Meio ambiente
Grupo de intelectuais e lideranças ambientais reunidos em evento paralelo à Rio+20 propõe a criação de uma instância semelhante à Corte Penal Internacional de Haia voltada para as ações que degradam o ambiente com consequências futuras
Juliana Arini, do Rio de Janeiro
Cristo Redentor é iluminado de verde durante Rio+20 (Reuters)
Um tribunal autônomo para julgar os crimes ambientais da humanidade. Esta foi a proposta lançada no Rio de Janeiro por um grupo de intelectuais e lideranças ambientais mundiais, como o filósofo francês Edgar Morin. A ideia foi debatida no encontro “A Terra está inquieta”, no Sesc Jacarepaguá, em um dos eventos paralelos aos debates da Conferência Rio+20, no Riocentro. O objetivo do Tribunal Ambiental Mundial é preencher as lacunas dos tribunais que já existem para debater os crimes contra a humanidade, como a Corte Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A principal função do tribunal seria julgar ações que degradam o meio ambiente com consequências futuras, como o acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011.
“Existe uma legislação muito boa, principalmente no tocante aos crimes de genocídio, porém ainda há brechas relacionadas à questão ambiental. E isso faz com que, em alguns casos, governos ocultem suas ações prejudiciais”, disse a francesa Eva Joly, diretora da comissão de desenvolvimento do Parlamento Europeu. Os testes feitos pela França com armas nucleares na Argélia, entre 1960 e 1966, foram um dos exemplos dados por Joly. “Até hoje ninguém sabe onde estão esses dejetos radioativos, pois os franceses tratam a questão como um problema de estado, e exigem sigilo das informações por cem anos”.
O grupo acredita que o Tribunal deve funcionar sem ações punitivas formais. A proposta é que as denúncias sejam analisadas por um grupo de intelectuais de várias áreas, com prestígio mundial. Aceita a denúncia, ela seria levada a uma votação mundial por meio da internet e outras redes de comunicação. O parecer seria dado pelos membros do tribunal, levando em conta o resultado dessa votação. A punição seria a divulgação, como uma forma de sanção ética.
A ideia foi inspirada no Tribunal Russell, criado pelos escritores Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, na década de 1960, para julgar o que consideravam crimes dos EUA durante a Guerra do Vietnã (1955-75). O mesmo modelo pode ser aplicado no caso da proposta lançada durante a discussões da Rio+20.
A ideia foi inspirada no Tribunal Russell, criado pelos escritores Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, na década de 1960, para julgar o que consideravam crimes dos EUA durante a Guerra do Vietnã (1955-75). O mesmo modelo pode ser aplicado no caso da proposta lançada durante a discussões da Rio+20.
“Estamos em um período de suicídio coletivo na humanidade, por isso a sanção ética é importante, pois a ética torna essas questões algo muito maior do que a mera discussão política. E todos os problemas da humanidade ocorrem por falta de consciência no centro das questões”, diz Edgar Morin, sociólogo e presidente emérito do Centro Nacional de Pesquisa Científica francês.
Entre as propostas iniciais também estaria a possibilidade de julgamento de crimes de desrespeito à diversidade cultural, crimes sobre a manipulação de informações e ações que fomentem a desigualdade social. “Muitos fundos de investimento nos EUA lucraram até US$2 bilhões vendendo títulos podres, e mesmo que exista uma investigação local no país, é importante que ocorra um julgamento dessa ação, pois houve um impacto gigantesco na economia internacional”, disse Eva Joly.
O acesso irrestrito de pessoas de qualquer classe social e país como proponentes de denúncias é outro instrumento em debate. “A falta de acesso à Justiça para populações isoladas é outro problema. Na Costa do Marfim, uma empresa britânica despejou lixo tóxico na costa em 2006 e contaminou milhares de pessoas. Muitas nunca conseguiram lutar pela indenização”, disse Doudou Diene, encarregado da missão da ONU na Costa do Marfim.
A abrangência das questões passíveis de julgamento ainda é um ponto em discussão. Para Michel Prieur, jurista ambiental da faculdade de Limoges, na França, questões locais como as divergências em torno da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte não deveriam entrar nesse rol. “Belo Monte ainda é um assunto muito local. É difícil um francês compreender a dimensão desse problema para poder julgar”, afirmou Prieur. Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), um dos poucos brasileiros a integrarem a proposta, a construção da hidrelétrica no rio Xingu, no Pará, pode ser debatida no tribunal. “Se pensarmos nos índios que podem ser atingidos pelos impactos ambientais da hidrelétrica, podemos considerar que Belo Monte é, sim, um tema passível de ser levada a um tribunal ambiental mundial”.
Mesmo ainda incompleta em seus objetivos e abrangência, a ideia do tribunal já é utilizada para lançar alertas aos líderes mundiais que debatem o texto final da Rio+20. “A morosidade com que os chefes de Estado estão lidando com questões ambientais que exigem com tanta urgência um acordo mundial poderia ser um tema futuro a ser julgado”, disse Edgar Morin.
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