segunda-feira 28 2012

O diplomata e o monopólio da ofensa e do direito de se sentir ofendido. Não aqui! Ou: A candura que relincha ou o cinismo que sibila


Vamos lá… Ô madrugada animada. Vamos botar algum barulho no silêncio. Recebi algumas mensagens indignadas de amigos do diplomata Alexandre Vidal Porto e de militantes ou simpatizantes da causa gay. O mais impressionante, o mais estupefaciente, o mais espantoso é que me acusem, vejam vocês!, de tê-lo agredido. Talvez fosse uma falha terrível, indesculpável mesmo, da minha formação intelectual. Mas o fato é que eu nunca tinha ouvido falar dele, não sabia que existia. Passou a ser uma realidade pra mim quando enviou um comentário me acusando de má-fé e chamando os leitores deste blog de “cambada”. E eu respondi. Qual é a reclamação?
Há leitores desde blog que são gays e héteros, homens e mulheres, brancos, mestiços, pretos, corintianos, palmeirenses, flamenguistas, vascaínos, de direita, de centro e, como todos sabemos muito bem, de esquerda também. Não há um só desses grupos que forme, para mim, uma categoria de pensamento. Eu não reconheço como legítimas essas clivagens quando o assunto é política — tema de que principalmente me ocupo aqui. Mas não só isso: não só não reconheço como combato as correntes de pensamento que pretendem que esses temas — que Marina Silva, por exemplo, gosta de chamar de “transversais” — tomem o lugar de valores que considero universais, vale dizer: que interessam a gays, héteros, homens, mulheres etc.
E não reconheço, sr. Vidal Porto e senhores e senhoras amigos de Vidal Porto, porque costumam ser a porta para visões autoritárias ou totalitárias de sociedade. Tomem-se como exemplo, lá vamos nós, a tal lei que pune a chamada “homofobia” e proposta semelhante recentemente enviada ao Senado por uma comissão de juristas que elabora sugestões para a reforma do Código Penal. Os dois textos transformam em crime demitir ou deixar de admitir pessoas em razão da identidade de gênero, orientação sexual etc. É evidente que se vai abrir a porta para a falsa denúncia e que se trata de uma das chamadas discriminações positivas da lei destinadas a proteger um grupo supostamente vulnerável. O texto, se aprovado, vai proteger os gays? Pode é prejudicá-los. Os selecionadores tenderão a evitar a contratação de homossexuais, quando isso for mais ou menos evidente (e quero ver alguém conseguir provar que não foi admitido num emprego por causa de “preconceito”), para se precaver de eventuais problemas futuros. É o tipo de proteção que satisfaz os anseios do sindicalismo gay, militante, mas que pode criar dificuldades para os gays que não estão organizados numa “categoria” — a esmagadora maioria. Acabaria estigmatizando o grupo ao qual se pretendia conceder um privilégio.
Os tolos dizem: “O Reinaldo quer proibir…” O Reinaldo não quer proibir coisa nenhuma! Cada um diga o que acha justo e milite em favor da causa que considere consequente. Eu só me reservo o direito de dizer o que penso já que se trata de questões públicas, que dizem respeito à legislação. O fato de eu não reconhecer essas clivagens como categorias de pensamento não implica cerceamento do debate. Ao contrário: eu estou nele com uma opinião que não coincide com a de certa militância.
E é nesse ponto que o bicho pega. Por que o senhor Vidal Porto pensa que pode me ofender e aos meus leitores? Eu respondo: porque ele tem uma militância gay — ainda que distinta daquela levada adiante por grupos influentes — e parece achar que isso lhe confere licenças especiais. Só pode ser isso. Ou por que sairia por aí a ofender pessoas que nem conhece? Vidal Porto e seus amigos parecem achar que ele (ou eles…) tem o monopólio tanto da ofensa como do direito se sentir ofendido. E não tem. Eu não reconheço nem ao papa Bento 16 o direito de me atacar gratuitamente — o que ele certamente não faria. Mesmo Deus já cheguei a evocar em apostrofes atrevidas, nas pegadas de Padre Vieira: “Mas como permitis, Senhor, tal luta entre o Bem e o Mal?”.
É curioso que agora venha uma corrente mais ou menos organizada reivindicar o seu direito de entrar nesta página para atacar o autor do blog e também aqueles que o leem. E dizem, não sei se com a candura que relincha ou com o cinismo que sibila, que não permito o contraditório… Ora, a razão de ser de um blog é a leitura de mundo que faz o seu autor, a exposição e o exercício dos seus valores, a comunidade — sim! — que lhe dá vida. Um blog sem leitores, como é mesmo?, é “Avião sem asa, fogueira sem brasa, futebol sem bola, Amor sem beijinho, Buchecha sem Claudinho…” E vem o sr. Vidal Porto e aqueles que ele mobilizou (ou se mobilizaram por ele) atacar um e outros? Por que eu permitiria? Não mesmo!
Divergem do que penso sobre a tal lei da homofobia ou o kit gay? Tentem fazê-los indispensáveis sem, no entanto, a ofensa e  a desqualificação de quem pensa de modo diferente. Ou, pior ainda, o esforço para transformar a divergência numa caricatura. Até porque já defendi aqui pontos de vista polêmicos sobre o tema, contestados por muitos leitores. O mesmo aconteceu por ocasião da votação, no Supremo, da liberação com pesquisas de células-tronco embrionárias e da permissão de aborto de fetos ditos anencéfalos. Havendo respeito, a divergência tem curso — desde que correntes organizadas na Internet não tentem aparelhar o blog.
Ocorre que representantes de certos grupos não estão interessados em debater. Muito pelo contrário: basta-lhes satanizar o outro e tentar deslegitimá-lo como dono de uma opinião — a menos que esteja afinado com os valores de grupos militantes ou influentes. Ou o fato de alguém se considerar vítima (de preconceito ou outra coisa qualquer) ou eventualmente ser, de fato, vítima lhe confere o direito especial de ofender, agredir e, em muitos casos, transgredir as leis para realizar seus intentos?
Não só não devo desculpas ao sr. Vidal Porto, um servidor público que tem de respeitar um código de conduta, como acho que o devedor é ele. Quer me ofender, me atacar, me esculhambar, ele que o faça. Se e quando me der na telha e achar conveniente, respondo. Já o ataque aos leitores é intolerável. Trata-se de uma tentativa de criar um estigma. E quem o faz? Justamente aquele que, supõe-se, milita em favor do fim de estigmas.
Texto publicado originalmente às 2h51
Por Reinaldo Azevedo
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-diplomata-e-o-monopolio-da-ofensa-e-do-direito-de-se-sentir-ofendido-nao-aqui/ 

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