quarta-feira 11 2015

Epa! O tal artigo 86 da Constituição não “blinda” a presidente Dilma contra acusações, não! Qualquer presidente pode ser afastado — em processo que começa na Câmara dos Deputados e que pode terminar em condenação, com perda do cargo, pelo Senado. É o que dizem a Constituição e a lei

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constituição e congresso
Um grande número de leitores do blog manifestou-se indignado com o fato de que um presidente da República, conforme o artigo 86 da Constituição, “na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das funções”.
Embora esteja ali no texto da Constituição há mais de 26 anos, desde outubro de 1988, esse artigo só chamou a atenção por ter sido invocado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, em sua decisão de não considerar o pedido de investigação da presidente Dilma Rousseff sobre envolvimento nos crimes do petrolão — seguindo recomendação nesse sentido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Sempre prestimoso, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, logo se apressou a explicar que Zavascki invocou também (e não exclusivamente) o artigo 86 como uma espécie de reforço jurídico para seu despacho, mas que, na verdade, “ela [Dilma] não foi investigada porque não há fatos, não há indícios, [e portanto] não há nada a arquivar”.
Muitos leitores do blog, e pelo que pudemos constatar, muitos brasileiros de todos os recantos, declararam-se furiosos não apenas contra o despacho do ministro, mas também por entenderem que a Constituição concede uma espécie de imunidade jurídica aos presidentes da República.
ENGANO! Pura balela!
Os presidentes da República são imunes a investigações criminais, enquanto ocupam o cargo, por fatos ANTERIORES à sua condição de chefe de Estado — e esse tipo de medida existe em quase todos os países democráticos. Visa, basicamente, a não permitir que uma administração seja tumultuada por processos, muitos deles sem qualquer fundamento, de cunho político-eleitoral, não relacionados à atividade presidencial.
A bronca contra a decisão de Zavascki e contra o artigo relaciona-se à interpretação de que, se houve, digamos, dinheiro sujo na campanha de Dilma à reeleição (estamos, esclareço, no terreno das hipóteses), como a campanha nada tinha a ver com “o exercício de suas funções” como presidente , mesmo na evidência de roubalheira a presidente escaparia de qualquer punição.
Há, contudo, um enorme PORÉM nessa história.
Os presidentes da República, em pleno exercício de seus poderes e prerrogativas, podem ser, sim, afastados do cargo em razão de crimes de responsabilidade definidos na mesma Constituição do tal artigo 86.
Vejam só o que diz o artigo imediatamente anterior ao 86:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
“I – a existência da União;
“II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
“III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
“IV – a segurança interna do País;
“V – a probidade na administração;
“VI – a lei orçamentária;
“VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
“Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.
Essa lei especial já existe desde 1950. É a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. Como dizem os juristas, ela foi “absorvida” pela Constituição de 1988 e, portanto, está em vigor.
E sabem como seria o processo, em caso de crime de responsabilidade — digamos, do crime de atentar contra “a probidade da administração”?
Quem decide sobre se houve crime de responsabilidade não é a Justiça, mas a Câmara dos Deputados.
Quem denuncia a ou o presidente não é o Ministério Público — qualquer cidadão no uso dos direitos civis ou pessoa jurídica pode apresentar acusação contra a presidente, perante a Câmara.
Oferecida a denúncia, e seguidos alguns trâmites previstos na lei, se constituiria uma comissão de deputados para examinar o caso, seriam ouvidas testemunhas e consultados documentos.
O parecer da Câmara seria levado ao plenário. Há todo um ritual a ser seguido segundo a lei, com número de oradores que podem falar defendendo uma e outra tese e vários outros detalhes.
“Se da aprovação do parecer [pelo plenário da Câmara] resultar a procedência da denúncia, considerar-se-á decretada a acusação pela Câmara dos Deputados”, diz a lei.
Aí, quem JULGA não é o Supremo, nem outro órgão do Judiciário, mas o SENADO DA REPÚBLICA, sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, tanto o legislador constituinte como o legislador comum, autor da lei que define os crimes de responsabilidade, decidiram que o assunto é POLÍTICO, e que deve ser resolvido NO PLANO POLÍTICO.
A decisão pode ser a de afastar o presidente, e está no artigo 34: “Proferida a sentença condenatória, o acusado estará, ipso facto destituído do cargo.” É o impeachment. O Senado ainda poderá fixar um prazo para que o presidente afastado seja inabilitado para ocupar cargos públicos.
A lei é minuciosa na descrição das diferentes possibilidades de crimes de responsabilidade, definindo nada menos do que 56 diferentes modalidades de hipóteses delituosas, espalhados por oito diferentes capítulos, que vão desde o capítulo I, “dos crimes contra a existência da União” até o capítulo VIII, que explicita os “crimes contra o cumprimento de decisões judiciárias”.
Do ponto de vista técnico, um pedido de impeachment contra a presidente Dilma que levasse em conta sua possível responsabilidade no escândalo do petrolão precisaria valer-se do capítulo VI, que trata “dos crimes contra a probidade na administração”.
E, dentre os sete delitos ali descritos, um dos seguintes dois, ou ambos: o do item 3, “não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição, ou, ainda mais ao ponto, o do item 7, vago o suficiente para ser interpretado de acordo com a temperatura social e o ambiente político: “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”
Dinheiro sujo de campanha eleitoral para alguém no exercício do cargo cabe perfeitamente neste item 7.

A ressaca petista pós-Barusco


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Deputados Sibá Machado, José Guimarães e Luiz Sérgio
Deputados Sibá Machado, José Guimarães e Luiz Sérgio(VEJA.com/Divulgação)
O PT perdeu a primeira batalha na CPI da Petrobras. O depoimento de Pedro Barusco, ex-gerente da diretoria de Serviços, tirou força da tese sustentada pelo partido para incluir o governo Fernando Henrique Cardoso no foco da investigação. Os relatos sobre a propina paga ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, e sobre uma doação ilegal à campanha de Dilma Rousseff também não ajudaram. Na reunião da bancada do PT, depois da sessão da CPI, alguns parlamentares fizeram reparos à postura dos integrantes da CPI - a linha de frente é formada Afonso Florence (BA), Valmir Prascidelli (SP) e Maria do Rosário (RS). A avaliação é que, embora Barusco não tenha acrescentado qualquer novidade aos depoimentos que prestou à Justiça, o PT não se impôs e deixou de explorar lacunas no discurso do ex-gerente. Alguns petistas defendem uma mudança nos nomes da bancada na CPI. No início da noite, tardiamente, o partido acabou emitindo uma nota na qual volta a negar a prática de caixa dois e acusa Barusco de não apresentar provas de suas acusações. (Gabriel Castro, de Brasília)

Suíça bloqueou fortuna de US$ 67 mi de Barusco antes de delação


Ex-gerente de Serviços da Petrobras é investigado na Holanda por contrato com a SBM Offshore

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Ex-gerente de Engenharia da Petrobras Pedro Barusco teve conhecimento de que seus bens na Suíça estavam congelados pelo menos cinco meses antes de fechar acordo de delação na Lava Jato(Ueslei Marcelino/Reuters)
O ex-gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco, um dos delatores do petrolão, entregou à Justiça Federal do Paraná cópias de ordens de bloqueio das contas que operava em bancos na Suíça - e por onde passaram 67 milhões de dólares. O bloqueio se deu cinco meses antes de Barusco fechar acordo de delação premiada com a Justiça, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. Ele falou nesta terça-feira por mais de cinco horas à CPI da Petrobras. E afirmou à comissão que foram solicitados 300.000 dólares do megaesquema de lavagem de dinheiro para serem injetados na campanha de Dilma Rousseff à Presidência em 2010.
Antes de fechar acordo de delação com a Lava Jato, o mais organizado dos delatores quanto ao registro contábil da propina recebida na Petrobras soube que todo o patrimônio que havia acumulado em mais de dez anos de corrupção na estatal estava congelado. Barusco tomou conhecimento do fato em março de 2014, quando deflagrou uma operação para salvar a fortuna suja.
Alvo de investigação aberta na Holanda em 2013 por corrupção de agente público estrangeiro e lavagem de dinheiro, Barusco foi um dos funcionários da estatal que receberam propina da holandesa SBM Offshore - uma das maiores empresas na área de navios-sondas. A investigação cita que a propina pode estar relacionada ao contrato de 3,5 bilhões de dólares que SBM fechou com a Petrobras em 2013 para a construção das plataformas Cidade de Saquarema e Cidade de Maricá, no Rio de Janeiro. Segundo o documento de bloqueio, a empresa teria pago 139 milhões de dólares a intermediários e funcionários da Petrobras para conseguir o negócio.
Entre os documentos entregues à Justiça estão ainda extratos bancários, anotações sobre os valores, além das contas e empresas offshores usadas por Barusco no esquema de corrupção.
(Da redação)

Como os acordos de leniência ditarão os rumos do petrolão


Chamado de ‘Proer das empreiteiras’, acordos emperram em meio a jogo de interesses envolvendo o Palácio do Planalto, os empresários e o Ministério Público Federal

Por: Ana Clara Costa - Atualizado em 
Lava Jato: empreiteiras buscam leniência para continuar prestando serviços ao governo(Avener Prado/Folhapress)
Desde novembro de 2014, quando teve início a fase 'Juízo Final' da Operação Lava Jato, que colocou atrás das grades onze executivos de empreiteiras, uma nova rotina se formou nas salas da Controladoria Geral da União (CGU), em Brasília. Advogados das principais bancas do país, representando as empresas envolvidas no petrolão, passaram a ser recebidos com frequência quase semanal por técnicos do órgão. Estavam interessados em discutir um artigo específico da Lei Anticorrupção: o 16º, que detalha o acordo de leniência - espécie de delação premiada para empresas, válida apenas na esfera administrativa, e que permite que a companhia infratora continue prestando serviços para o governo.
A leniência não é uma completa novidade no Brasil. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já concede desde 2003 esse tipo de benefício a empresas envolvidas em cartéis. Mas o mecanismo criado pela Lei Anticorrupção é novo - e a lei ainda não foi sequer regulamentada. Tudo está em discussão. Sabe-se que a CGU é competente para celebrar os acordos no âmbito do Poder Executivo federal, mas ela deve contar com apoio ou supervisão de outros órgãos? É apenas a primeira empresa a reconhecer a participação em um esquema ilícito que se beneficia, ou as demais também podem aderir mais tarde à leniência? A empresa investigada precisa reconhecer que houve crimes ou basta apontar "falhas graves" de governança? A resposta a essas perguntas varia conforme os interesses de cada envolvido - o governo, o Ministério Público e os empresários. Preocupações econômicas legítimas misturam-se a razões políticas que, para usar o jargão da moda, nem sempre são "republicanas". O desenho que se der à leniência deve influir de maneira significativa nos destinos do petrolão, e certamente vai moldar o futuro do combate à corrupção no Brasil.
Ao longo dos últimos meses houve algumas tentativas de aplicar a leniência às empreiteiras envolvidas no petrolão. Nenhuma delas foi bem sucedida. Ainda no ano passado, o procurador-geral da República Rodrigo Janot tentou amarrar um acordo coletivo, que abrangeria todas as empresas citadas. Elas reconheceriam danos de cerca de um bilhão de reais aos cofres públicos e devolveriam o dinheiro. Quem esteve próximo das negociações diz que Janot fazia lobby para que o dinheiro "recuperado" fosse aplicado na modernização do sistema prisional. Mas o projeto foi abandonado depois de sofrer bombardeio por diversas frentes. Não havia consenso entre as empreiteiras. O Ministério Público Federal se opunha frontalmente à ideia. Analistas julgavam arbitrária a cifra de um bilhão de reais - e o avanço das investigações mostrou que, de fato, o montante da corrupção na Petrobras alcança, no mínimo, quatro bilhões.
Arte Leniência
Arte Leniência(VEJA.com/VEJA.com)
Em janeiro, a ideia de um grande acordo capitaneado pela CGU voltou à baila. Tendo como patrono, dessa vez, o advogado geral da União (AGU) Luis Inácio Adams, notoriamente ligado ao PT e eterno candidato do partido a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Adams afirma que suas preocupações são puramente institucionais. "Meu papel é harmonizar a atuação de todos os órgãos envolvidos nesse debate", disse recentemente a jornalistas. Mas seus colegas, servidores de carreira da advocacia geral da União, já o acusaram publicamente de operar em favor dos interesses do Planalto, para quem uma quebradeira no setor das empreiteiras se converteria em custo econômico e custo político quase impossíveis de administrar.
Na véspera do carnaval, Adams articulou para que fosse editada, a toque de caixa, uma regra que tornava o Tribunal de Contas da União (TCU) uma espécie de guardião e fiador dos acordos de leniência firmados pela CGU. A participação do TCU no processo não está prevista na legislação. É uma jabuticaba jurídica, pois transforma em agente do acordo de leniência o órgão administrativo que poderia depois contestá-lo. Mas o propósito parece ser exatamente esse - reduzir as chances de um questionamento posterior. Adams não é o único que faz gestões junto ao tribunal. Na semana passada, o recém-nomeado ministro da CGU Valdir Simão - apadrinhado pelo ministro da Casa Civil Aloízio Mercadante - passou cerca de duas horas tentando convencer um ministro do TCU de que o ressarcimento ao Estado previsto na leniência deve ser fixado em 3% do valor de cada contrato superfaturamento firmado pelas empreiteiras com a Petrobras. O TCU rechaça o cálculo por avaliar que o porcentual não remunera o desvio total das obras.
Desde o início, o maior opositor da leniência tem sido o Ministério Público Federal. Encarregado de conduzir, juntamente com a Polícia Federal, a investigação criminal contra os operadores e beneficiários do petrolão, o órgão sempre entendeu que, ainda que o acordo de leniência aconteça na esfera administrativa, ele pode atrapalhar a apuração na esfera criminal.
Oficialmente, o MPF afirma que aceitaria um papel de observador nos acordos, trabalhando em conjunto com a CGU para impedir que as empresas se beneficiem da leniência apresentando informações que ficam aquém daquilo que os investigadores já apuraram. Mas é forte entre os procuradores a crença de que a punição dos envolvidos no esquema de corrupção deve ser prioridade máxima, mesmo que para isso seja necessário levar as empresas à falência. "Se a empresa tiver de quebrar, que quebre. Paciência. A Delta foi declarada inidônea, ou seja, foi impedida de celebrar novos contratos com o poder público, mas continua operando, ainda que muito menor do que antes", afirma um procurador que pediu para não ter seu nome citado.
Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho, também é improvável que haja uma cooperação entre o MPF e qualquer órgão submetido ao Executivo na questão dos acordos. "É o MPF que está à frente da investigação e sabe se já é o momento de celebrar o acordo. A CGU caiu de paraquedas", diz.
Vão na mesma linha as declarações do procurador do MP junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira. "A CGU é um órgão sem independência e está aparelhado. Órgãos que tenham responsabilidade de fiscalização precisam contribuir para a elucidação de ilicitudes. Se a CGU responde ao Executivo, com que isenção poderá analisar os acordos?", diz ele.
Os procuradores acreditam que, a partir do momento em que as empreiteiras assinarem os termos e voltarem a captar junto ao governo, duas situações podem ocorrer: a celebração do acordo desencoraja os executivos já presos a firmarem a delação premiada com o MPF; ou o processo administrativo se resolve rapidamente sem grandes danos ao caixa das companhias, o que permitirá que seus sócios - mesmo que afastados - continuem recebendo dividendos. Os empresários teriam, assim, lastro para sustentar estratégias jurídicas que levassem os processos criminais a se arrastar por anos.
A possibilidade de as empreiteiras continuarem a assinar contratos com o governo depois de fazer os ressarcimentos, pagar as multas e ajustar as regras de governança acordadas é o ponto chave da leniência. Para as empresas, é questão óbvia de sobrevivência. Para o Planalto, significa preservar o andamento de obras que estão paralisadas devido à Lava Jato. Também é de interesse da presidente Dilma manter minimamente o ritmo das licitações previstas para o ano. Pesa sobre os ombros do Executivo o cumprimento dos prazos das obras dos Jogos Olímpicos de 2016. Empreendimentos cruciais, como o Parque Olímpico da Barra, a Vila dos Atletas e a Linha 4 do metrô, estão nas mãos de empresas investigadas. Por fim, o impacto econômico de uma devastação das empresas atormenta o Planalto, já que a exposição dos bancos públicos às companhias é altíssima. Tal preocupação foi tema de relatório recente da agência de classificação de risco Moody's sobre o Brasil.
O Planalto usa a falta de regulamentação da Lei Anticorrupção como arma, na expectativa de que as ambiguidades - por exemplo, sobre o papel do TCU na leniência - se resolvam da maneira que mais lhe convêm. O prazo para regulamentação expirou há mais de um mês e a Casa Civil, que detém o documento, não aponta nenhuma data para que ele saia da gaveta. Assessores do Planalto garantem que a presidente Dilma não vai regulamentar a nova lei antes que a crise criada pela Lava Jato seja contornada.
Na avaliação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, contudo, a falta de regulamentação não deve ser vista como um empecilho. O ministro considera que os artigos da lei são claros, à luz da Constituição. "A regulamentação não é condição para a aplicabilidade da lei", diz Ayres Britto. Segundo ele, também é claro a quem cabe a competência para celebrar os acordos: à CGU, e não ao MPF. "A leniência não veio para substituir a lei penal. Ela é colocada no âmbito da administração pública para reforçar o combate à corrupção. Não substitui outras leis. É um acréscimo, um reforço, um aperto contra os infratores", diz.
Outro ponto nebuloso é o número de empreiteiras aptas a pedir o acordo. A CGU tem se esquivado de levantar essa questão durante as reuniões - algo que já preocupa advogados de algumas das empresas investigadas. A lei prevê que só se beneficia do perdão a primeira pessoa jurídica "a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito". É a mesma lógica usada no Cade. Mas o advogado de uma companhia investigada defende outra tese. "A intenção do legislador foi dizer que todo aquele que cometeu erros e quiser reconhecer a culpa, que fale rápido", afirma.
O procurador Alexandre Camanho, da ANPR, afirma que, se fosse celebrado no âmbito do MPF, o acordo só beneficiaria mais de uma empresa se os delitos cometidos fossem distintos e abrissem caminho a novas frentes de investigação - como é o caso da Camargo Correa e as primeiras delações de seus executivos mencionando a usina de Belo Monte. "No caso de haver problemas em outras áreas da Petrobras, ou em outras estatais, haveria a possibilidade de ampliar a investigação e, assim, as empresas que colaborassem também poderiam pedir a leniência, mesmo que uma primeira já tivesse firmado o acordo", diz.
As disputas de poder em torno da leniência são nocivas, na opinião do ex-ministro Ayres Britto. Ele acredita que elas terminam por tirar o foco do que realmente importa: o espírito da lei, que é o combate à corrupção. "Essa lei veio para se somar às que já existem. Vem numa ambiência brasileira nova, com a implantação de uma cultura da decência, da honestidade, da lisura. Ela chega numa nova fase da vida cultural brasileira que é a ideia de que compensa ser honesto", afirma. Que assim seja...

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