segunda-feira 26 2013

Peçamos o inconcebível



Paulo Rosenbaum - médico e escritor
Ainda que o gigante pareça estar em crise de narcolepsia e a economia em turbulência, perdura a necessidade de acreditar que nossa jovem democracia avance.  Mais que isso, a fé se tornou um imperativo.  
Justiça seja feita. Nos últimos 20 anos conseguiu-se expressivo aumento do IDH da maioria dos municípios brasileiros. Malgrado o país tenha melhorado em muitos aspectos, especialmente na desigualdade social — ainda uma das 10 piores do mundo — não se conseguiu (coletivo, todos nós) inculcar na elite, nos dirigentes e na própria população uma das qualidades essenciais da democracia. Aqui há, sim, um principismo: que assumamos as responsabilidades.
Sem esta qualidade viveremos em solavancos e de sustos. Revolucionar valores tem a ver mais com o mundo que valoriza qualidades do que com o que os grupos escrevem em suas plaquetas. Curioso é que parecem todos as favor. Se não há ninguém contrário às  mudanças, o que estamos esperando?
Mas, e se as regras que permitiriam o resgate da cidadania estiverem cercadas pelas catracas do atraso e de um anacrônico sistema cartorial? E se  a burocracia continuar a engessar a liberdade? Sair por aí contestando sem foco, sem direção e especialmente sem princípios não é saída, é escapatória autoilusória.
Crescer não significa abandonar ambições e expectativas, nem a derrocada da utopia que nunca chegou. O amadurecimento tem a ver antes com enfrentar as consequências dos próprios atos. Não que seja fácil ingressar no mundo adulto, mas é o que podemos exigir dos que postulam e ocupam cargos públicos.
Sejamos sensatos, peçamos o inconcebível, quem sabe conquistamos o plausível? 
A maturidade ensina que a demolição prematura de instituições que apenas começavam a funcionar depois da redemocratização do país é o resultado de grave erro de avaliação. Na era do tempo real, sem verdadeiros pactos pelo consenso a governabilidade inexiste ou tem prazo de validade vencido precocemente. Não basta ter a soma dos votos e a maioria. Quando com um clique se convoca uma marcha pelas redes sociais, ninguém pensa no alcance prático disso. O protesto, que era manifesto, que era resistência, que era indignação coletiva, vem adquirindo uma autonomia escusa. E, como se sabe, a violência costuma ser o braço armado do autoritarismo.
Não porque existem vândalos. Os anarquistas que depredam as vias públicas pensam ser revolucionários vem a calhar. Servem bem para construir repúdio por mudanças e mostrar quão pior pode ser. São, portanto, a antítese da revolução. Incorporaram-se à reação porque a sua preocupação está em mostrar força e negar qualquer tipo de poder. Ao mesmo tempo, investem-se de um poder maior, e fazem das multidões um aríete contra qualquer um. Dominados pelo narcisismo primitivo que distorce as imagens e os espelhos, não se enxergam assim. Mas não passam de reacionários perturbados. E eles não estão sós. Por trás dos mascarados que roubam e depredam está uma inimputabilidade inconsequente que o poder, com a anuência da sociedade, vem se outorgando. Pois, não se trata de uma outra via autoritária quando se criam foros privilegiados, justiça inacessível e/ou subordinada?  Quando ficam evidentes os critérios seletivos para o que se costuma chamar “igualdade de oportunidades”?  
Para cada autêntico beócio predador que se infiltra nos protestos há um correspondente que se esconde na vidraça blindada das autoridades, dos palanques, no palavreado autocongratulatório e nos discursos de posse. Trata-se da dupla face, ambas igualmente injustificáveis e daninhas. Só que  enquanto uma é televisionada, a outra permanece privativa em circuito fechado.
E como a filósofa ensinou: quando se perde a autoridade, alguém há de clamar pelo autoritarismo.

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