muito é receber cartas desaforadas de leitores.
Terra - Como é a relação com os leitores?
LFV - 
Eles me escrevem muito, principalmente quando o assunto é política ou religião. Aí tem muitas reações negativas. Faz parte, mas não costumo responder.
Terra - Você se considera um petista?
LFV - 
Não, o que eu tenho é uma simpatia pelo PT e pelo Lula.
Terra - Como você avalia o governo Lula?
LFV - 
Houve uma certa decepção, porque não foi exatamente um governo de esquerda, mas o balanço final foi positivo.
Terra - Você escreveu recentemente sobre o encontro do Lula com o Maluf e, numa brincadeira, disse que tal encontro seria um "boato delirante". Vale tudo na política?
LFV - 
Não, acho que não. Foi uma bobagem que não deveria ter acontecido, algo lamentável. Depois de tudo o que o Lula já fez, de tudo o que o Maluf já fez, não poderia ter havido esse encontro de maneira nenhuma.
Terra - Você conhece o Lula pessoalmente?
LFV - 
Conheço. Ele esteve na minha casa durante a primeira campanha e depois o vi mais umas duas ou três vezes rapidamente.
Terra - E a Dilma? Como você avalia o governo dela?
LFV - 
Acho que ela está indo bem. É uma pessoa muito firme, está mantendo a política econômica e acho que, em geral, está indo bem.
Terra - Você pretende continuar votando no PT?
LFV - 
Vamos ver como vai ser a próxima eleição, mas acho que sim.
Terra - Há um grande otimismo em relação ao Brasil. Dizem que finalmente deixamos de ser o "País do futuro" para ser o "País do presente". Você concorda?
LFV - 
Está certamente melhor. Hoje temos uma classe média muito maior, um mercado interno mais forte, acho que muito foi feito durante o governo do PT e do Lula. Mas é claro que ainda temos problemas gravíssimos, ainda há muito a fazer.
Terra - Voltando ao seu trabalho, você já "matou" alguns personagens, como As Cobras e A Velhinha de Taubaté. Você se cansou deles?
LFV - 
É, um pouco isso. Porque eu já estava com mais de 60 anos e ainda estava desenhando cobrinhas. E a Velhinha de Taubaté, que era a última pessoa no Brasil que acreditava no governo, quando teve o episódio do mensalão, em que estava todo mundo envolvido, viu que não podia acreditar em mais nada e resolveu morrer.
Terra - E de onde vem a inspiração para a Família Brasil?
LFV - 
É que eu gosto muito de desenhar. Aí eu tinha aquele espaço no jornal, em que eu podia teoricamente fazer o que eu quisesse, e comecei a fazer desenhos. A coisa teve uma certa sequência e acabou virando a Família Brasil. Quanto à inspiração, é muita coisa que a gente ouve falar, até em conversas com a família. Ninguém ali representa a minha família, mas algumas situações a gente aproveita. São histórias que a gente ouve falar e aproveita.
Terra - Você escreve sobre política, futebol, relacionamentos, viagens, literatura. Enfim, são vários assuntos. Qual deles mais lhe inspira?
LFV - 
Eu gosto de dar palpite sobre tudo. Quem escreve crônica em jornal aproveita o dia a dia, o que está acontecendo, o assunto que está no ar. Mas às vezes, quando não há do que falar, a gente inventa, cria alguma coisa. A gente aproveita muito a liberdade que a crônica dá, porque a gente pode fazer dela o que quiser, até desenhar.
Terra - Você é um humorista do papel. Gosta de outros tipos de humor, como stand-up, programas como o CQC?
LFV - 
Isso eu vejo muito pouco. Vejo mais algumas séries americanas, como Seinfeld. Na TV aberta, só vejo futebol.
Terra - Muitos dos novos humoristas já sofreram processos ou represálias por piadas consideradas de mau gosto. O mundo está politicamente correto demais?
LFV - 
Acho que o importante é a pessoa ter liberdade. O bom gosto também é uma forma de limitar o humor. O que é bom gosto? O que é mau gosto?
Terra - Para você, o que é mau gosto?
LFV - 
Ah, existem certos assuntos que eu não abordaria, piadas com crianças, por exemplo. São coisas que eu não faria, mas os outros podem fazer.
Terra - Você é um tímido confesso. Mas, durante a Flip deste ano, foi visto circulando à vontade pelas ruas de Paraty, o que resultava, claro, em um grande assédio dos fãs. Você se incomoda com o assédio?
LFV - 
Não, não. Hoje em dia todo mundo tem celular, câmera fotográfica, aí muita gente pede para fotografar. Às vezes a pessoa nem sabe quem é, mas quer fotografar. Lá em Paraty mesmo teve uma senhora que veio falar comigo e disse "você não é o...". Aí eu me adiantei e disse logo "Luis Fernando Verissimo". E ela ainda respondeu que não era quem ela estava pensando!
Terra - Você sofre quando tem que falar para grandes públicos, como aconteceu na Flip? Prefere evitar?
LFV - 
É, não é uma coisa que eu faça com muita naturalidade. Mas eu forço um pouco a natureza.
Terra - Estar no palco tocando também é difícil?
LFV - 
Não, porque ali eu estou fazendo parte de um grupo e estou atrás do sax, brincando de jazzista. Não sou eu que estou ali.
Terra - O que lhe dá mais prazer hoje: escrever ou tocar?
LFV - 
Tocar. E sempre foi assim, é uma coisa que eu faço com muito prazer.
Terra - E você não pensou em virar músico?
LFV - 
Ah, na verdade eu queria só poder brincar de jazzista. Mas talvez hoje, se eu pudesse escolher, escolheria ser músico.
Terra - O Laerte disse recentemente que não gosta de desenhar, que essa é a parte mais difícil do trabalho. Você enfrenta algum tipo de dilema na hora de escrever?
LFV - 
Às vezes é difícil começar, decidir sobre o que escrever, como abordar o assunto, mas depois o texto flui com naturalidade.
Terra - É mais difícil começar do que terminar um texto?
LFV - 
Com certeza. Quem tem uma ideia certa sobre isso é o Zuenir Ventura. Ele diz que não gosta muito de escrever, mas gosta de ter escrito. Quando a gente lê o que escreveu é que vem o prazer da coisa. Na hora de escrever, não tanto.
Terra - De tudo o que você escreveu, do que você mais gosta?
LFV - 
Olhá, é difícil. Tem algumas crônicas que eu gosto mais do que outras. E tem muitas que eu leio hoje e acho uma porcaria. Mas dos romances, por exemplo, o que eu acho que o que saiu mais ou menos bem foi o Clube dos Anjos, é o mais bem acabado. Dos livros de crônicas, eu destacaria O Analista de Bagé.
Terra - Acontece muito de você ler um texto seu antigo e achar uma "porcaria"?
LFV - 
Acontece muito. Na época em que eu escrevia todos os dias, tinha uma coluna diária, eu inventava qualquer assunto e saíam coisas muito mal pensadas.
Terra - Outra de suas paixões, como todo mundo sabe, é o Internacional. Você vai ao estádio ou prefere mesmo o conforto da televisão?
LFV - 
Olha, eu era um torcedor de arquibancada, ia aos jogos e tal. Mas ultimamente, por comodismo, tenho visto mais pela televisão.
Terra - Você torce mais pelo Inter ou pela Seleção Brasileira?
LFV - 
Ah, pelo Inter, claro!
Terra - Mas e o time do Mano Menezes? Temos chances em 2014?
LFV - 
É um time mais ou menos, mais menos do que mais. Mas vamos ver, ele tem tempo ainda para acertar o time. E ele é competente.
Terra - O Neymar é o melhor jogador do Brasil?
LFV - 
Acho que sim. Eu também gosto muito do Oscar, que joga no Internacional, mas o Neymar é realmente espetacular.
Terra - A Copa no Brasil vai dar certo?
LFV - 
Eu não sei, a coisa está um pouco atrasada. Mas na hora dá tudo certo. A África do Sul tinha os mesmos problemas e, no fim, acabou dando tudo certo.
Terra - Você já morou em vários lugares, mas sempre voltou a Porto Alegre. É a sua cidade preferida?
LFV - 
É a cidade onde eu nasci. A gente tem uma relação com a cidade onde nasceu que é como uma relação com a própria mãe. Então a gente sempre volta para Porto Alegre, é uma cidade boa para se voltar. É uma cidade grande, mas não é uma cidade muito grande. É um lugar com vida de cidade pequena, apesar de ser uma metrópole, com vida cultural e tudo.
Terra - A Granta divulgou na Flip uma lista dos 20 melhores escritores brasileiros com menos de 40 anos. Você conhece o trabalho dos escritores da lista? O que acha da literatura que se faz hoje no Brasil?
LFV - 
Conheço poucos: o Michel Laub, o João Paulo Cuenca, o Antonio Prata, principalmente. Os outros não conheço. Mas, do que eu conheço, eu gosto. Está vindo uma geração muito boa aí.
Terra - Você já disse que, apesar da timidez, costuma aceitar convites para falar com estudantes. Por quê?
LFV - 
Existe uma luta para criar o gosto pela leitura entre a garotada. E há vários recursos para isso. Um deles é convidar os autores para falar com os alunos. Então eu tento colaborar nessa luta, porque é uma luta que vale a pena.
Terra - A juventude hoje está mais acomodada?
LFV - 
O mundo mudou. Certamente há menos mobilização hoje em dia, mas não sei se isso é um avanço ou um retrocesso.
Terra - Quem são os seus heróis?
LFV - 
Meus heróis? Sempre tive uma admiração muito grande pelo meu pai, pelo que ele foi. Mas não posso dizer que tenho ídolos.
Terra - Bom, essas eram as minhas perguntas. Você gostaria de comentar algo mais?
LFV - 
Não, você já dissecou a minha vida toda!
Terra - Sei que você não gosta de dar entrevistas, mas espero que não tenha sido muito difícil...
LFV - 
Não, tudo bem, não tem problema...

Nenhum comentário: