domingo 09 2016

Doria em São Paulo: o que esperar da prefeitura-vitrine do PSDB

Algumas propostas do tucano já são copiadas no segundo turno, como o 'Corujão da Saúde', e especialistas vêem concessões e privatizações como tendência

Quando as eleições municipais chegarem ao fim, em 30 de outubro, o PSDB terá saído das urnas com seu maior número de prefeitos eleitos desde 2004. Naquele ano, o partido foi vencedor em 870 cidades; neste, teve 793 prefeitos eleitos no primeiro turno e ainda pode ter 19 no segundo. Tanto em 2004 quanto em 2016, a joia da coroa tucana é a mesma: São Paulo. Doze anos após a vitória de José Serra na capital paulista, João Doria Jr. foi eleito em primeiro turno, um feito inédito. Apadrinhado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o empresário martelou ao longo de toda a campanha que não é um político, mas um “gestor”. Entre suas promessas, elevar a velocidade das marginais, congelar impostos e passagens de ônibus em 2017, contratar 800 médicos e promover atendimento em hospitais particulares durante a madrugada, no inusitado “Corujão da Saúde”.
Menos de uma semana após a vitória do tucano, algumas de suas propostas já pipocam em outras cidades importantes. O candidato do PSDB à prefeitura de Cuiabá no segundo turno, Wilson Santos, por exemplo, incorporou às suas promessas de campanha na semana passada o “Corujão” e o congelamento de tarifas de ônibus. Graças à crise fiscal nos municípios e ao tamanho da vitrine paulistana, as concessões e privatizações de espaços públicos, outro pilar da futura administração de Doria, também devem virar assuntos nacionais, segundo especialistas.
“Estas medidas (privatizações e concessões) devem tomar uma dimensão nacional, porque a prefeitura de São Paulo é a de maior dimensão econômica. Há uma dificuldade financeira generalizada, então os prefeitos, sobretudo os novos, vão olhar algumas administrações como guias, e a de São Paulo é uma delas”, diz o consultor econômico Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento. “João Leite e Marcelo Crivella, os favoritos em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, duas prefeituras que poderiam sinalizar modelos, não têm nenhuma expressão em matéria de gestão”, completa.
O cientista político Rui Tavares Maluf concorda que a crise fiscal nos municípios tende a colocar definitivamente na agenda dos prefeitos pacotes de concessões e privatizações. “Pelo menos nos grandes municípios, além das cidades que têm ativos mais relevantes a oferecer, é possível que isso se dissemine, porque, afinal de contas, a situação é difícil e já há muito tempo isso vem sendo colocado na agenda, mesmo nos governos do PT”, lembra Maluf.
A atual “dificuldade financeira generalizada” dos municípios a que Raul Velloso se refere, e que favoreceria parcerias com o setor privado, é a pior desde 2006, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que sintetiza dados públicos sobre receitas, gastos com pessoal, capacidade de investimento e qualidade de gestão do caixa das prefeituras. De acordo com os cálculos do estudo, divulgado em julho, as prefeituras fecharam suas contas em 2015 com 45,8 bilhões de reais de déficit nominal (saldo negativo entre receitas e despesas, incluindo gastos com juros).
No cardápio do eufemístico “programa de desestatização” que Doria levará ao mercado estão, a princípio, os parques do Ibirapuera, do Carmo e do Anhembi, incluindo o Sambódromo e os centros de convenção e exposições, além do autódromo de Interlagos. Conforme a estimativa do tucano, cujo trânsito entre o empresariado levou adversários a chamá-lo de “lobista” durante a campanha, as privatizações de Interlagos e do Anhembi devem render ao menos sete bilhões de reais à prefeitura.
Coordenador da campanha de João Doria, o ex-deputado federal Júlio Semeghini afirma que as parcerias com o setor privado são necessárias à medida que a “ges-tão”, palavra mágica utilizada por Doria sempre que confrontado com o cobertor curto do orçamento, resolve “parte das coisas, mas não tudo”. “São necessários recursos para investimento, que se faz com Parcerias Público-privadas e realocação de recursos de secretarias que não são prioritárias a saúde e educação, que são prioridade”, diz Semeghini.  “Ele (Doria) tem claro que o caminho é esse, e não tem outra forma, precisamos parar de colocar dinheiro público em algumas coisas”, afirma.
Para Sergio Andrade, diretor-executivo da Escola de Políticas Públicas, a crise econômica por que passa o governo federal deve levar a nova fornada de prefeitos, João Doria incluído, a “inovações”. “Sem dúvida haverá um experimentalismo e São Paulo tem oportunidade de realizar isso de uma forma não estereotipada, sem intensificar o modelo de privatização deixando de levar em conta processos mais inteligentes em que o serviço pode ser concedido ou abrindo mão do tripé oferta, acesso e qualidade”, enumera.

O gestor e o político

João Doria passou a campanha batendo na tecla de que é um “gestor” e utilizou o sucesso como empresário, atestado por um patrimônio de 180 milhões de reais, para catapultar seu discurso. Para Rui Tavares Maluf, “é como se ele dissesse que os políticos tradicionais podem até ter o discurso certo do que deveria ser feito, mas que quando colocam a mão na massa acabam sendo desastrosos, ou, no máximo, regulares, porque não prezam a gestão”.
Sergio Andrade adverte, no entanto, que o discurso, aprovado com folga nas urnas, não lhe dá carta branca na administração. “Nós estamos, desde julho de 2013, num contexto de cidade que aprendeu a reivindicar. Caso o prefeito faça as medidas sem processo de diálogo, dificilmente estas medidas serão percebidas como medidas favoráveis e serão contestadas”, alerta o especialista em políticas públicas.

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