domingo 02 2014

Os normais...



'A oposição não pode tirar o pé do acelerador'

Entrevista - Ronaldo Caiado

Senador eleito pelo DEM afirma que é preciso manter a militância ativa pelos próximos quatro anos – e não 'renascer' às vésperas da eleição de 2018

Gabriel Castro, de Brasília
O deputado federal Ronaldo Caiado: no Senado, oposição seguirá firme
O deputado federal Ronaldo Caiado: no Senado, oposição seguirá firme (Beto Oliveira/Agência Câmara/VEJA)
'Quando a presidente conclama a unidade, sendo que durante toda a campanha ela pregou o revide, a revanche, o divisionismo, o apartheid social, todo o tipo de confronto e não de argumentos, é um negócio deprimente'
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi um dos oposicionistas que mais deram trabalho ao governo durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (PT). Agora, eleito para o Senado, o parlamentar diz que, se não mantiver uma militância ativa nas ruas, os partidos de oposição ao PT vão fracassar novamente nas eleições de 2018. Em entrevista ao site de VEJA, Caiado também ataca a proposta de reforma política do PT.
O senhor confia na proposta de reforma política feita pela presidente Dilma com consulta popular? A presidente Dilma é incapaz de separar o que seria um referendo de um plebiscito. Não se propõe plebiscito em matérias complexas, e sim sobre um tema único: aborto ou porte de armas, por exemplo. Cem por cento das pessoas são a favor da reforma política. Mas, quando você começa a redigir o primeiro parágrafo da reforma, são tantas variantes que, nessa hora, quebra-se a possibilidade de fazer uma consulta à população. Esse é um assunto técnico, para aqueles que se debruçaram sobre o tema. Agora a presidente disse que aceita um referendo também. Pelo menos foi um sinal de honestidade intelectual.
O senhor acredita que o PT quer usar a reforma política para concentrar poder? O que a presidente está querendo não é uma reforma política. É o que ela queria no decreto dos conselhos populares, que nós derrotamos: cada vez mais diminuir a força do Legislativo, cada vez mais realçar o Executivo pela lei. Esse processo vai se deteriorando porque as forças políticas de oposição não se veem em condições de igualdade para disputar uma campanha eleitoral. Além disso, existe o aparato de militância. O que fizeram com a Petrobras, que era um orgulho nacional, uma referência na pesquisa em termos de exploração de petróleo em águas profundas? Hoje é um cabide de emprego para fazer corrupção. Não é diferente na Eletrobras, nos fundos de pensão, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica e assim sucessivamente. E nos ministérios, que estão transferidos para o controle de alguns partidos.
No segundo governo Lula, o senhor foi relator de uma tentativa infrutífera de reforma política. O que deveria ser prioridade agora? Eu elegeria como ponto principal o fim da reeleição. Ninguém melhor do que a presidente para agora, que já teve o benefício da reeleição, dizer assim: a partir de hoje eu apoiarei a emenda constitucional que tira o direito de reeleição ao presidente, aos governadores e prefeitos. Dizem: “Mas foi o Fernando Henrique que propôs”. Vamos reconhecer que aquilo que nós erramos nós temos que corrigir. Nós não sabíamos que o processo iria se deteriorar como tal. Na época do Fernando Henrique, não se via o envolvimento da máquina, usar telemarketing para fazer campanha, usar os Correios para distribuir material pra a presidente, não se via comissionado dizer que amanhã, se ele perdesse, você não teria os programas sociais do governo. O fim da reeleição permitiria também mudanças em outras áreas: o número de candidatos, o tempo de rádio e televisão influenciado pela cooptação dos partidos políticos, tipos de financiamento.
O sistema atual é injusto com partidos de oposição? Sim. É preciso atacar o que está provocando uma deterioração da representatividade e do processo democrático. Nunca se viu tamanho curral eleitoral e tamanho comportamento de coronelismo como você viu nessa eleição. Não sei se os coronéis não eram muito mais complacentes com aqueles que votavam contra do que o PT é hoje. Eles pregam uma tese divisionista: negro contra branco, índio contra produtor, Nordeste contra Sul e Sudeste. É uma loucura.
O senhor teme que, com a volta de Lula em 2018, o PT possa ficar 24 anos no poder?Sem dúvida. Sei da nossa responsabilidade. Nós temos que respeitar as normas da democracia, mas eu posso lhe garantir que, se o nosso candidato tivesse sido eleito, o Brasil seria fomentado por eles com milhões de pessoas nas ruas: sem-terra, sem-teto, de qualquer ala de CUT ou desses segmentos que hoje vivem na dependência da estrutura de governo. Tentariam inviabilizar a nova gestão. Então, quando a presidente conclama a unidade, sendo que durante toda a campanha ela pregou o revide, a revanche, o divisionismo, o apartheidsocial, todo o tipo de confronto e não de argumentos, é um negócio deprimente.
O que a oposição pode fazer diferente nos próximos quatro anos? Nós temos que fazer oposição aqui no plenário da Câmara ou do Senado com preparo, com grandes debates, desmistificando o governo. Mas isso é insuficiente. Nós não podemos perder esse momento de afloramento das pessoas espontaneamente foram para as ruas e espontaneamente declararam apoio ao Aécio Neves. O apoio era a uma ideia. Essa ideia hoje anti-PT é uma ideia real no Brasil. Nós não podemos desativar o processo político nesses quatro anos, senão, não sobreviveremos em 2018. Nossa militância tem de tomar conhecimento da necessidade de estar na discussão político-eleitoral e buscar adesão à tese em que o Brasil pode ter outro modelo de governo: um governo aberto para outros países desenvolvidos do mundo, não ficar com essa política rasteira de Bolívia, Venezuela, Argentina, porque isso só faz deteriorar a nossa imagem. Nesse processo de quatro anos nós não podemos tirar o pé do acelerador. Nós temos que criar uma militância que tenha um preparo intelectual para debater. Não vai ter essa anestesia de hoje até a eleição. A oposição não vai renascer em 2018 às vésperas da eleição.
Antes de ser candidato, Aécio Neves foi criticado por ser um oposicionista pouco incisivo no Senado. Isso ajuda a explicar a derrota? Sinceramente, cada um tem o seu estilo. Não podemos cobrar nada dele porque ele mostrou uma capacidade ímpar de suportar todos os momentos mais difíceis da campanha e chegou ao segundo turno.
Fala-se em fusão do DEM com o PSDB ou com partidos menores. Isso vai acontecer? O DEM tem consciência que primeiro nós precisamos tentar buscar aglutinar forças. Existe um ponto que não pode ser discutido: ser oposição ao governo. Não se discute. A partir daí, todas as composições podem ser feitas. Quanto mais nós pulverizarmos os partidos mais nós vamos fazer o jogo do Executivo. Vou ser bem claro: não é que essa tese não esteja sendo pensada. Mas entre pensar e concluir esse processo é complexo. Você sabe as decisões que o TSE deu quando era para atender ao PSD. Depois, quando há uma fusão as pessoas que não concordam podem sair do partido.
A fusão pode ser inclusive com o PSDB ou apenas com partidos menores, para manter a identidade do DEM? Esse fato já está resolvido. Nós não teremos nenhuma fusão com o PSDB. Isso é matéria vencida, já.
Quando a fusão deve ocorrer? Vamos trabalhar isso neste momento. Porque haverá eleição da Mesa Diretora e discussão sobre as comissões. Iniciamos essa conversa na terça-feira e agora estamos a desenvolvendo para saber o que pode ser possível ser levado adiante.
O que o eleitor pode esperar do senhor no Senado? Estamos vivendo um dos momentos mais delicados da política nacional. Fiquei muito assustado com a maneira como o governo colocou essa campanha na rua, gerando um clima de enfrentamento. Acredito que o Senado Federal terá uma importância para colocar limitadores nessas ações do Executivo, fazer valer as suas prerrogativas ao arguir ministros, diretores das agências reguladoras, saber de que maneira o dinheiro brasileiro está sendo usado nesses empréstimos que são feitos, não admitir esse comportamento de sigilo, como sendo algo de interesse nacional quando o dinheiro é da população brasileira não se pode carimbá-lo de sigiloso. Estarei numa luta frontal para não aceitarmos essa maneira de governar da presidente Dilma. Vou lutar para aumentar o financiamento da saúde. E temos a discussão na área da segurança pública. Meu Estado hoje é o quarto mais violento do Brasil, e a população está toda encarcerada por conta de bandido que está impondo toque de recolher lá em Goiás.
O senhor defende mudanças no Código Penal? Lógico. Precisamos fazer discussões profundas, assumir a redução da maioridade penal, ampliar três vezes mais a pena do receptador em relação a quem praticou o roubo, porque são esses receptadores que fomentam essa formação dessas quadrilhas e desses assaltos todos que estão sendo praticados hoje. E nós precisamos construir mais penitenciárias no Brasil. Só meu Estado tem 21.000 mandados de prisão que não são cumpridos.
O senhor foi pré-candidato ao governo de Goiás neste ano, e chegou a cogitar uma candidatura à Presidência da República, como em 1989. Em 2018, o senhor pensa em disputar um cargo no Executivo? Não seria sincero da minha parte dizer que não almejo um dia disputar um cargo majoritário de governador ou de presidente da República. Mas para isso é preciso se credenciar. Se você não retribui em qualidade ou em resultado para a população e para seu Estado você também não é digno de continuar reivindicando cargo. É com esse espírito que eu faço política. Não tenho outro interesse em outra coisa na minha vida.

Na nova equipe de Dilma, o velho loteamento

Governo Dilma

Reeleita, a presidente começa a montar sua nova equipe com reedição dos "três porquinhos", substituto de Mantega e nomes indicados por aliados

Gabriel Castro, de Brasília
Em 5 de setembro, quando Marina Silva ainda ameaçava seriamente a reeleição de Dilma Rousseff e a Bolsa de Valores tornava evidente a desconfiança do mercado com o programa do PT, a presidente e então candidata deu o primeiro sinal de que faria mudanças significativas em sua equipe no segundo mandato: "Eleição nova, governo novo, equipe nova", disse ela em entrevista. Na ocasião, o que estava em pauta era a possibilidade de demissão do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Hoje, com a saída anunciada, Mantega é um raro caso de ministro demitido que segue no cargo. Resta escolher o sucessor – e decidir em quantas das outras 38 pastas haverá trocas.

Dilma está de folga na Base de Aratu, na Bahia. Quando retornar de viagem, a presidente deve se reunir com aliados para fazer um balanço das eleições.O vice-presidente, Michel Temer, também aguarda um posicionamento da chefe do Executivo para conversar com os aliados sobre a divisão dos cargos. A próxima semana deve ser a hora de avaliar quem se empenhou pela reeleição e quem, na avaliação do governo, não se comprometeu com a aliança.

Como é comum em casos de reeleição, não haverá uma equipe de transição. As trocas na equipe devem ser anunciadas ainda neste ano. A crise econômica e a ameça de crise política não permitem que Dilma espere o início do segundo mandato para anunciar os novos nomes. Hoje, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, está com os dias contados para deixar o cargo. E boa parte dos ministérios é comandada por interinos, já que os titulares deixaram o cargo para disputar as eleições.

Muitos nomes citados como eventuais ministros da presidente são tentativas, do PT e de outros partidos, de emplacar um nome na equipe de Dilma; além disso, a própria presidente costuma surpreender ao escolher seus ministros. Dito isso, é inevitável que as especulações gahem corpo.

Durante a campanha de 2010, Dilma apelidou de "três porquinhos" o grupo de auxiliares mais próximos a ela: José Eduardo Cardozo, hoje ministro da Justiça, Fernando Pimentel, eleito governador de Minas Gerais e seu ex-ministro, e José Eduardo Dutra, então presidente do PT. Agora, o trio é outro: Miguel Rossetto, ministro do Desenvolvimento Agrário, Jaques Wagner, ex-governador da Bahia, e Aloízio Mercadante, ministro da Casa Civil. Os três devem estar em postos-chave da administração no próximo mandato: ou na área econômica, ou na "cozinha" da presidente. O mesmo vale para Giles Azevedo, o discreto chefe de gabinete da petista.
Nelson Barbosa, ex-secretário executivo da Fazenda, está ao lado de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, e de Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, na lista de cotados para o Ministério da Fazenda. Mas Aloizio Mercadante é uma alternativa. Esta escolha é a mais sensível para Dilma, porque dela depende o sucesso do governo no esforço para escapar da crise e tirar a economia da estagnação. Os três primeiros nomes foram sugeridos pelo ex-presidente Lula. Mercadante seria uma escolha pessoal da presidente.

Aliados – Feita a avaliação sobre o papel dos aliados na campanha, o PMDB tem mais a perder: em estados importantes como o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o partido caminhou com a oposição. Por outro lado, Dilma depende dos peemedebistas para governar. O partido tem hoje cinco ministérios: Agricultura, Previdência, Minas e Energia, Turismo e Aviação Civil. Para a Agricultura, a candidata mais forte é Kátia Abreu. O atual ocupante do cargo, Neri Geller, é da conta dos peemedebistas da Câmara. Se ele perder o posto para a senadora, os deputados devem cobrar a nomeação de um representante para outra pasta. Henrique Eduardo Alves chegou a ser cotado para assumir para a Previdência Social, hoje comandada pelo senador peemedebista Garibaldi Alves. Mas ele não deve aceitar a nomeação.
Na pasta das Minas e Energia, o desgastado ministro Edison Lobão não deve sobreviver à reforma. O titular do Turismo é Vinícius Lage, um técnico apadrinhado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB). A permanência dele também é incerta.
Ainda insatisfeitos pela forma como o PT agiu em alguns estados durante as eleições, os peemedebistas dizem que cabe ao governo dar o primeiro passo nas conversas: "Não estamos tratando disso agora, até porque não cabe. A origem (da negociação) está do outro lado", diz o líder do PMDB, Eduardo Cunha, nome da sigla para presidir a Câmara no ano que vem. A cúpula do PMDB deve se reunir na semana que vem para traçar uma estratégia comum daqui por diante, o que passa por uma maneira mais "organizada" de decidir quais nomes estarão no governo.
No segundo mandato, a aliança de Dilma tem algumas diferenças em relação a 2011, quando tomou posse pela primeira vez. O PSB está fora do governo. Quase todos os partidos aliados tiveram algum tipo de cisão: parte do PMDB, PP, PR e PDT apoiaram Aécio Neves na disputa. Por outro lado, dois novos partidos entraram na briga pela divisão do bolo: PSD e Pros.

O PSD já tem a pasta da Micro e Pequena Empresa, de peso simbólico e orçamento quase inexistente. Agora que o partido fez parte da coligação presidencial de Dilma, deve ser contemplado com um ministério. O candidato natural é o presidente da sigla, Gilberto Kassab, um sem-mandato que se esforçou para colocar o partido na aliança petista apesar das defecções em alguns estados. Ele é cotado para o Ministério das Cidades. O líder do PSD na Câmara, Moreira Mendes (RO), diz que o cargo está à altura do partido, que, entre os partidos aliados, tem a maior bancada depois de PT e PMDB. Mas pede mais: "É um ministério importante, relevante, e está à altura do PSD. Mas acho pouco. É preciso ter um espaço proporcional ao tamanho do partido", diz ele.

No Pros, o único nome em jogo é o de Cid Gomes, ex-governador do Ceará. Ele deixou o PSB justamente para manter seu apoio à reeleição de Dilma, e agora pode ser premiado com o Ministério das Cidades. O PCdoB, que tradicionalmente comanda o Ministério do Esporte, deve continuar tendo seu espaço com Aldo Rebelo – a sigla tem interesse na pasta pelas Olimpíadas de 2006 no Rio de Janeiro. O mesmo vale para o PDT, que comanda o Ministério do Trabalho. O PR tem nas mãos o Ministério dos Transportes e é outra sigla que tem sido beneficiada com o direito de nomear ministros de forma quase autônoma. Governo novo, equipe nova, mas métodos velhos.

O plebiscito e a arte de iludir

Em VEJA desta semana 

Napoleão, Hitler, Mussolini, Chávez, Evo Morales, Lula e, agora, Dilma. Quando o objetivo é levar o povo ao autoengano, o truque clássico é convocar um plebiscito

DITADORES - Caracas (2009) e Alemanha (1935). Chávez e Hitler iludem as massas com plebiscitos
DITADORES - Caracas (2009) e Alemanha (1935). Chávez e Hitler iludem as massas com plebiscitos (Ariana Cubillos/AP e Getty Images/VEJA)
A Constituição Brasileira de 1988 prevê, no artigo 14 do capítulo dedicado aos direitos políticos, que o povo poderá exercer a democracia direta de três maneiras: plebiscito, referendo e iniciativa popular. No plebiscito, as pessoas respondem sim ou não às perguntas. Em caso de vitória do sim, o Congresso faz leis para materializar o veredicto popular. No referendo, primeiro a lei é feita e aprovada pelo Congresso, mas só entra em vigor se a maioria dos eleitores do país disser sim a ela. “No referendo, o povo endossa um cheque do Parlamento. No plebiscito, o povo dá ao Parlamento um cheque em branco”, resume magnificamente Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF).
A iniciativa popular é um projeto de lei que vai de baixo para cima. Mas ela só pode ser apresentada por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. A iniciativa popular foi o único desses instrumentos constitucionais a produzir no Brasil efeitos realmente transformadores, caso da Lei da Ficha Limpa, de 2010, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que impede condenados pela Justiça de se candidatar nas eleições.
O mais recente plebiscito realizado no país, o do desarmamento, em 2005, no primeiro mandato de Lula, foi uma farsa. Quase 70% dos eleitores brasileiros disseram não à pergunta “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. O povo, assim, recusou aos parlamentares de Brasília o direito de transformar em lei um artigo do Estatuto do Desarmamento. Foi então meio referendo, meio plebiscito. Mas a farsa não se deveu a essa particularidade, e sim ao fato de os eleitores terem sido submetidos a uma pergunta enganosa.
VEJA
NÃO, NÃO E NÃO - Lula tentou tirar a atenção do caso do mensalão com um plebiscito que proibia apenas os cidadãos honestos de portar armas: perdeu
Como escreveu VEJA na reportagem de capa “7 razões para votar ‘não’ ”, de 5 de outubro daquele ano, o plebiscito estaria fadado ao fracasso, uma vez que a proibição seria respeitada apenas pelas pessoas honestas, e não pelos bandidos, que, por definição, são fora da lei. O plebiscito de Lula foi um fiasco também por não ter atingido dois de seus objetivos ocultos — tirar a atenção da opinião pública do escândalo do mensalão no momento em que se falava do impeachment do presidente e testar a aptidão do eleitorado para essa modalidade de consulta. O povo brasileiro deu a Lula um triplo não.
Preferido por demagogos e manipuladores da vontade popular desde os tempos da República Romana, passando por Napoleão, Hitler, Mussolini, chegando a Hugo Chávez e Evo Morales, o plebiscito virou conversa frequente da presidente reeleita Dilma Rousseff. Confrontada com Renan Calheiros, presidente do Senado, Dilma, taticamente, recuou da proposta de fazer reforma política por plebiscito, aceitando, por enquanto, o referendo.
É empulhação do mesmo jeito. Empulhação por quê? Porque tudo o que o governo quer agora, a exemplo de Lula com o mensalão, é desviar a atenção do escândalo do petrolão. Reforma política requer discussões profundas, técnicas, sobre temas complexos que não são resumíveis a decisões em preto e branco, pelo sim ou não. Uma das perguntas que o PT faria seria esta: “Você é favorável ao financiamento público de campanhas?”. É impossível responder sem mais detalhes, a não ser que o objetivo seja manipular o povo, tachando de “bêbado”, “drogado”, “nazista” e “espancador de mulheres” quem ficar contra a proposta oficial. O certo seria perguntar: “Além de trabalhar cinco meses por ano apenas para pagar impostos e taxas, você é favorável a tirar ainda mais dinheiro da sua família e dá-lo aos candidatos a cargos públicos?”. Mas...
A ideia do plebiscito é bolivariana. O governo da Venezuela, em 2009, propôs ao povo a seguinte questão: “Está de acordo em deixar sem efeito o mandato popular outorgado mediante eleições democráticas ao cidadão Hugo Rafael Chávez Frías?”. A pergunta honesta seria: “Aceita que Chávez nunca mais saia do poder?”. Honestidade não combina com bolivarianismo. No Brasil, a ideia tomou corpo no PT por diversas razões. Uma delas é a genuína vontade do partido de truncar as atuais regras eleitorais, agora que suas vitórias na democracia representativa estão se dando por margens cada vez menores. Para o PT, é vital um método menos arriscado de se perpetuar no poder. Outro objetivo é fazer do plebiscito a regra e dar uma banana para as instituições.
Ditadores são os maiores adeptos da consulta plebiscitária — não por amor à democracia, é óbvio, mas pela facilidade de manipulação. Hitler ganhou plenos poderes na Alemanha em 1934 em um plebiscito em que ficou com 90% dos votos. Em 1936, Hitler obteve 98,8% de aprovação em um plebiscito em que perguntava ao povo se concordava com a militarização da margem oeste do Rio Reno, o que lhe era vedado desde a derrota na I Guerra Mundial. Já sob as botas nazistas, 99,7% dos austríacos disseram sim à unificação com a Alemanha. Mussolini, o fascista italiano aliado de Hitler, consolidou o totalitarismo com 99,8% de votos favoráveis. Napoleão Bonaparte venceu por 90% o plebiscito com o qual sepultou a Revolução Francesa e em que só três em cada 100 franceses votaram. Dilma rebateu críticas à proposta de fazer reforma política por plebiscito com um argumento esfumaçado: “É estarrecedor que se considere plebiscito algo bolivariano... Então a Califórnia faz bolivarianismo”. Hello! A Califórnia é um estado, não um país. Por essa lógica, se a Califórnia tem terremoto e o Japão também, a conclusão deve ser que os californianos falam japonês. Então, à luz da experiência histórica, fica combinado o seguinte: plebiscito com o PT no poder, não, não e não!

A mina de ouro dos contratos públicos

Artigo

À procura de soluções inovadoras para os desafios mais urgentes, governos devem estimular desenvolvimento de maneira estratégica e horizontal

Ricardo Hausmann
Contratos públicos são mina de ouro para estimular  desenvolvimento
Contratos públicos são mina de ouro para estimular desenvolvimento (Patrick Van Gelder/iStock/Getty Images/VEJA)
Ouro é raro. Mais de 99,9% da crosta terrestre é composta de dióxido de silício, alumínio, cálcio, magnésio, sódio, ferro, potássio, titânio e fósforo. Portanto, ao longo da história humana, a humanidade ficou muito entusiasmada quando descobriram ouro. Apesar das consequências ambientais sérias da extração do minério, incluindo poluição por mercúrio e cianeto e a devastação de paisagens, a humanidade não desistiu de procurá-lo – e parece improvável que isso aconteça tão cedo. Mas há uma mina de ouro simbólica – mais segura e potencialmente tão lucrativa quanto a verdadeira – que a maioria dos países possui, mas poucos escolhem explorar completamente: os contratos públicos. 
Os potenciais efeitos adversos dos contratos públicos são conhecidos. Podem permitir que as empresas cobrem preços abusivos por produtos de má qualidade e serviços não confiáveis, facilitando a corrupção, o abuso de poder e o desperdício. Para diminuir esses riscos, a maioria dos países implementou requisitos para abrir processos de licitação e regras de transparência estritas para aquisições públicas. De fato, a maior parte dos acordos de livre comércio recentes exige que os signatários abram seus contratos públicos uns para os outros, e o Banco Mundial publica os nomes das firmas barradas por fraude ou corrupção de participação de licitações em projetos financiados pela entidade. Países que prescindem de processos abertos acabam se envolvendo em diversos tipos de roubos em grande escala, como os que foram verificados na Venezuela e, possivelmente, na Ucrânia, sob o governo do presidente deposto, Viktor Yanukovych.
Mas sob todo este arsênico há ouro. Na maioria das produções modernas está envolvido não só o custo de fazer as coisas, mas também o custo de descobrir como fazê-las. Antes que os fabricantes de aeronaves possam produzir e vender um novo modelo de avião, devem gastar bilhões de dólares ao longo de uma década ou mais de desenvolvimento – gastos que mais tarde devem ser compensados. Se eles não tivessem certeza de que haveria mercado para o novo modelo, poucos assumiriam esses gastos. É onde entram os contratos públicos. 
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Em 1946, por exemplo, o governo dos Estados Unidos emitiu um contrato para a Boeing desenvolver o B-52. O governo obviamente não queria que a companhia entregasse um avião comum; queria a primeira aeronave de bombardeiro estratégico com motor a jato. Afinal de contas, o segundo melhor exército em uma guerra é perdedor. O contrato, portanto, teve que refletir os riscos inerentes em descobrir como projetar e produzir o avião mais avançado de seu tempo. Mas os benefícios da aquisição governamental excederam o seu objetivo específico quando a Boeing usou o conhecimento que adquiriu desenvolvendo o B-52 para criar o seu avião comercial B-707. Embora o governo nunca tenha promovido propositalmente o desenvolvimento de aviões comerciais, a sua aquisição de aeronaves militares tecnicamente avançadas, de alta qualidade, foi essencial para a emergência da indústria aeronáutica americana, líder global. Simplificando: descobrir como fazer alguma coisa continuamente torna mais fácil fazer outras coisas. Desta forma, um governo exigente em relação à qualidade de suas aquisições pode ter um impacto poderoso na evolução da vantagem comparativa de seu país.
O governo de Israel teve um efeito similar através dos seus esforços para gerenciar os seus limitados recursos hídricos. Digamos que o país gasta 100 de alguma unidade por causa da escassez de água. As inovações que o governo incentiva, como sistemas de irrigação por gotejamento e dessalinização, não apenas reduzem o custo doméstico da escassez para, digamos, 70, mas também sustentam uma indústria que, vendendo seus produtos nos mercados mais exigentes, agrega um valor global de mais de mil. Neste sentido, a escassez de água em Israel tornou o país mais rico do que seria sem o problema. Da mesma forma, os investimentos militares de Israel geraram um conjunto de soluções que, com empenho extra, tiveram aplicações civis úteis e lucrativas. Isto ajuda a explicar por que o investimento privado em pesquisa e desenvolvimento constitui uma fatia maior do Produto Interno Bruto (PIB) em Israel do que em qualquer outro lugar do mundo. 
A lição aprendida com a compra de armas pode ser aplicada em outro setor. Os governos têm procurado soluções para os desafios mais urgentes de suas sociedades. Dado que os problemas de um país raramente são singulares, soluções inovadoras podem impulsionar indústrias globalmente competitivas – até mesmo dominantes. E soluções para um problema podem ter aplicações em outras áreas. 
Isto deve servir de modelo à América Latina na sua busca por melhorias no sistema educacional. Atualmente, os oito países latino-americanos que fazem a prova do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), estão entre os quinze piores dos 65 países participantes.
Em vez de gastar quantidades gigantescas de dinheiro em sistemas de ensino de fraco desempenho, os governos latino-americanos devem sem dúvida estar interessados em soluções inovadoras, como o uso do tablet em sala de aula, que pode ajudar os professores a fornecer lições eficazes, monitorar o progresso dos alunos e identificar estratégias para fazê-los melhorar. Além de melhorar o desempenho das crianças, essas iniciativas poderiam impulsionar uma indústria globalmente competitiva de ferramentas de ensino tecnologicamente avançadas. 
Esses são apenas alguns exemplos do valor que pode ser extraído da mina de ouro dos contratos públicos. Comprometendo-se em adquirir grandes quantidades de produtos de alta qualidade para solucionar grandes desafios nacionais, os governos podem encorajar organizações privadas, públicas ou mistas a encarregarem-se dos custos fixos de buscar soluções. Em muitos casos, os benefícios dessas soluções vão se estender para muito além do seu objetivo original.  
Mas, seguindo esse caminho, os governos devem se lembrar de que a mineração é uma indústria potencialmente perigosa, da qual devem se aproximar com cuidado. Para este efeito, poderiam começar aplicando, digamos, 5% do seu orçamento destinado aos contratos públicos para desenvolver soluções urgentemente necessárias em áreas com mercados globais potencialmente grandes. Afinal de contas, qualquer coisa que valha a pena fazer, vale a pena fazer melhor.
Ricardo Hausmann, ex-ministro do Planejamento da Venezuela e ex-economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), é professor de economia na Universidade de Harvard, onde também é diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional.
(Tradução: Roseli Honório)
© Project Syndicate 2014
Tradução: Roseli Honório

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