sábado 02 2013

Cafezinho com Marieta


Marina Rossi
Fotos Jorge Bispo
Styling Ale Duprat / abá mgt
Beleza Lu Moraes
Aos 50 anos de carreira e prestes a estrear sua 31ª peça, Marieta Severo conta à Gente sobre sua vida numa grande família, fala de política, casamento e trabalho. Muito trabalho. Exatamente o ponto que separa a doce dona Nenê da atriz que levanta poeira nos palcos
Marieta Severo chega apressada ao Teatro Poeira, no Rio de Janeiro. Passa reto pelo camarim e corre para a cozinha do espaço carioca de propriedade dela e da atriz Andréa Beltrão. “Queria ver se tem um cafezinho para o pessoal”, explica ela à assessora, pouco depois de cumprimentar todos, um a um. Prestes a completar 50 anos de carreira, a atriz se confunde na vida real com um de seus mais populares personagens. Qualquer semelhança com a solícita dona Nenê do seriado A Grande Família, na Globo há 13 anos, não é mera coincidência.
A simpatia e o espírito maternal da personagem também não são mera encenação. Aos 66 anos, Marieta é mãe de três filhas de seu casamento com o cantor Chico Buarque, e avó de seis netas e um neto. A semelhança com dona Nenê, porém, para por aí. Além da agitada vida numa grande família, Marieta tem uma atribulada agenda de trabalho. Está em cartaz no filme  Vendo ou Alugo em que contracena com a filha Silvia Buarque. Grava a próxima temporada de A Grande Família. E estreia nos palcos em 20 de setembro com a peça Incêndios, no Teatro Poeira. A peça, do libanês-canadense Wajdi Mouawad, montada em vários países, virou filme que foi indicado ao Oscar em 2011. Conta o drama de uma mãe que, ao morrer, deixa uma carta para os dois filhos com a incumbência de encontrar no Oriente Médio o pai e um terceiro irmão, até então inexistente. Na montagem, a direção é de Aderbal Freire Filho, que há oito anos namora a atriz.“Ele é um dos melhores diretores do Brasil”, diz.
De família de classe média carioca, Marieta começou a contracenar nos palcos da escola e nunca mais parou. Depois de 30 peças, 10 novelas e 35 filmes, diz ainda sentir frio na barriga antes de subir ao palco. “Tenho insônia matinal. Umas duas horas depois de dormir, acordo e fico agitada.” Marieta dorme tarde e mora sozinha.  A vida da atriz imita a arte, mas só até certo ponto. Enquanto corre o papo, chega o cafezinho:
Gente – Você tem uma grande família, com filhos e netos. É a dona Nenê na vida real?
Marieta Severo – Completamente! Não é à toa que a dona Nenê ficou assim. Adoro esse assunto!  Adoro ter criança, adoro minha família e preservo isso. A gente se fala quase todo dia. Todo domingo a gente gosta de estar junto. De algum jeito me inspirei na minha mãe para fazer a dona Nenê. Minha mãe foi professora de inglês numa certa época, mas ela era uma mulher completamente da família. Agora, minha mãe era muito lida. Eu me lembro da minha mãe sempre lendo, que é um lado que a dona Nenê não tem.
Gente – Nesse papel, você representa milhares de brasileiras, mães, esposas. E você tem três filhas. E seis de seus sete netos são meninas. Como é viver rodeada de mulheres?
Marieta – É muito bom. Queria muito ter uma filha. Quando Silvinha (a primogênita) nasceu, disse: ufa! Já tenho uma. E aconteceu de ter três filhas e seis netas. Gosto do universo feminino.  Me sinto à vontade. Com o Chiquinho (seu neto), mesmo ele sendo pequeno, procurava acompanhá-lo nas brincadeiras, mas acabava fazendo tudo errado! E ele dizia: “Não, vó. Não é assim!”. Aí achava que estava arrasando e dizia : “Aí ele lutou e deu um tiro”. E ele: “Não, vó. Não deu, não!” Só dava furos!
Gente – Você diz que não quer mais casar, que quer continuar namorando.
Marieta –
 É isso. Definitivamente. É assim há oito anos, nove anos.
Gente – Nunca pensou em  se casar novamente?
Marieta –
 Como sou muito “aqui e agora”, o dia de hoje está bom assim. Gosto de morar sozinha. Muito! Adoro. Mas não tenho solidão nenhuma. Se é uma coisa que eu não tenho é solidão. Não dá tempo. E quando fico sozinha, eu adoro. Por isso durmo tarde e gosto tanto da madrugada…
Gente – E na madrugada você  fica produzindo, escreve, lê?
Marieta 
– Sei lá menina, o que tanto eu fico lá enrolando. Até parece que fico produzindo coisas! Eu leio, vejo televisão. Adoro assistir tevê
na madrugada. Sou a rainha da Globo News! Vejo a mesma notícia dez vezes. Aí vejo o Programa do Jô, leio…

Gente – Separações são marcadas por dores que com o passar do tempo vão se assentando. Há histórias difíceis e histórias que são recompostas. Você e Chico Buarque passam a sensação de que souberam transformar a ruptura de um casamento de 30 anos numa relação boa. Hoje, anos depois, o que aprendeu com a experiência de desfazer um casamento longo?

Marieta – Aprendi basicamente que é bom você ter coragem e mudar coisas na sua vida. Que outras coisas se apresentam. É bom. E eu tenho certeza: não conseguir transformar uma história, que é a maior da sua vida – um casamento de 30 anos –, na amizade mais importante da sua vida é uma tristeza muito grande. Uma sensação de perda muito dolorosa. A gente tem um ao outro, só que de outra maneira. Somos uma família. Temos a coisa mais preciosa das nossas vidas que são nossas filhas e netos. Não poder compartilhar isso deve ser muito triste. Tem muita gente que não consegue, e eu agradeço à vida por ter feito a gente conseguir. É muito importante e é uma coisa que prezo demais. Dou muito valor por termos conseguido.
Gente – Essa relação fez diferença na criação das suas filhas?
Marieta –
 Toda diferença! A gente vai comer uma pizza todo mundo junto. Domingo tá todo mundo almoçando.  A gente conversa, fala, é igual. Tem um código que se estabelece quando a família está junto. Um fala de uma coisa que o outro já sabe e já vai adiante e quem não é da família não entende.
Gente – A canção “Beatriz”, de Chico, foi feita para você?
Marieta –
 Olha, isso de dizer que tal música foi feita para tal pessoa é realmente desconhecer completamente um processo de criação. O que entra num processo de criação são coisas tão misteriosas, tão pouco lincadas à realidade direta.  O Chico ri muitas vezes de coisas que são ditas. Não é assim. Acho que tive uma certa sabedoria de perceber que aquela obra é uma obra de ficção. É uma poesia. Está em outro nível. Você querer ler aquilo de acordo com a sua vida, com o seu cotidiano, é loucura. Você enlouquece. É restringir a pobre da pessoa. O que a pessoa está querendo te dizer? É poesia! É um terreno onde vale tudo, onde entram subjetividades, fantasias, tudo… Não gosto de nada ao pé da letra, não.

Gente – Em Incêndios, a direção é do Aderbal. Como é o prazer de exercer o que você mais gosta ao lado da pessoa que ama?
Marieta –
 Esse é o terceiro trabalho que fazemos juntos. Quando estamos Andréa (Beltrão), eu e Aderbal dentro do Teatro Poeira, a emoção é muito maior do que em qualquer outra circunstância de trabalho. Agora estou com Aderbal e um elenco maravilhoso. Estamos o tempo todo criando.
Gente – Você é politizada. Isso é  de família? Seus pais eram?
Marieta –
 Não muito. Meu pai foi líder estudantil na época da faculdade de direito. E esse era um tema na minha casa. A minha mãe era uma mulher muito inteligente, muito informada. Então se falava muito de tudo, mas não era uma família com uma atuação política. Era uma família de classe média, consciente da vida política do País.

Gente – A figura da mulher no poder pode representar uma nova era? Está satisfeita com a Dilma?
Marieta –
 Achei bem bacana ter uma mulher presidenta. É muito simbólico. Acho que se você olhar o Brasil de 20, 30, 40 anos atrás e o Brasil de agora, é impossível não reconhecer muitas conquistas sociais e uma estabilidade econômica. E o mais importante desse momento que estamos vivendo é esse despertar da sociedade.  É impossível eu não achar que temos vitórias muito grandes. E eu gosto de ter um olhar positivo em cima desses governos democráticos. Eu me permito ter. Faço questão de ter.
Gente – Você fez o coro do “Lula Lá”, em 1989. Faria campanha política hoje?
Marieta –
 Se achar necessário, sim.
Gente – Em Vendo ou Alugo, a sua personagem fuma maconha. Já experimentou drogas?
Marieta –
 A minha geração experimentou de tudo. Eu era das menos animadas (risos). Tive filho muito cedo. Com 27 anos , já tinha três filhos e trabalhava como uma louca. Então era complicado ter tempo disponível para desbundar. Desbundar não fez muito parte da minha vida. Faltou um pouquinho do desbunde. E a minha geração é a geração do desbunde. Eu experimentei pouco por excesso de trabalho e de família e de tudo.
Gente – Qual considera ser o papel da sua vida?
Marieta – 
Quando fiz No Natal a Gente Vem te Buscar (1979), do Naum Alves de Souza, foi a primeira vez que eu produzi no teatro. E foi meu primeiro trabalho com o Naum. Ele teve muita influência sobre mim no sentido de eu encontrar a minha entidade como atriz. Sinto que ali foi um ponto de virada. Ganhei prêmio com esse trabalho. Tive reconhecimento maior. Eu me lembro de me descobrir como atriz com ele. A peça tinha humor. E me lembro de começar a aprender a lidar com aquilo, a descobrir que eu podia fazer aquilo. (Marieta mostra no celular uma foto antiga de quando fez a novela O Sheik de Agadir, em 1966, e diz: “Olha como o tempo é cruel”.)
Gente – Falando em tempo, você tem um talento inquestionável, mas também sempre foi bonita…
Marieta –
 Não, não fui. Estou falando sério. Nunca fui considerada uma mulher bonita, gente. O que acho bacana é que eu tenho um tipo de rosto que posso fazer, desde a mulher feia até enfeitar e ficar mais charmosa. Mas nunca fui bonita. As mulheres bonitas da minha geração são outras. Não tenho essa responsabilidade. Posso ficar caquética na boa! Vejo fotos minhas hoje em dia e falo: “Ah, até que eu era engraçadinha”. No máximo! Mas nunca me achei bonita. Eu era uma moreninha jeitosinha.  A Tonia (Carrero), que era uma geração bem acima da minha, era de parar o trânsito. A Leila (Diniz) era uma mulher muito bonita, de traços, tinha um narizinho. A Dina (Sfat) também. Achava a Dina linda.

Gente – Certa vez você contou que jogou fora cartas trocadas com Leila Diniz quando morava em Roma. E você se arrependeu depois. Por isso, hoje guarda tudo. O que você guarda da sua juventude?
Marieta – 
A paixão pela dança. Eu queria ser bailarina. Estudei balé clássico e contemporâneo. Você falou da minha juventude e me lembro que eu dançava nas festas o tempo t-o-d-o. Se eu pensar na minha juventude, acho que o que mais fiz foi dançar. Eu era o maior pé de valsa. Entrava em concurso de rock, adorava dançar.
Gente – Como se prepara para um novo personagem?
Marieta –
 A primeira coisa é o texto te tocar de diversas formas. É um trabalho de entendimento: o que é essa peça? O que o autor quer dizer com isso? Em que lugar se passa? Depois, o que é esse personagem dentro desse contexto? Para esse processo, preciso de imagem (ela mostra o camarim, cheio de fotos na parede)? Vou cortando figuras, à medida que vou lembrando de um pintor que tenha a ver com aquele personagem. E aí entra a música. Procuro descobrir músicas que me alimentem. Se você for ver o meu texto de agora (mostra um calhamaço  encadernado, com uma capa com um desenho do  pintor Lucian Freud), é cheio de imagem. E isso eu faço antes de começar a ensaiar. É um trabalho preliminar.
Gente – E o que você tem ouvido ?
Marieta –
 Ah, um bando de coisas. Música brasileira, clássica. A (diretora francesa de teatro e cinema) Ariane Mnouchkine diz uma coisa maravilhosa: “A cozinha do ator eu não quero saber, eu quero o bolo pronto”. Você tem que estar com o bolo pronto. Da minha cozinha a gente já está falando muito (risos).

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