sexta-feira 25 2014

Homem forte de Paes opera esquema de corrupção no Rio

Rio de Janeiro

VEJA teve acesso a gravações que mostram um esquema de desvios na prefeitura do Rio de Janeiro comandado pelo deputado Rodrigo Bethlem (PMDB), secretário de Governo da administração Eduardo Paes

Thiago Prado, do Rio de Janeiro
O prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ) em 2013
O prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes e o deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ) em 2013 (Armando Paiva/Futura Press)
O medo de ser alvo de denúncias paira há tempos na mente do deputado federal Rodrigo Bethlem (PMDB-RJ), um dos homens fortes do governo Eduardo Paes desde 2009. "Tô de saco cheio de ficar sempre lendo jornal sem saber se vai sair uma denúncia. Estamos na era do escândalo", chegou a dizer assustado, nem imaginando que chegaria o dia em que as suas falcatruas viriam a público com riqueza de detalhes. VEJA teve acesso a áudios e vídeos que escancaram um esquema de corrupção funcionando dentro da prefeitura do Rio de Janeiro a partir da atuação do parlamentar. Dinheiro da área social da gestão Paes foi desviado segundo confissão de ninguém menos que o próprio Bethlem, em uma conversa sobre o divórcio de seu casamento de 16 anos. O Ministério Público do Rio já foi avisado sobre a existência das provas contra o peemedebista.
As gravações são contundentes e não deixam dúvidas sobre o balcão de negócios instalado pelo deputado. Bethlem – que se licenciou da Câmara dos Deputados em 2009 e passou pelas pastas de Ordem Pública, Assistência Social e, por fim, a secretaria de Governo – fala claramente que recebia uma espécie de mesada a partir de convênios da prefeitura. O diálogo de cerca de duas horas ocorreu em agosto de 2011 com a sua então esposa, a ex-deputada federal Vanessa Felippe Bethlem. Na ocasião, o deputado ainda tocava a área social do município e preparava-se para ser um dos coordenadores da campanha de reeleição de Paes. A pauta do casal envolvia especulações sobre o futuro político de Bethlem e o pagamento de uma pensão para o sustento da casa e dos seus dois filhos. Na conversa, depois de relatar que tipo de despesas estaria disposto a bancar, Bethlem afirma que sua principal fonte de renda era um convênio da prefeitura chamado Cadastro Único. "Eu tenho de receita em torno de 100 000 reais por mês", afirma na gravação com a maior naturalidade do mundo, explicando que do contrato retirava entre 65 000 e 70 000 reais por mês. Nomeado como secretário de Paes, Bethlem optou pelo salário maior de deputado – ou seja, só deveria ter direito a um rendimento bruto de 26 723,13 reais, equivalente a cerca de 18 000 reais mensais líquidos.
O convênio em questão foi fechado com uma ONG chamada Casa Espírita Tesloo. Mais conhecido pela sigla Cad Único, foi assinado em 2011 por 9,6 milhões de reais e tinha o objetivo de atualizar o cadastro feito pela prefeitura para 408 000 famílias receberem os programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. Mas ONG tem um histórico muito maior de contratos com a prefeitura – o que leva a crer que o assalto aos cofres públicos é ainda mais escandaloso. Desde 2009, a Tesloo faturou cerca de 72,8 milhões de reais do governo Paes para administrar abrigos e centros de acolhimento de dependentes químicos. Só de aditivos no período, foram 18 no total de 22,6 milhões de reais. Nos áudios, Bethlem explica para Vanessa que está com dificuldades de receber a mesada porque a ONG não estava prestando contas corretamente. Na ocasião, o Tribunal de Contas do Município encrencara com o convênio e travara os repasses da prefeitura: "O cara não prestou contas direito, o cara é um idiota, um imbecil. Não pude pagar, não recebi", reclama irritado para Vanessa.  
"O cara" citado por Bethlem é o dono da Tesloo, o major reformado Sérgio Pereira de Magalhães Junior. O oficial criou a ONG em 2002 para atuar na área social junto com a mãe, o irmão e uma esposa. A instituição começou a abocanhar contratos com o município do Rio desde a gestão César Maia, mas foi com Paes e Bethlem que o faturamento da Tesloo explodiu. Além das generosas relações políticas, Magalhães Junior tem no currículo um passado truculento enquanto esteve na ativa na Polícia Militar. Há registro de 42 autos de resistência de sua autoria – ou seja, foi esta quantidade de bandidos que o major matou em confrontos. A Polícia Civil do Rio também investiga o envolvimento do dono da Tesloo com milícias na Zona Oeste.
Não é a primeira vez que o deputado vê seu nome ligado a personagens de atividades nebulosas. Filho da atriz Maria Zilda Bethlem, foi subsecretário de Governo de Rosinha Garotinho em 2006. Lá nomeou como seu assessor especial o bombeiro Cristiano Girão, perigoso miliciano da Zona Oeste do Rio de Janeiro preso desde 2009. A relação de Bethlem com grupos de extermínio também foi alvo da CPI das Milícias da Asssembleia Legislativa do Rio em 2008. O deputado foi arrolado como testemunha de defesa de um homicídio a que eram acusados os irmãos Jerônimo e Natalino Guimarães, ex-vereador e ex-deputado estadual líderes Liga da Justiça, o mais perigoso grupo paramilitar do Rio.
O Tribunal de Contas do Município chegou a pedir em 2012 para a prefeitura não renovar mais qualquer convênio com a Tesloo por indícios de fraudes nos contratos, mas até este ano a ONG continuava a ter contratos ativos no governo Paes. O TCM encontrou de tudo nos contratos analisados: desde ausência de notas fiscais para determinados pagamentos até o superfaturamento na compra de alimentos.
Durante a conversa gravada, a existência de outra mesada para complementar a renda acaba vindo à tona, desta vez relacionada a um contrato de fornecimento de lanches nas ONGs que prestam serviço na área social. Neste caso, o rendimento é menor – cerca de 15 000 reais, conta o deputado. "Até quando? ", pergunta Vanessa. "Até quando existir convênio", responde Bethlem sem titubear. Fica acertado pelo casal, depois de alguns bate bocas, o pagamento de cerca de 45 000 reais por mês para Vanessa. Bethlem explica na gravação que entregará um pouco menos da metade dos seus rendimentos porque precisará de dinheiro para reestruturar a sua vida. A ex-mulher aceita a oferta no fim das contas.   
O pagamento da pensão era feito sempre em dinheiro vivo e entregue na casa de Vanessa pelo motorista de Bethlem. Um vídeo mostra o exato momento da entrega de uma remessa de 20 000 reais para Vanessa. A ex-mulher reclama não agüenta mais ser paga desta forma. "Não vou mais receber dinheiro por fora e me ferrar com o imposto de renda", esbraveja no áudio para o motorista. "Já estou recebendo dinheiro por fora do Rodrigo há mais de um ano", completa. 
O divórcio implodiu o casal, mas os filhos e a política jamais irão separa-los por completo. Em 1994, aos 22 anos, Vanessa elegeu-se a deputada federal mais jovem do Congresso Nacional pelo PSDB. Filha do vereador carioca Jorge Felippe, presidente da Câmara Municipal e cacique do PMDB fluminense, casou-se com Bethlem e com ele teve dois filhos. Um deles, Jorge Felippe Neto será candidato a deputado estadual este ano, o que revoltou a mãe que também pretendia voltar para a política e se candidatando a federal pelo PSL roubando votos em redutos do ex-marido. A ideia de colocar o jovem de 22 anos na política foi da dupla Jorge Felippe e Bethlem, que mantém excelentes relações mesmo com o divórcio .
Atualmente, Bethlem e o secretário da Casa Civil, o também deputado federal licenciado Pedro Paulo Teixeira, são os quadros mais importantes da prefeitura comandada por Eduardo Paes. A ponto de estarem divididas entre os dois as apostas sobre quem irá sucede-lo no município – Leonardo Picciani, filho de Jorge Picciani, corre por fora. Pois, diante das gravações das suas conversas com a sua ex-mulher, não resta dúvida que as pretensões de Bethlem estão sepultadas por ora.
Bethlem
- Minha principal fonte de receita hoje na prefeitura, que é um convênio do Cad único... O cara simplesmente não prestou contas...
Conversa entre Vanessa e Bethlem:                                                                                       Vanessa- Por que você está falando baixo? Não tem ninguém aqui.
Bethlem
- Porque eu simplesmente tô (sic) paranoico.
Vanessa
Paranoico por quê?
Bethlem
Telefone. Você sabe que os caras entram no telefone e vira um autofalante
Vanessa
- E você tem motivo para ficar paranoico?
Bethlem
- Como todo mundo. Você acha que alguém vai te denunciar no MP, por quê?
Vanessa
- Por quê?
Bethlem
- Porque eu sou alvo, Vanessa.

James Taylor You've Got A Friend





Pasadena – Lula tentou interferir em julgamento do TCU. Até vaga no STF foi usada para pressionar ministros a aprovar operação; deu errado! US$ 792 milhões de prejuízo é apenas parte da herança maldita do PT na Petrobras

Veja.Com

José Múcio: ministro do TCU foi chamado a SP por Lula para discutir Pasadena
José Múcio: ministro do TCU foi chamado a SP por Lula para discutir Pasadena
O julgamento do TCU sobre a compra da refinaria de Pasadena entrará para a história como um emblema da ação do PT na gestão ruinosa da Petrobras. Destaco mais uma vez: tratou-se da investigação de uma única operação numa única empresa. Prejuízo: US$ 792 milhões. Imaginem quando o país tiver condições de fazer a devida contabilidade do tamanho do estrago… Ainda chegará a vez de analisar a refinaria de Abreu e Lima, por exemplo.
E olhem que esse relatório do TCU foi negociado, com muitas idas e vindas. Há versões bem mais severas.  Mas já se falou bastante a respeito. O meu ponto agora é outro. Luiz Inácio Lula da Silva, ele mesmo!, tentou pessoalmente interferir no resultado do julgamento do TCU.
Chamou para uma conversa em São Paulo, no que foi atendido, o ministro Múcio Monteiro, que foi titular das Relações Institucionais em seu governo e está hoje no TCU. O chefão petista queria que o seu interlocutor fosse o portador de mensagem sobre a necessidade de não se condenar ninguém. Ele sabe o que disse a Múcio, e Múcio sabe a conversa que manteve com os seus pares de tribunal. Lula, no entanto, não logrou o seu intento.
Na tentativa de impedir a condenação da operação, acreditem!, até mesmo uma vaga no Supremo Tribunal Federal — vocês leram direito! — passou a circular como moeda de troca. O contemplado seria justamente alguém do TCU. Tivesse se realizado o negócio, creio que a nomeação entraria para o livro de recordes como a mais cara cadeira jamais entregue a um ministro de corte superior no Ocidente. Em reais: teria custado  R$ 1.758.240.000,00.
E esse foi apenas parte do jogo pesado. José Jorge, relator do caso no tribunal, passou a ser ameaçado de forma nada velada com uma avalanche de denúncias envolvendo o seu nome caso insistisse na condenação da operação. Resistiu. Os companheiros não brincam em serviço. Nunca! Também não aprendem nada nem esquecem nada. 
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

Ariano Suassuna – As armas do Barão Assinalado

24/07/2014
 às 15:06

Veja.Com

Ariano Suassuna, um gênio da "raça brasileira"
Ariano Suassuna, um gênio da “raça brasileira”
Lamento, e nem poderia ser diferente, a morte do poeta, dramaturgo, romancista e professor, entre tantas outras coisas, Ariano Suassuna, de 87 anos. Era um gigante. Seu corpo será sepultado nesta quinta, às 16h, no cemitério Morada da Paz, em Paulista, na região de Recife.
Em 1998, a revista Bravo!, da qual eu era redator-chefe, dedicou-lhe uma matéria de capa. Escrevi o texto principal, centrado no “Romance da Pedra do Reino”. Ariano me telefonou numa alegria imensa. Havia em homem tão monumental um quê de alegria quase infantil pelo reconhecimento daquela que ele também considerava sua grande obra e que era e é subestimada. Tanto é assim que, numa entrevista, que está reunida num trabalho acadêmico, afirmou: “(…) as pessoas geralmente me aceitam como dramaturgo, mas têm um pé atrás em relação à Pedra do Reino. E, para mim, a Pedra do Reino é minha obra mais importante. Reinaldo Azevedo, da Revista Bravo, pela primeira vez disse que em relação à Pedra do Reino havia uma campanha de silêncio, e há. Há uma má vontade, alguma coisa com o desconhecido, eu não sei (…)”.
Ariano foi durante um bom tempo ensaísta da revista. Era uma honra imensa editar seus artigos.
Em homenagem a Ariano, reproduzo aqui o texto que escrevi para a Bravo!, reunido no meu primeiro livro, “Contra o Consenso” (Editora Barracuda).*No domingo final deste mês de maio [1998], como em todos os outros, já há seis anos, uma cavalhada no sertão pernambucano consagra o escritor Ariano Suassuna como o inspirador de uma festa popular e celebra alguns dos fundamentos míticos da identidade nacional. Um grupo de cavaleiros paramentados com as alegorias, as armas e as bandeiras de inspiração medieval vai deixar a sede do município de São José do Belmonte (PE), já na divisa com a Paraíba, e andar 30 km até a Pedra do Reino, duas elevações rochosas de trinta e 33 metros de altura, para relembrar, por intermédio da cavalgada sertaneja, os macabros acontecimentos que lavaram as rochas de sangue entre os dias 14 e 18 de maio de 1838, há exatos 150 anos.
Um movimento messiânico, autoproclamado sebastianista, conduziu à morte pelo menos 83 pessoas — trinta delas crianças — em quatro jornadas cruentas. Nas três primeiras, os líderes exortaram os fiéis ao suicídio e ao infanticídio por suposta ordem de d. Sebastião — o rei português desaparecido aos 24 anos na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578 —, que, em paga, não só lhes devolveria a vida como ali desencantaria para instaurar um reino da justiça e da liberdade. Na quarta jornada, fazendeiros e a polícia comandaram uma expedição contra os fanáticos, que resultou na morte de trinta fiéis. É essa a expedição recontada pela cavalhada.
O que deu asas à imaginação do líder do tal movimento, João Antônio dos Santos, foram versos de um folheto de cordel sobre a volta de d. Sebastião. Daí por diante, tudo indica, ele e um cunhado, João Ferreira, usaram toda sorte de pilantragem para extorquir dinheiro dos fazendeiros e juntar uma massa de fanáticos que passaram a incomodar os poderosos e a própria Igreja Católica. Euclydes da Cunha, na parte O Homem, de Os Sertões, assim fala da Pedra do Reino: “O transviado encontrara meio propício ao contágio de sua insânia. Em torno da ara monstruosa, comprimiram-se as mães erguendo os filhos pequeninos e lutavam, procurando-lhes a primazia no sacrifício… O sangue espadanava sobre a rocha jorrando, acumulando-se em torno (…)”. José Lins do Rêgo também explorou o massacre em Pedra Bonita.
Mas foi com o paraibano Ariano Suassuna que aqueles episódios sangrentos serviram de pretexto para uma obra-prima, o seu Romance d’A Pedra do Reino. O livro — um catatau de 623 páginas editado em 1971 pela editora José Olympio — deu origem à festa popular. Tal sucessão é inédita na história do país: a realidade copiou o folhetim popular, pagou seu tributo sangrento em história, voltou à letra impressa pela pena de Ariano e, de novo, ganhou curso entre os homens do povo. É a síntese viva do Movimento Armorial criado pelo autor na década de 1970.
Substantivo em português, adjetivo na releitura de Ariano, o termo armorial designa o conjunto de bandeiras, insígnias e brasões de um povo. Ariano diz à Bravo!, em entrevista a Bruno Tolentino, que a heráldica, no Brasil, é, antes de tudo, popular. É o homem do que ele chama “quarto estado” que tem paixão por esses signos, expressa, por exemplo, nas bandeiras de futebol. Daí a escolha do nome “armorial” para um movimento que busca “as raízes populares da cultura brasileira para chegar a uma arte erudita”.
Mas aqui começam os problemas. Das suas origens — filho de latifundiário — às pelejas intelectuais ao longo da vida, o autor, que jamais viajou ao exterior, tem sido vítima de uma espécie de patrulha cosmopolita, que se manifesta pelo silêncio. Se seu teatro mereceu a acolhida da crítica, sua prosa foi e tem sido estupidamente ignorada. Esgotado há mais de 20 anos, A Pedra do Reino é um monumento da literatura moderna de expressão portuguesa dificilmente igualável por qualquer critério que se queira e faz de Ariano o maior prosador brasileiro vivo. Mas o que tanto incomoda a tal vigília nada cívica?
Ariano é um autor que bebe cristalinamente nas fontes da literatura ibérica e do catolicismo medievais. Para entender o seu teatro, por exemplo, é preciso penetrar no universo picaresco e no catolicismo popular em que o Bem e o Mal (Calderón de la Barca, Gil Vicente, Padre Anchieta) disputam a alma humana e lhe ditam nortes éticos distintos. Estamos no mundo da queda e da redenção. A queda se revela em linguagem farsesca, conivente com o público em sua malandragem. À redenção expressa o fundamento da remissão dos pecados, geralmente pela intervenção divina. As personagens de Ariano, no entanto, não são as mesmas da pequena burguesia ordinária da Trilogia da Barca do Inferno, de Gil Vicente, por exemplo. Seu universo é o do homem do Nordeste, da cultura sertaneja. A forma de seus autos se deixa influenciar pelo teatro de bonecos, pelo mamulengo.
Há nesse arranjo tudo de intenção. Ariano faz escolhas, patentes também em sua prosa. É ele quem diz: “Toda cultura universal é primeiramente local. Dom Quixote, de Cervantes, expressa a realidade de Castela. Shakespeare é elisabetano. Quando leio Dostoiévski, encontro ali os dramas do homem segundo o ponto de vista e a cultura da Rússia. Eu, então, me baseio na cultura popular brasileira para fazer meu teatro, meus romances, minha poesia”. Ocorre que Ariano escreve sobre o Brasil em língua de origem inequivocamente portuguesa sem jamais flertar com qualquer vanguarda ideológica ou formalista que lhe desculpe essa herança. Não se vê nele nem mesmo um herdeiro da Geração de 30, como às vezes se quer.
Não se lê em Ariano a preocupação de ideologizar o romance nordestino ou, mais amplamente, a prosa ou a cultura nordestinas, no mesmo tom de denúncia ou de recaída naturalista que marcaram a geração de escritores do Nordeste emigrados para o Rio. Ele também não flertou com realismos socialistas ou morenices sensualistas. E, nem por isso, falou de um ponto de vista menos compromissado. E é em seus compromissos que estão sua grandeza e seu assumido limite. N’A Pedra do Reino, já observou o crítico Wilson Martins no ensaio “Romance Picaresco?” [in Pontos de Vista, vol. 9, T. A. Queiroz Editor, pp. 175-80], Ariano não optou pela farsa ou pelo picaresco em busca do norte moral. O texto costura os traços fundadores da cultura brasileira e em seu percurso confronta teorias diversas sobre a terra e a gente do Brasil.
Ao voltar aos episódios cruentos da Pedra Bonita (nome original do lugar), Quaderna — o personagem-narrador que pretende, cem anos depois, usar os acontecimentos ali havidos para fazer a grande epopéia nacionalista brasileira — não é outro senão o próprio Ariano. As personalidades com as quais convive estão divididas entre as correntes de pensamento que ditaram as vogas ideológicas na década de 1930: integralistas, comunistas e intelectuais de formação européia. Em suas páginas se debatem temas como a função da arte, o confronto entre o Estado e o indivíduo e entre os valores éticos e os estéticos. Num texto que prefere o universo rural ao urbano, a cultura regional a supostos temas universais, o alter ego de Ariano transita entre Sílvio Romero e Joaquim Nabuco e vai compondo um imenso e fecundo painel da cultura brasileira. Em prosa, talvez a mesma tentativa, mas com divisas assumidamente ideológicas e urbanas e numa dimensão reduzida, tenha sido feita por Paulo Francis em Cabeça de Negro. Nos dois casos, estamos diante de romances de idéias.
E elas mudam. Embora considere a sua principal obra, Ariano afirma a Bravo! que submeteria A Pedra do Reino a mudanças: “Eu gostaria de acrescentar um pouco do urbano. O livro também seria mais curto, como está sendo editado agora em Paris. Eu praticamente o refiz”. Ele se refere à versão francesa — La Pierre du Royaume —, assinada por Ydelette Muzart, publicada em março pela editora Métailé. A capa traz um subtítulo provocativo: “Versão para europeus e brasileiros de bom senso”.
Quem refaz também renega. Ariano rejeita hoje a continuação d’A Pedra: História d’O Rei Degolado, publicada em 1977, o segundo volume da prevista trilogia que se completaria com Sinésio, O Alumioso. E explica a razão: “O elemento pessoal entrou com uma força que eu não desejava”. O autor se refere aos episódios que antecederam a Revolução de 30, que resultaram nos assassinatos de seu pai, João Suassuna, e de João Pessoa, então presidente do Estado da Paraíba, transfigurados e transportados para o texto.
Ariano conta que cresceu lendo nos jornais e nos livros de história que seu pai, representante das forças rurais, era o mal, e que João Pessoa, seu adversário, era o bem. Fez o que um filho de bem pode fazer diante do corpo tombado do pai: tomou o seu partido. Diz um de seus sonetos: “Aqui reinava um rei, quando eu menino/ Vestia ouro e castanho no gibão (…) Mas mataram meu pai. Desde esse dia/ Eu vivo como um cego, sem meu Guia,/ Que se foi para o Sol, transfigurado./ Sua efígie me queima. Eu sou a presa,/ Ele a Brasa que impele ao Fogo, acesa,/ Espada de ouro em Pasto ensanguentado”. O mesmo compromisso que o fez refletir em sua obra a sua própria história também o levou a uma espécie de retiro literário. Já “passando da idade madura para a velhice”, o escritor diz ter entendido que os episódios de 30 estavam longe de refletir a luta do bem contra o mal, mas “o confronto entre privilegiados do campo e os privilegiados da cidade”.
Ariano não é, evidentemente, o primeiro autor brasileiro a incorporar a cultura popular à narrativa com um sentido de estudo. Antes dele, Mário de Andrade fez de Macunaíma uma espécie de síntese dos falares brasileiros. Mas há uma diferença: quando Mário não é apenas o turista descritivo ou o compilador dos cocos, sua visão de Brasil é pessimista. Comparem-se Macunaíma e o João Grilo de O Auto da Compadecida. O primeiro merece o epíteto de anti-herói; o segundo, não. Grilo é um herói de fato, é, como diz Ariano, o quarto estado vencendo a burguesia, o clero e a nobreza. Macunaíma é a melancolia tropical. Que o Mário de Macunaíma seja considerado um gênio em certos círculos acadêmicos, e Ariano, ignorado é compreensível: afinal, o primeiro representa os nossos mais acalentados sonhos de derrota, e o segundo aponta para um futuro possível, para um sonho de vitória.
Com frequência, a inteligência brasileira está preparada para perder, jamais para ganhar (FHC chama a isso de fracassomania…). A alegria é uma espécie de exotismo reservado aos Joões Grilos do povo, que se deve experimentar com o distanciamento crítico de um antropólogo. Ademais, Ariano não aproveitou os seus estudos para alimentar discursos antropófagos de fácil deglutição, não juntou Carmen Miranda e coca-cola para vencer o complexo de autor subdesenvolvido situado na cloaca do mundo. Até porque sempre falou das alturas. 
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

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