Propriedades do melão-de-são-caetano são realmente impressionantes, mas apenas o seu consumo não cura câncer
O melão-são-caetano (Momordica charantia L.) é uma espécie vegetal silvestre, da família das cucurbitáceas. Ele pode ser encontrada tanto em áreas urbanas como em áreas rurais, e é tradicionalmente utilizado para fins medicinais. O melão-de-são-caetano é originário da Índia e da China, é uma planta trepadeira com frutos e folhas de sabor amargo. O fruto é conhecido por ter propriedades que tratam diabetes e feridas, tanto externas como internas, além de outras diversas atividades medicinais como antibiótico, antioxidante, antiviral e tônico.
Rico em vitamina C e com uma quantidade significativa de vitamina B9, diferentes partes do melão-de-são-caetano são usadas nas medicinas tradicionais asiática e africana para aliviar os efeitos da diabetes, tratar problemas de estômago, tosse, problemas respiratórios e de pele, úlcera e reumatismo.
Existem também diversas pesquisas que apontam os potenciais efeitos do melão-de-são-caetano para tratar câncer, mas não se trata simplesmente do consumo do vegetal ou de suas folhas. Os estudos indicam que algumas proteínas purificadas do melão-de-são-caetano são capazes de bloquear a capacidade das células de produzir outras proteínas, o que pode ser usado para evitar que o tumor cresça ou pode matá-lo.
Os estudos foram realizados com extratos ou concentrações muito elevadas do fruto e demonstram o potencial do melão-de-são-caetano para uso farmacêutico, no desenvolvimento de novos remédios para combater alguns tipos específicos de câncer. O professore David Majerowicz, da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, alerta que é preciso tomar cuidado com textos e informações incompletas que dizem que o melão-de-são-caetano cura câncer, o que não é verdade.
Segundo a vasta revisão bibliográfica apresentada por Majerowicz em seu blog de divulgação científica, a única pesquisa feita com humanos foi realizado por um grupo da Tailândia, em 2003. O estudo analisou o efeito do melão-de-são-caetano sobre mulheres com câncer de útero que estavam sendo submetidas à radioterapia. Os cientistas não observaram qualquer diferença nos tumores entre quem recebeu ou não a planta. Dessa forma, destaca Majerowicz, "é leviano e perigoso afirmar que o melão-de-são-caetano é capaz de curar o câncer". Até agora, todos os outros testes foram feitos apenas em células de cultura no laboratório ou em camundongos.
Ainda que o consumo de melão-de-são-caetano não cure o câncer, os resultados das mais de 200 pesquisas realizadas com o fruto são promissores. Ele se mostra uma interessante fonte de novos compostos com atividade para combater tumores, mas os cientistas estão muito longe de comprovar que consumir a planta ajuda pessoas doentes. "As proteínas [do melão-de-são-caetano] provavelmente serão digeridas no estômago do paciente e vão perder seus efeitos", explica o professor da UFRJ. Ele destaca que a gordura e os outros compostos podem não ser absorvidos ou estarem presentes em uma quantidade muito pequena, de modo que o consumo da planta, mesmo que seja elevado, não seria suficiente para atacar os tumores.
Assim, incluir o melão-de-são-caetano em sua dieta é uma boa opção para diversificar a alimentação e obter vitaminas e minerais fundamentais ao bom funcionamento do organismo, mas ele não faz milagre. Plantas e demais remédios naturais são opções para complementar o tratamento e podem ser suficientes para resolver problemas de saúde simples, mas esse não é o caso do câncer. Pacientes com câncer jamais devem substituir o tratamento médico prescrito por sua/seu oncologista por opções sem comprovação científica.
Em 28 de agosto, o governador do Estado americano de Illinois, Bruce Rauner, assinou um projeto de lei permitindo que médicos possam prescrever a cannabis (maconha) como uma alternativa ao uso de analgésicos oriundos de opioides.
Mortes causadas pelo uso indevido desses medicamentos altamente viciantes e derivados do ópio (incluindo heroína) têm contribuído para o crescimento do número de vítimas fatais por overdose nos Estados Unidos.
Os opioides são medicamentos derivados da papoula - planta que também é a base de produção do ópio. Eles estimulam receptores no cérebro e geram um poderoso alívio da dor. Além disso, reduzem a ansiedade e a depressão que costumam acompanhar episódios de dor intensa. Por outro lado, eles também produzem uma sensação de euforia e são altamente viciantes - a ponto de causarem uma epidemia hoje considerada crise de saúde pública nos EUA.
Em 2017, ao menos 72 mil pessoas morreram de overdose nos Estados Unidos. Mais de duas em cada três pessoas foram vítimas de opioides em geral, segundo um relatório preliminar do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), divulgado em agosto.
Atualmente, a overdose tira mais vidas americanas do que as armas de fogo ou acidentes de trânsito. O CDC estima que mais de 700 mil americanos morreram de overdose de opioides desde 1999, incluindo pessoas famosas, como o cantor pop Prince, que morreu em 2016 depois de sofrer uma overdose acidental de fentanil, elemento 50 vezes mais forte que a heroína.
Em média, no ano passado, cerca de 200 americanos morreram de overdose diariamente.
Segundo o Drug Enforcement Administration (órgão americano de repressão às drogas), em contrapartida, não houve nenhuma morte por overdose de maconha nos Estados Unidos no ano passado.
O cantor americano Prince morreu em 2016, vítima de overdose acidental de substância fentanil
Dores crônicas
Illinois, cujo número de mortes por overdose de opioides (1.947) foi o sétimo maior do país, não é o único Estado americano a testar a maconha para tentar solucionar o problema.
Nova York, Geórgia e Pensilvânia adotaram programas parecidos, na esperança de que a maconha ajude a enfrentar o problema de saúde pública.
Essas iniciativas são limitadas a pacientes com prescrição de medicamentos para tratar de dores crônicas.
Um dos problemas para tratar o tema é a ampla oferta de pílulas de opioides nos Estados Unidos: um relatório de 2017 mostra que há 58,5 receitas médicas desses medicamentos para cada 100 americanos.
Esse número já foi maior: em 2012, havia 81,3 receitas para cada 100 pessoas. Porém, mesmo com o esforço legislativo e de associações médicas, o índice de 2017 é ainda mais de duas vezes maior que o registrado em 1999, segundo o CDC.
Houve outro efeito colateral dessa presença massiva de opioides nos Estado Unidos: viciados sem acesso a prescrições passaram a buscar remédios e drogas de forma alternativa e ilícita, como pílulas falsificadas ou heroína. Um relatório da CDC de 2017 apontou que as mortes causadas por drogas nos Estados Unidos quintuplicou entre 2010 e 2016.
Medicina com cannabis
Alguns especialistas acreditam que dores crônicas poderiam ser tratadas com as propriedades da cannabis. Nos Estados Unidos, a droga já é usada em tratamentos de uma série de problemas de saúde, como dores, náusea, espasmos musculares e epilepsia.
Ao menos 30 estados e o Distrito de Columbia já legalizaram o uso medicinal da cannabis. Além disso, nove Estados passaram também a permitir uso recreativo da planta, apesar da legislação federal criminalizar a maconha.
Pesquisas acadêmicas mostraram que regiões com leis pró-cannabis não apenas reduziram as prescrições de opioides, como também diminuíram o número de mortes por overdose em comparação com locais que ainda proíbem esse tipo de tratamento com a erva ou derivados.
Segundo um estudo da Universidade da Pensilvânia, 13 Estados que liberaram o uso medicinal da maconha tiveram redução de 24,8% da mortalidade por overdose entre 1999 e 2010 em comparação com estados sem a nova lei.
Uso recreativo da maconha
O estudo da Universidade da Pensilvânia faz parte de um conjunto de pesquisas sobre a relação entre o uso medicinal da cannabis com a queda de prescrição de opioides.
Em abril deste ano, pesquisadores da Universidade de Kentucky adicionaram à discussão uma importante descoberta: o uso recreativo da cannabis também tem relação com a queda das prescrições de opioides.
"Descobrimos que a implementação do uso medicinal da maconha está associada a uma taxa de 6% da queda de prescrição de opioides no Medicaid (programa social do governo americano na área da saúde)", diz Hefei Wen, professor-assistente da Universidade de Saúde Pública e um dos autores do estudo.
Maconha nos Estados Unidos
Onde a cannabis é legalizada?
30
Número de estados, além do Distrito de Columbia, que permitem o uso medicinal da maconha e derivados da planta
9
Estados que permitem o uso recreativo
ZERO casos de overdose de maconha reportados nos Estados Unidos
Wen e seu colega Jason Hockenberry estudaram os dados de quatro Estados que implementaram leis pró-cannabis entre 2011 e 2016 (Colorado, Washington, Alasca e Oregon).
"Vale a pena lembrar que nossas descobertas sugerem correlação e não causalidade", diz Wen.
O estudo, no entanto, atraiu grande atenção da mídia americana, porque 11 Estados planejam consultar a população sobre leis pró-cannabis nas eleições de meio de mandato, em novembro.
"A crise dos opioides é um problema complexo e nós não acreditamos que ele será resolvido com uma 'bala de prata'. Mas há uma forte evidência de que a cannabis seja efetiva em tratamentos de dores crônicas em adultos. Pesquisas sugerem que o acesso legal à maconha pode ajudar em uma série de problemas associados aos opioides", diz Sheila Vakharia, diretora da Drug Policy Alliance (DPA), ONG que atua por mudanças nas leis americanas sobre drogas.
Segundo a DPA, estudos mostram que a inalação de maconha junto a opioides diminui dores crônicas, permitindo que doses de remédios derivados do ópio sejam reduzidas. Outro efeito observado foi a diminuição dos sintomas de abstinência.
Descobertas como essa fizeram com que políticos americanos aderissem à causa do uso médico da maconha para dores crônicas, e entre eles está a senadora Elizabeth Warren, uma figura chave no Partido Democrata.
Warren representa Massachusetts, um dos Estados que estão no topo do ranking de 10 de maiores incidências de mortes por overdose de opioides e opiáceos. Em 2017, porém, houve redução de 8% nas mortes em relação ao ano anterior. O Estado legalizou o uso medicinal da cannabis em 2012 e o uso recreativo em 2016.
Mortes por overdose de opióides em Estados americanos em 2016 (Fonte: CDC)
Estados
Mortes
Porcentagem de mortes por opioides em relação às vítimas de overdose por outras drogas
1. Ohio
3.613
83%
2. Nova York
3.009
83%
3. Flórida
2.798
59%
4. Pensilvânia
2.235
48%
5. Califórnia
2.012
43%
6. Massachusetts
1.990
89%
7. Illinois
1.947
81%
8. Maryland
1.821
89%
9. Michigan
1.762
75%
10. Carolina do Norte
1.506
77%
Mas há quem conteste o uso da maconha
Apesar de mudanças nos Estados, a maconha ainda é considerada ilegal pela legislação federal americana. Uma lei de 1970 proibiu o uso medicinal e classificou a maconha com "alto potencial para abuso e dependência física e psicológica".
Há alguns meses, o procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, ameaçou impor a lei federal em estados onde a cannabis é legalizada. Em abril, Sessions disse que a maconha "contribuiu para a crise do opioide".
Embora não concordem com Sessions, há acadêmicos que relativizam a influência da maconha para solucionar a crise do opioide.
Em editorial publicado pelo periódico científico Addiction neste ano, um grupo de especialistas multidisciplinares definiram a expansão do acesso à cannabis como "prematura".
O argumento é de que a correlação entre o uso da cannabis e a redução de mortes precisa ser investigada mais profundamente. Os especialistas também afirmam que a liberação da maconha não deve substituir o acesso a tratamentos para dependência de opioides ou a redução do encarceramento para usuários e pequenos traficantes.
"A venda de sorvetes e o número de afogamentos estão positivamente correlacionados, mas comer sorvete não causa afogamento. A venda de sorvetes cresce durante os meses mais quentes, quando as pessoas saem para nadar", escreveram os especialistas.
Deborah Hasin, professora de epidemiologia na Universidade de Columbia e uma das autoras do editorial, disse à BBC que ainda são necessários estudos para estabelecer como o uso de maconha pode influenciar o comportamento de usuários de opioides.
"A maconha poderia ter um papel na redução do uso de opioides se um indivíduo com dores crônicas diminuísse ou parasse com os opioides. Alguns clientes de lojas de medicina canábica dizem que pararam com os opioides, embora outros continuem usando", diz.
"Alguns membros da mídia, clínicos e formuladores de políticas públicas abraçaram essa ideia de que as leis sobre a maconha diminuíram as taxas de prescrição de opioides, hospitalizações e overdoses. Porém, os estudos atuais são uma maneira falha de determinar as causas do comportamento individual. Há também a preocupação de que o aumento da presença de cannabis pode levar a problemas relacionados à própria cannabis, sem ajudar a aliviar a crise dos opioides", acrescenta Hasin.