sexta-feira 11 2013

Prêmio Nobel da Paz vai para órgão da ONU que controla armas químicas

 Por Jamil Chade, estadao.com.br
Nobel ataca uso de armas na Síria, mas alerta que EUA e Rússia ainda não destruíram os seus arsenais



Em uma mensagem direta aos regimes e governos que possam estar avaliando o uso de armas proibidas, o prêmio Nobel da Paz de 2013 vai para a agência da ONU responsável por controlar arsenais químicos pelo mundo, a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq).

Nesta manhã, o Comitê do Prêmio Nobel anunciou o ganhador em uma disputa que teve um número recorde de participantes. No total, 259 candidaturas foram apresentadas, entre elas 50 instituições. Apesar de os rumores apontarem para o fato de que os favoritos incluiam a garota paquistanesa Malala Yousafzi, o médico congolês Denis Mukwege ou dissidentes chineses, o Nobel mais uma vez surpreendeu.
A Organização para a Proibição de Armas Químicas, uma agência da ONU criada em 1997, passou a ocupar um papel central na crise da Síria ao constatar o uso de substâncias químicas no país, um crime de guerra e que poderia levar os responsáveis a um eventual julgamento internacional. A entidade ainda é a responsável hoje por desarmar o regime de Bashar Al Assad, depois de um acordo fechado entre americanos e russos em Genebra.
Mas o prêmio vai muito além de seu papel hoje na Síria e a opção foi dar uma mensagem clara da instituição escandinava de apoio a uma rejeição completa da comunidade internacional em relação ao uso de armas químicas ou qualquer outra arma proibida. Segundo o Nobel, o prêmio é dado como reconhecimento pelos esforços da Opaq para acabar com as armas químicas no mundo e como um incentivo para os estoques restantes sejam destruídos.
A constatação de que um subúrbio de Damasco sofreu no dia 21 de agosto um ataque químico reabriu o temor de que governos e oposições possam estar considerando que o uso dessas armas seria algo aceitável. Há pelo menos 25 anos um ataque similar não ocorria no mundo. Além dos ataques do dia 21, a ONU investiga outros 14 casos suspeitos de uso de armas químicas. Países Ocidentais chegaram a apontar o dedo para o governo de Bashar Al Assad como o responsável pelos ataques. Mas o governo russo insiste que não existem provas e que seriam os rebeldes os responsáveis.
Mas o Nobel insiste que a mensagem não é dirigida apenas aos sírios. Segundo a entidade, os governos dos EUA e da Rússia não cumpriram o prazo de destruir seus arsenais até o final de 2012, como haviam se comprometido com a agência da ONU. Em menos de 20 anos, a Opaq realizou mais de 5 mil inspeções em mais de 80 países e fiscalizou a destruição de 58 mil toneladas de armas químicas. Mas outras 20 mil toneladas ainda estariam em estoques espalhados pelo mundo.
Brasil – Apesar de ser uma organização de caráter técnico, a Opaq tem um papel político fundamental. Em 2002, o diplomata brasileiro José Maurício Bustani foi derrubado da chefia da entidade depois de uma ação dos EUA para abrir caminho para um ataque ao Iraque. Washington insistia que o regime de Saddam Hussein possuia arsenais de armas químicas e que, por isso, um ataque poderia ser justificado. Bustani defendia inspeções e a destruição dos arsenais.
O brasileiro foi o primeiro chefe da entidade e, para conseguir votos para acabar com seu mandato, o governo americano na época chegou a pagar as anuidades de países que deviam dinheiro à Opaq. O argumento encontrado pelos americanos era de má-gestão por parte do brasileiro, algo que anos depois foi rejeitado por tribunais dos funcionários da ONU. O processo revelou que Bustani foi expulso de forma irregular e sem motivo que se justificasse.
Segundo o Estado apurou, Bustani chegou a encontrar aparelhos de escutas atras de um quadro em seu escritório em Haia, sede da Opaq. Hoje, diplomatas na ONU apontam que o prêmio é em parte um reconhecimento ao posicionamento de Bustani.
Essa não é a primeira surpresa que o Nobel causa em sua história. No ano passado, a instituição deu o prêmio para a União Europeia, como um gesto para lembrar os líderes europeus de que o bloco deveria ser resgatado de sua crise e que seu papel vai muito além de uma moeda única ou de uma harmonização de regras bancárias. Outra escolha polêmica foi a de Barack Obama como vencedor ainda em seu primeiro ano de governo por ações que ele sequer havia iniciado.
Uma vez mais, críticos apontam que o Nobel deu um prêmio para uma entidade que só agora está iniciando seus trabalhos na Síria. Mas o Comitê do Nobel insiste que o prêmio não foi para uma promessa, mas por tudo o que a entidade já fez e pelo fato de que o mundo está prestes a chegar a uma eliminação desse tipo de armas.
Há poucas semanas, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, chefe da Comissão de Investigação da ONU para os crimes na Síria, alertou que as armas químicas são alvos de forte preocupação. Mas que 95% das mortes na guerra civil foram causadas por armas convencionais.

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