sábado 13 2016

Jogo de cena: PT tenta criar sua própria versão do impeachment

Petistas vislumbram em projeto de documentário a oportunidade de registrar para a posteridade sua versão do processo contra Dilma

Pouco antes da meia-noite da terça-feira 9, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo subiu à tribuna do plenário do Senado. Como das vezes anteriores, defendeu a volta da presidente afastada Dilma Rous­seff ao Palácio do Planalto. Falando num tom acima do habitual, rebateu as acusações contra a sua cliente e criticou a celeridade do processo de impeachment, classificado como um “golpe” contra a democracia. A tese foi repetida por senadores da tropa de choque do PT, um após o outro, ao longo das quase dezessete horas da sessão que transformou a presidente em ré por 59 votos contra 21, num resultado previsível. A veemência dos discursos, além de defender o mandato de Dilma, atendia a outro propósito: a construção de uma narrativa.
Se nada mudar até o próximo dia 25, data marcada para o início do julgamento, a cassação de Dilma deve ser confirmada por ampla maioria dos senadores. O PT reconhece que não há muito que fazer. A presidente afastada, que aguarda o desfecho do processo praticamente reclusa no Palácio da Alvorada, também tem clareza de que seu destino está traçado. Até o ex-presi­dente Lula, mentor, criador e oficialmente o maior defensor de Dilma, já jogou a toalha faz tempo.
Mas a história, do ponto de vista do PT, não deve terminar com um tom melancólico e derrotista. Como ocorre desde a votação do impeachment na Câmara, na sessão da semana passada os passos de cada petista no Congresso foram acompanhados de perto por uma equipe de filmagem que se dedica a produzir um documentário sobre os bastidores do processo. Cientes de que eram os personagens principais do dia, os parlamentares contrários à cassação se esmeraram nos microfones e nas performances. Eles estavam sob as lentes de um projeto intitulado “Impeachment”, conduzido pela cineasta Petra Costa, da produtora Busca Vida Filmes e diretora do premiado documentário Elena, em que retrata a morte precoce de sua irmã.
Desde 13 de março, quando ocorreu a maior manifestação política da história do Brasil, Petra contabiliza cerca de 500 horas de gravação com mais de cinquenta parlamentares, de diferentes partidos, além de manifestantes e líderes de movimentos contra e a favor do impeachment. “A ideia é que o filme mostre as diversas etapas dessa crise, seus aspectos shakespearianos, maquiavélicos e épicos”, diz a cineasta. Entre os principais entrevistados está a presidente afastada, que relata, em sua perspectiva, o drama de quem foi apeado do poder. “Gostaríamos também de filmar Temer. Já entramos em contato com a assessoria algumas vezes, mas não obtivemos resposta”, afirma Petra, que ganhou apoio financeiro do Festival de Veneza.
Os petistas vislumbraram na produção a oportunidade de registrar para a posteridade o resultado de uma conspiração, de um golpe. Nesse contexto, Lula emerge como um dos principais personagens da história, que deverá ser exibida no Brasil e no exterior em 2017. Nos últimos meses, o ex-presi­dente tem montado uma agenda pensada com o objetivo de produzir imagens que se encaixam no enredo. VEJA acompanhou os bastidores das gravações realizadas em julho no Recife e no interior de Pernambuco. Ali, tudo parecia uma encenação. Enquanto criticava o presidente interino Michel Temer e o juiz Sergio Moro, Lula olhava para as câmeras, gesticulava, abraçava crianças, acariciava trabalhadores. Durante uma visita a um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), um drone filmava o ex-presidente caminhando no meio de uma plantação. Num dado momento em que o aparelho se aproxima, ele ergue para o céu um punhado de mandiocas que haviam sido colhidas e faz uma breve saudação, sorrindo para a câmera.
Na tentativa de criarem sua versão da história, naturalmente suavizando os próprios pecados, deputados do partido também recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), contra o processo de impeachment de Dilma. Antes disso, o próprio Lula havia protocolado uma representação na Organização das Nações Unidas (ONU) contra o juiz Sergio Moro, apresentando-se como vítima de perseguição da Justiça. As chances de que tais iniciativas tenham sucesso jurídico são praticamente nulas, mas o movimento saiu nos jornais e sites de mais de oitenta países, o que ajuda na construção da narrativa petista.
Longe das câmeras, o ex-presidente se reuniu em Brasília com líderes do partido horas depois da votação no Senado. No encontro, Lula disse que o “impeachment é jogo jogado” — ou seja, será aprovado com folga. Ele cobrou dos oito senadores e 36 deputados presentes maior engajamento nas lutas que serão travadas a partir de agora, quando o PT voltará a ser oposição, e destacou que só isso garantirá uma volta por cima em 2018. O ex-presidente tem dito que será candidato na próxima corrida presidencial. O tablado eleitoral há tempos deixou de ser a prioridade de Lula, acossado pela Operação Lava-Jato e pelo risco de ser preso por corrupção. O resto, na verdade, está mais para jogo de cena — literalmente.

Com emoção: Brasil passa nos pênaltis e está na semifinal

Marta perde cobrança, mas goleira Bárbara garante a classificação contra a Austrália com duas defesas

A goleira brasileira Bárbara orienta as companheiras de equipe na partida contra a Austrália no estádio do Mineirão
Foi com sofrimento, mas a seleção feminina de futebol do Brasil está na semifinal da Rio-2016. Depois de um zero a zero equilibrado e cheio de alternativas contra uma forte Austrália, na noite desta sexta-feira, no Mineirão, o Brasil garantiu a vaga em uma emocionante disputa de pênaltis que foi até a oitava cobrança. A grande heroína da classificação foi a goleira Bárbara, que defendeu o quinto chute da Austrália, que eliminaria o Brasil se entrasse. Isso porque a melhor jogadora da seleção, Marta, errou sua cobrança – em uma dessas ironias cruéis dos pênaltis. A defesa colocou o Brasil de volta na partida e Bárbara voltou a brilhar ao parar o chute da zagueira Kennedy para fechar a disputa em 7 a 6 e colocar a seleção feminina mais perto de uma medalha olímpica.
A semifinal será contra a Suécia, que eliminou as favoritas americanas nesta sexta. Será a segunda vez que as duas seleções se encontram na Rio-2016. Na fase de grupos, com um show de Marta, o Brasil goleou por 5 a 1. A semifinal acontece na próxima terça-feira, no Maracanã.
A decisão nos pênaltis foi um desfecho espetacular para uma partida que foi emocionante desde o princípio. Jogando com raça e disposição, as meninas do Brasil encontraram pela frente um adversário que não se intimidou com o Mineirão lotado. A Austrália não deixou de atacar e pressionou a seleção em vários momentos. Pelo lado do Brasil, Marta voltou a se destacar com dribles e arrancadas, mas estava mais isolada do que em outras partidas. Outro destaque foi a veterana Formiga, incansável na marcação. A atacante Cristiane, lesionada, fez falta: as finalizações ruins foram um ponto fraco da seleção no jogo, com Debinha perdendo boas chances.
O jogo – Em um primeiro tempo com chances para os dois lados, quem se aproximou mais de abrir o placar foi o Brasil. Aos 43 minutos, Debinha recebeu em velocidade, cortou a marcadora, mas finalizou por cima do gol. Depois do intervalo, a partida continuou equilibrada, mas a seleção, comandada por Marta, tinha mais chances. Em uma arrancada ao seu estilo, a camisa 10 deixou três marcadoras para trás e quase fez um golaço. O chute saiu para fora. Já no final da partida, duas chances para cada lado: a Austrália acertou o travessão com uma finalização de fora da área de Logarzo e o Brasil quase marcou com Andressa Alves concluindo um cruzamento dentro da pequena área – a goleira Williams salvou.
Como o placar seguiu inalterado nos 30 minutos da prorrogação, a decisão foi para os pênaltis. Depois de quatro cobranças convertidas para cada lado, Marta chutou no canto e a goleira Williams foi buscar. A camisa 10 desabou no chão, inconsolável. Se a Austrália fizesse, o Brasil seria eliminado. Mas Bárbara voou no canto e parou o chute de Gorry. Após mais dois gols de cada lado, Tamires marcou e Bárbara pegou a cobrança de Kennedy. Brasil na semifinal.

Rio-2016: a caminho do pódio

Os jornais estrangeiros continuam falando mais mal do que bem dos Jogos, mas o humor mudou: sai o medo da zika e entra o encantamento com a cidade

Antes do início dos Jogos, a imprensa mundial previu que a Olimpíada do Rio seria um fracasso de proporções amazônicas. Um jornalista americano chegou a dizer que seria uma “desástrofe”, a confluência desesperadora de “desastre” com “catástrofe”. Os artigos citavam a podridão das águas da Baía de Guanabara, a ameaça do terrorismo islâmico, os índices inaceitáveis de criminalidade, a crise política surreal, a recessão econômica histórica e, pavor dos pavores, a ameaça da zika (repórteres do New York Times receberam dois tipos de repelente contra mosquitos antes de embarcar para o Brasil). Depois que os Jogos começaram… bem, a baía continuou do mesmo jeito, assim como a crise e as ameaças, mas deu-se um fenômeno que está surpreendendo o mundo: mesmo com tudo igual, algo mudou.
Um levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV), que monitora e analisa diariamente o colossal volume de dados que circula nas redes sociais, mostrou que a percepção antes predominantemente negativa tanto dos brasileiros quanto dos estrangeiros sobre os Jogos e o Rio de Janeiro deu espaço a uma visão positiva depois que o espetáculo começou.
No caso específico dos estrangeiros, a conclusão é fruto da análise de 450 000 posts escritos em inglês que circularam no Twitter, Facebook e Instagram. Nas mensagens pré-olímpicas, sobressaíam os mesmos medos propagados pelos jornalistas estrangeiros: de um ataque terrorista e do vírus da zika, principalmente. Isso quase não se vê mais. O que predomina agora são menções entusiasmadas aos pontos turísticos do Rio, suas op­ções de lazer e sua pujante vida noturna. Uma a cada três mensagens examinadas enfatiza esses aspectos. As curtidas dominaram o Facebook, e os corações, o Instagram.
A inflexão se deu na festa de abertura dos Jogos (“Arrebatadora”, segundo o jornal alemão Süddeutsche Zeitung; cheia de “engenhosidade e estilo”, de acordo com a revista inglesa The Economist). Desempenhos espetaculares de atletas como Michael Phelps e da ginasta Simone Biles também ajudaram a provocar uma enxurrada de postagens elogiosas aos Jogos. A plateia, que tinha sido motivo de piada por sua, digamos, eloquência um tanto desabrida, mereceu aplausos pela solidariedade que demonstrou para com os não tão vitoriosos assim. O nadador barrigudo da Etiópia, Robel Kiros Habte, por exemplo, nunca imaginou, mesmo em seus mais doces sonhos, que seria aplaudido de pé por ter chegado em último lugar. Nos Jogos, o Rio está fazendo o que sabe fazer melhor: receber de braços abertos os que vêm à cidade.
Outra surpresa que surgiu da análise da FGV é que o vôlei de praia tem sido mais citado nas redes que o basquete, em geral o esporte que mais ganha comentários positivos nas Olimpíadas, sobretudo nos Estados Unidos. O motivo: o mesmerizante cenário em que as disputas acontecem e que une as montanhas com o mar de Copacabana. É unanimidade: trata-se da mais bonita arena de vôlei de praia das Olimpíadas — e ainda com piso original (capitais que já sediaram os Jogos, como Londres, na Inglaterra, e mesmo a litorânea Sydney, na Austrália, tiveram de “importar” areia). No fim da tarde, quando o pôr do sol tinge a praia de vermelho, não há queixo que pare no lugar.

The Doors - Touch Me (Live)