domingo 19 2013

'Faroeste Caboclo' promove o encontro de Renato Russo com João do Santo Cristo


Cinema

Filme evita parecer videoclipe da canção e consegue reproduzir com habilidade a Brasília dos anos 80. Citações estão distribuídas pelo roteiro, mas fãs só ouvirão a música nos momentos finais do longa

Cena do filme 'Faroeste Caboclo'
Cena do filme 'Faroeste Caboclo' (Divulgação)
É quase inevitável que um filme passe pela cabeça de quem ouve Faroeste Caboclo, roteiro cinematográfico travestido de música na composição de Renato Russo lançada em 1987. É esse filme que se tem diante dos olhos com o longa-metragem homônimo de René Sampaio, com estreia nacional prevista para o dia 30. 

Extremo e poético como a canção que narra a tragédia do “Peixes com ascendente em Escorpião” João de Santo Cristo, o filme do estreante brasiliense não é, como se poderia esperar, um videoclipe da música. Mas os fãs podem respirar aliviados: a história está lá, senão inteira e literal, em essência preservada.


Talvez menos preocupados em seguir à risca o enredo dos 159 versos de Renato Russo do que levar para a tela a discussão sobre desigualdade social que eles propõem, os roteiristas Marcos Bernstein e Victor Atherino deram ênfase à formação do bandido que remete a Jesus Cristo – natural de Santo Cristo, no sertão da Bahia, ele é exímio marceneiro. Mas deixaram de lado a ideia da letra que transforma o traficante numa figura pop. A dupla também assina o roteiro de Somos Tão Jovens, baseado na juventude de Renato Russo.
João de Santo Cristo é encarnado por Fabrício Boliveira, que vai de adolescente a adulto em cena, passando da doçura ao momento “sangue nos olhos” com notável desenvoltura, como fizera em Subúrbia, série que Luiz Fernando Carvalho dirigiu na Globo no ano passado. “Já nasci com muita conta para acertar”, filosofa o personagem, que vê o pai ser assassinado e a mãe morrer no meio da pobreza, de onde ele sai deixando alguns corpos no caminho, direto para Brasília, sem tempo para remorso.

A bela fotografia de Gustavo Abda, perfeita para um faroeste, ajuda a reconstruir a capital federal dos anos 80, onde se materializam a Maria Lúcia, “uma menina linda” vivida por Ísis Valverde, o “traficante de renome” Jeremias (Felipe Abib) e o “peruano que vivia na Bolívia” Pablo (Cesar Troncoso) – este um parente distante do protagonista. Há ainda Antônio Calloni, como um policial corrupto e capanga de Jeremias, e Marcos Paulo, no seu último trabalho como ator, como pai de Maria Lúcia, um senador que substitui a figura de poder do “senhor de alta classe com dinheiro na mão” da música.

A história usa o tempo todo os contrastes de Brasília, entre o pessoal das asas Sul e Norte, onde estão os apartamentos funcionais e os endinheirados, e os bolsões de pobreza, mais precisamente Ceilândia. Maria Lúcia, por exemplo, é apresentada como uma estudante de arquitetura. “O rico projeta e o pobre constrói”, diz o marceneiro João, que detona o mercado do playboy Jeremias quando começa a abastecer as festas com maconha, digamos, orgânica. “Tem bagulho bom aí”, comemora um comprador, numa das citações à música espalhadas estrategicamente pelo filme.

A voz de Renato, entretanto, só é ouvida nos créditos finais. Em solução melhor do que seria usá-la como num clipe, Philippe Seabra, da banda Plebe Rude e que assina a trilha sonora, preferiu ir de Clash, Sex Pistols e até Nancy Sinatra. Logo no começo, quando João passa a frequentar as festas da asa sul, a Legião Urbana aparece ao fundo, no palco. E, assim, João de Santo Cristo deixa de ser criatura, para se tornar contemporâneo do seu criador.
Fabrício Boliveira é João de Santo Cristo, órfão que se envolve no mundo do crime desde cedo na ânsia de sair da pobreza. A saga do jovem - que mergulha até as últimas consequências na paixão por Maria Lúcia (Isis Valverde) - foi composta por Renato Russo e virou um dos hinos da Legião Urbana, desde o lançamento em 1987. Direção: René Sampaio.

Nenhum comentário: